Acórdão nº 6227/20.1T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelSOUSA PINTO
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Os juízes desembargadores que integram este colectivo da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, acordam: I–RELATÓRIO: P… e S…, intentaram acção comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo que que se declare que a primeira vive em união de facto com o segundo há mais de 3 anos.

Após ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 3.º, n.º 3, do CPC para que os AA.

se pronunciassem sobre eventual indeferimento liminar da petição inicial por ilegitimidade e incompetência material do tribunal para apreciar o pedido formulado na acção (convite ao qual os AA.

acederam, por requerimento de 24-06-2020), veio a ser proferido despacho de indeferimento liminar da petição, por ilegitimidade passiva do Estado Português e falta de interesse em agir por banda dos AA., por se entender que a pretensão destes vertida nesta acção foi já objecto de reconhecimento pela ordem jurídica brasileira, carecendo apenas de ser alvo de reconhecimento no nosso ordenamento jurídico por via de revisão de sentença estrangeira, para o que o tribunal de família é incompetente em razão da matéria para a conhecer.

Inconformados com tal decisão vieram os AA.

recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões: «A.

–A sentença sub judice determinou o indeferimento liminar da acção para reconhecimento de situação de união de facto que foi interposta pelos ora Recorrentes, porquanto, de acordo com a sentença: (i)- o Réu Estado Português seria parte ilegítima na referida acção e (ii)- existiria falta de interesse em agir, uma vez que o facto de a união de facto dos ora Recorrentes já ter sido reconhecida notarialmente pelo Estado brasileiro obrigaria a que se lançasse mão do processo de revisão de sentença estrangeira previsto nos artigos 978.º e seguintes do CPC.

B.

–Começando pela excepção de ilegitimidade passiva, a sentença refere que o Estado Português é parte ilegítima nas acções para reconhecimento de situação de união de facto para efeitos de obtenção de nacionalidade portuguesa, porquanto (i) nessas acções só seriam defendidos interesses individuais e (ii) não sendo necessária a intervenção do Estado, como réu, nas acções judiciais em que cidadãos nacionais requerem o reconhecimento da união de facto, ao abrigo da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, não haveria qualquer razão para que, perante a mesma acção, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, se distinguisse a legitimidade passiva em função da nacionalidade da parte activa.

C.

–Não é verdade que as acções para reconhecimento de situação de união de facto a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade apenas sirvam para defender interesses nacionais.

D.

–Sendo uma acção que antecede o processo de aquisição de nacionalidade portuguesa, a acção para reconhecimento de situação de união de facto não pode ser considerada uma acção em que apenas estão em causa interesses individuais.

E.

–Nos processos de atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos estrangeiros estão também em causa, naturalmente, os interesses do Estado Português em atribuir nacionalidade portuguesa aos cidadãos que tenham ligações à comunidade nacional, bem como os interesses em recusar a atribuição de nacionalidade a todos os indivíduos que não se enquadrem dentro dos requisitos previstos na Lei da Nacionalidade.

F.

–No caso das acções para reconhecimento de situação de união de facto a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade, o Estado Português tem – e é a única entidade que pode ter – interesse directo em contradizer o pedido de reconhecimento da união de facto, por forma a, em certos casos, evitar, por exemplo, situações de fraude à lei.

G.

–É, portanto, evidente que estas acções não envolvem apenas interesses individuais, mas envolvem também interesses comunitários, que só podem ser defendidos através do chamamento do Estado Português na qualidade de Réu.

H.

–E quanto ao segundo argumento, também nas acções que sejam propostas por nacionais portugueses para reconhecimento de situação de união de facto, com o objectivo de reivindicar direitos ou benefícios decorrentes dessa situação, deverá ser chamado como Réu o Estado Português, por ser a única entidade com legitimidade para contestar esse tipo de acções.

I.

–Em qualquer caso, a comparação que é feita na sentença não tem qualquer razão de ser, uma vez que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na falta de disposição em contrário, não é necessário interpor qualquer acção judicial para reconhecer a situação de união de facto, podendo a prova da união de facto ser feita por qualquer meio.

J.

–Nesses casos, a forma mais comum de prova da situação de união de facto é através da declaração emitida pela junta de freguesia competente, acompanhada por declaração dos membros da união de facto sob compromisso de honra, conforme previsto no n.º 2 do artigo 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

K.

–Logo por aqui se vê que, mesmo que seja interposta uma acção para reconhecimento de situação de união de facto ao abrigo da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio – como por exemplo, em casos de fundadas dúvidas, para efeitos de acesso às prestações por morte (n.º 3 do artigo 6.º) – essa acção nada terá em comum com a presente acção.

L.

–Se a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio permite que a união de facto seja provada por qualquer meio – como, por exemplo, através de declaração sob compromisso de honra – verifica-se que a necessidade de intervenção do Estado Português numa eventual acção para reconhecimento da situação de união de facto ao abrigo dessa lei não será tão premente como na presente acção.

M.

–Com efeito, na presente acção, o n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade prevê expressamente que deve ser interposta no tribunal uma acção para reconhecimento da situação de união de facto, já que, para efeitos de atribuição de nacionalidade, não basta qualquer tipo de prova para que se reconheça a existência de uma união de facto, antes sendo necessário, pelos interesses colectivos que estão envolvidos, a intervenção de um juiz e do Estado Português para assegurar que não há dúvidas sobre a existência de uma situação de união de facto.

N.

–Assim, não pode ser feita, como é natural, uma comparação entre estes dois tipos de acção, porquanto os interesses envolvidos são totalmente distintos e os requisitos de prova são incomparáveis.

O.

–É, portanto, evidente que, nas acções para reconhecimento de situação de união de facto previstas no n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade, só o Estado Português, representado pelo Ministério Público, é que pode ter interesse directo em contradizer a acção.

P.

–Por essa mesma razão, no presente caso, quando o processo foi submetido à apreciação do Ministério Público antes de ser concluso, foi proferida, a 10.09.2020, vista a promover que fosse o Ministério Público citado para a acção.

Q.

–É unânime, tanto na jurisprudência como na doutrina, que a única entidade que tem legitimidade passiva no âmbito de uma acção para reconhecimento de situação de união de facto é o Estado Português.

R.

–Impõe-se concluir pela inexistência, no presente caso, de ilegitimidade passiva, porquanto é pacífico que o Estado Português é a única entidade que pode ter interesse para contestar a presente acção.

S.

–A sentença invoca...

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