Acórdão nº 300/21 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo de Instrução Criminal de Ponta Delgada (TJCA), em que é recorrente o Ministério Público e é recorrida A., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 86-87), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC) da decisão proferida por aquele Tribunal em 13 de agosto de 2020 (a fls. 72-80).

2. O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cf. fls. 86-87):

«Tendo sido notificado da decisão proferida a 13/08/2020, onde foi decidido desaplicar os pontos 7/b/ii/2/a e 7/b/ii/3 da Circular Normativa DRS-CNORM/2020/39-B, bem como o artigo 12° do Anexo I do Decreto Regulamentar Regional n.° 1/2020/A, de 23/01 - onde aquela se funda - e ainda os n.°s 4 e 5 da Resolução do Conselho do Governo n.° 207/2020, de 31 de Julho (quando interpretadas no sentido de que a autoridade de saúde pode obrigar ao isolamento profilático ou quarentena por 14 dias as pessoas consideradas "contactos próximos de alto risco" de pessoa cujo teste de despiste ao Covid-19 deu resultado positivo, mesmo que aquelas apresentem testes de despiste negativos durante esse período), por desconformidade com os artigos 3°, 9°, al. b), 18°, n.°s 2 e 3, 19°, n.° 1, 27°, n.°s 1, 2 e 3, 110°, n.°s 2 e 4, 165°, n.° 1, al. b), 225°, n.° 3 e 227° da CRP, e nos termos dos artigos 280.°, n.° 1, al. a) e n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, e 70.°, n.° 1, al. a), 72.°, n.° 1, al. a), e n.° 3, 75.°, n.° 1, e 75.°-A, n.° 1, da Lei do Tribunal Constitucional, vem o Ministério Público dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o qual deve ser admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Nos termos do artigo 75.°-A, n.° 1, da Lei do Tribunal Constitucional, indica-se a al. a) do n.° 1 do artigo 70.° do mesmo diploma como a norma ao abrigo da qual o recurso é interposto, e os pontos 7/b/ii/2/a e 7/b/ii/3 da Circular Normativa DRS-CNORM/2020/39- B, bem como o artigo 12.° do Anexo I do Decreto Regulamentar Regional n.° 1/2020/A, de 23/01 - onde aquela se funda - e ainda os n.°s 4 e 5 da Resolução do Conselho do Governo n.° 207/2020, de 31 de Julho (quando interpretadas no sentido de que a autoridade de saúde pode obrigar ao isolamento profilático ou quarentena por 14 dias as pessoas consideradas "contactos próximos de alto risco" de pessoa cujo teste de despiste ao Covid-19 deu resultado positivo, mesmo que aquelas apresentem testes de despiste negativos durante esse período) como as normas cuja inconstitucionalidade se pretende sujeitar à apreciação do Tribunal de recurso».

3. O recurso foi admitido por despacho do Tribunal a quo de 21/8/2020 (cf. fl. 88).

4. Após a subida dos autos a este Tribunal a relatora proferiu despacho de alegações nos seguintes termos (cf. fl. 94):

«Notifiquem-se as partes para alegar, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 78.º A, n.º 5, e 79.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro»

4.1 O recorrente Ministério Público apresentou alegações com o seguinte teor (cf. fls. 96-108):

«1. Da interposição do recurso obrigatório de constitucionalidade por parte do Ministério Público

Vem o presente recurso obrigatório de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público no Juízo de Instrução Criminal de Ponta Delgada, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, da Decisão proferida pelo Juiz de Instrução Criminal, no dia 13 de agosto de 2020, no processo de Habeas Corpus n.º 1745/20.4T8PDL que desaplicou “… nos termos do artigo 204.° da CRP, a circular Normativa DRS-CNORM/2020/39-B, que por sua vez se funda no artigo 12° do Anexo I do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2020/A, de 23/01 - e igualmente ,com as devidas adaptações, a Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020, de 31 de Julho de 2020, publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, Série I, n.º 114 – por desconformidade com os artigos 3°, 9°/b), 18°/2/3, 19°/1, 27°/l/2/3 110,° 112°, n.º 2 e 4, 165/1/b), 225°/3 e 227° da CRP”, tendo declarado procedente o pedido de Habeas Corpus, com fundamento na insubsistência da privação da liberdade das Requerentes por determinação da Autoridade de Saúde Regional, ordenando, em consequência, a imediata restituição á liberdade das Requerentes A. e B..

O recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70°, n.º 1 do artigo 71º, alínea a), n.º 1 e n.º 3 do artigo 72º e dos artigos 75º, 75º-A e 78º, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) e da alínea a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa.

2. Do Objeto do Recurso

Do teor da decisão recorrida e do requerimento de interposição de recurso do Ministério Público, decorre que se pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas dos pontos 7/b/ii/2/ e 7/b/ii/3 da Circular normativa DRS-CNORM/2020/39 B, bem como do artigo 12. ° do Anexo I do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2020/A, de 23 de janeiro - onde aquela se funda - e ainda os n.ºs 4 e 5 da Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020, de 31 de julho, quando interpretadas no sentido de que a autoridade de saúde pode obrigar ao isolamento profilático ou quarentena por 14 dias as pessoas consideradas "contactos próximos de alto risco" de pessoa cujo teste de despiste ao Covid-19 deu resultado positivo, mesmo que aquelas apresentem testes de despiste negativos durante esse período.

Os preceitos constitucionais em causa são o artigo 3°, a alínea b) do artigo 9°, os n.ºs 2 e 3 do artigo 18. °, o n.º 1 do artigo 19º, os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 27. º, os n.ºs 2 e 4 do artigo 110. °, a alínea b) do n.º 1 do artigo 165. °, o n.º 3 do artigo 225. ° e o artigo 227. ° todos da Constituição da República Portuguesa.

3. Questão Prévia

3.1. Da análise da sentença recorrida, designadamente da sua fundamentação de Direito (fls. 77 a 79v), resulta que a Decisão se alicerçou, não só na consideração da verificação de inconstitucionalidades de natureza orgânica e material, relativamente às normas aplicáveis, mas também na conclusão, após apreciação da prova produzida pelo Tribunal, de se estar perante uma detenção ilegal.

Diz-nos a Decisão recorrida:

“Aqui chegados, nado mais se pode entender senão que, enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 18°/2/3, 110°, 112°, n.º 2 e 4, 165/1/b), 225°/3 e 227° da CRP, os normativos invocados o legitimar o isolamento profilático obrigatório, designadamente a circular Normativa DRS-CNORM/2020/39-B - e igualmente, com as devidas adaptações, a Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020, de 31 de julho de 2020, publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, Série I, n.º 114 - que prevê o cumprimento de 14 dias de isolamento profilático e a realização de testes apenas ao 14° dia, aplicável aos contactos próximos de alto risco, entre os quais as pessoas que tenham viajado em aeronave sentados até 2 lugares para qualquer direção em relação ao doente (2 lugares a toda a volta do doente), que se funda no artigo 12° do Anexo I do Decreto Regulamentar Regional n.° 1/2020/A, de 23/01.

Mas além da inconstitucionalidade orgânica, os normativos em análise enfermam ainda de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 19°/1 e 27°/l/3 da CRP.

(…)

De qualquer forma, mesmo que não se verificasse a antes referida inconstitucionalidade orgânica e houvesse lei o restringir o direito á liberdade, por razoes de saúde pública, o internamento de pessoas em relação às quais já foi feito teste para SARS-CoV-Z, com resultado negativo, sempre seria materialmente inconstitucional por violação do princípio do proporcionalidade, na dimensão da proibição do excesso e da necessidade, consignado no artigo 18.°/2 da CRP, o que implica inconstitucionalidade material dos normativos que a autorizam.

Atenda-se, para o efeito, que não ficou demonstrado que as Requerentes tiveram qualquer contacto direto com o passageiro infetado. Mas ainda que tivessem viajado sentadas junto ao passageiro infetado, não ficou provado que com ele tenham tido qualquer interação, ou pelo menos não mais interação do que qualquer outro passageiro que ali viajasse e se tivesse cruzado com tal passageiro quer na altura da viagem propriamente dita, quer aquando do embarque e desembarque, ao contrário dos assistentes de bordo e pessoal de terra que esses sim, certamente contactaram pessoalmente com o mesmo. Acresce que tendo os Requerentes se feito acompanhar, de teste ao SARS-Cov-2 à chegada, cujo resultado foi negativo, têm de se presumir os mesmos não infetados, representando para a demais população tanto perigo como qualquer outra pessoa que não tenha viajado naquele mesmo avião ou que ali tenha viajado e não tenha sido considerado contacto próximo com pessoa infetada, devendo a autoridade de saúde quando muito, em sede de vigilância sujeitá-lo, passados 6 a 7 dias, a um segundo teste, à semelhança do que acontece com os demais passageiros que desembarcam em Ponta Delgada munidos de um teste com resultado negativo ou que realizam teste à chegada, cujo resultado também se apresentou negativo. Além do mais, foram as Requerentes testadas, no dia 12/08/2020, tendo inclusivamente, conforme documento junto no dia de hoje, testado positivo.

De facto, não tem o tribunal dúvidas de que as Requerentes se encontravam detidas ilegalmente, sendo essa a clara...

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