Acórdão nº 309/21 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução14 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 309/2021

Processo n.º 297/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é reclamante A. e reclamados o Ministério Público, B., Lda., C., D., E. e F., foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 5 de março de 2021, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão prolatado por aquele Tribunal, em 8 de fevereiro do mesmo ano.

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem o seguinte teor:

«A., Assistente no processo à margem identificado, não se conformando com o douto acórdão que julgou improcedente o recurso por si interposto e considerou não ser inconstitucional nem violadora dos art.ºs 20º, nº 4 e nº 5 e artº. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa a interpretação segundo a qual é legítimo ao Juiz de Instrução Criminal rejeitar, ao abrigo do artº. 287º, nº 3 do Cód. Proc. Penal, o requerimento de abertura de instrução tempestivamente deduzido pela assistente (artº. 287º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Penal), dele vem interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos dos art.ºs 280º da Constituição da República Portuguesa e artº. 70º, nº 1, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional.

As normas cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional são as dos art.ºs 286º, n 1 e artº 287º, nº 1, al. b) e nº 3 do Cód. Proc. Penal (artº. 75º-A, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional).

A Recorrente considera que a interpretação e aplicação dessas normas feita pelo Tribunal Recorrido, segundo a qual é legítimo ao juiz de instrução rejeitar a abertura de instrução tempestivamente requerida pela assistente, com o fundamento de que a mesma é inadmissível porque os ali requeridos não foram constituídos arguidos na fase de inquérito, é inconstitucional porque viola os princípios e garantias constitucionais de um processo justo e equitativo e da tutela jurisdicional efetiva, bem como as disposições dos artº. 20º, nº 4 e 5 e artº. 32º, nº 1 e 7 da Constituição da República Portuguesa (artº. 75º-A, nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional).

O presente recurso é admissível, pois que o acórdão de que se recorre não é suscetível de recurso ordinário (artº. 70º, nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional).

A Recorrente tem legitimidade, pois suscitou oportunamente a questão da inconstitucionalidade de tal interpretação dos art.ºs 286º, nº1 e artº. 287º, nº 1, al. b) e nº 3 do Cód. Proc. Penal nas alegações de recurso interposto para esse Venerando Tribunal da decisão do Juiz de Instrução Criminal (artº. 72º, nº 1, al. b) e nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional).

Requer que o mesmo seja recebido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artº, 78º, nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional).

Junta, em anexo, as respetivas alegações a serem recebidas nos termos do artº.79º, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional».

3. Do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade, consta a seguinte fundamentação:

«A Assistente A., notificada do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a decisão da primeira instância, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos arts. 70°,n°l, al. b) e 75º- A, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15/11.

Salvo o devido respeito, o presente recurso não pode ser admitido, pelas razões que passamos a expor.

Resulta do respetivo requerimento de interposição que o recurso para o Tribunal Constitucional funda-se na inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 286°,n° l e 287°,n°l, al. b) e n°3, do C.P.P, alegando que a interpretação feita dessas normas pelo tribunal recorrido, segundo a qual é legítimo ao juiz de instrução rejeitar a abertura da instrução tempestivamente requerida pelo assistente, com o fundamento de que a mesma é inadmissível porque os requeridos não foram constituídos arguidos no inquérito, é inconstitucional, porque viola os princípios e garantias constitucionais de um processo justo e equitativo e da tutela jurisdicional efetiva, bem como as disposições dos artigos 20°,n°4 e 5 e 32°,n°sl e 7 da C.R.P.

Conforme entendimento reiterado e uniforme do Tribunal Constitucional, no caso de recurso de constitucionalidade interposto nos termos da al. b) do n.° 1 do artigo 70° da LTC, para além da condição primordial traduzida no "objeto normativo", constituem ainda seus requisitos cumulativos a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa "durante o processo" e "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (cf. n.° 2 do art. 12° da LTC), bem como a aplicação, na decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso (Cf. acórdão do TC n.° 371/2015, de 14-07-2015, disponível no sítio da internet do Tribunal Constitucional).

Na vertente, a necessária e imprescindível autonomização e enunciação do critério normativo que a recorrente pretende ver sindicado pelo Tribunal Constitucional não foram feitas em momento processual prévio à prolação da decisão recorrida.

Com efeito, compulsada a motivação do recurso interposto para esta Relação, a recorrente não enunciou junto deste Tribunal, de forma expressa e direta, previamente à prolação do acórdão recorrido, de forma a criar um dever de pronúncia sobre tal matéria, conforme impõe o art. 72°, n.° 2, da LTC, o critério normativo extraível do segmento de direito positivo cuja inconstitucionalidade agora invoca (arts. 286°, n° l e 287°, n° l, al. b) e n°3, do C.P.P).

O que aí se fez assinalar foi que a decisão recorrida proferida pelo tribunal a quo é violadora de um conjunto de preceitos, alguns no plano infraconstitucional outros no plano da Constituição. Mas o pretendido recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional não permite questionar diretamente a inconstitucionalidade de decisões, mas apenas de normas - devidamente enunciadas, com autonomia formal e substancial — que tenham servido de critério a decisões.

Por outro lado, acresce ainda referir que no acórdão recorrido proferido por esta Relação em momento algum foi acolhida a interpretação de que é legítimo ao juiz de instrução rejeitar a abertura da instrução tempestivamente requerida pelo assistente, com o fundamento de que a mesma é inadmissível porque os requeridos não foram constituídos arguidos no inquérito.

Aliás, fez-se aí expressamente constar que a instrução pode ser requerida contra quem no inquérito não tenha assumido o estatuto processual de arguido.

Significa isto que também não se mostra preenchida a condição em análise do recurso de inconstitucionalidade, ou seja, que a aplicação na decisão recorrida, como ratio decidendi da norma tida por inconstitucional pela recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso, tenha constituído critério jurídico da decisão.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, por não ser legalmente admissível, decide-se não admitir o recurso interposto pela Assistente para o Tribunal Constitucional.

Notifique».

4. Na reclamação do despacho de não admissão do recurso, apresentada nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, foram invocados os seguintes fundamentos:

« MOTIVAÇÕES

1. Na sequência do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a ora Reclamante, ao abrigo do disposto no artº. 70º, nº 1, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, alegando que a interpretação normativa do artº. 286º e artº. 287º, nº 1, al. b) e nº 3 do Cód. Proc. Penal que era feita por aquele tribunal era inconstitucional porque viola os princípios e garantias constitucionais de um processo justo e equitativo e da tutela jurisdicional efetiva, bem como as disposições dos art. ºs 20º, nº 4 e 5 e art.ºs 32º, nº 1 e 7 da Constituição da República Portuguesa (cfr. requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e alegações que lhe foram anexadas).

2. Contudo, o Tribunal da Relação de Guimarães não admitiu...

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