Acórdão nº 287/19.5T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 287/19.5T8STB.E1 (2ª Secção Cível) ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA No Tribunal da Comarca de Setúbal (Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 2), corre termos ação com processo comum pela qual (…) – Seguros, SA, demanda (…), advogada, formulando os seguintes pedidos: a) ser reconhecido o direito à anulação do contrato de seguro de acidentes de trabalho (profissões liberais) que foi celebrado com a Ré, com fundamento na violação grosseira e dolosa do dever de informação, com efeitos retroativos e demais consequências legais daí decorrentes; b) ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de € 82.820,64, acrescida de juros calculados à taxa legal, desde a receção da carta onde foi comunicada a anulação do contrato de seguro (26.06.2017) até integral pagamento.

Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no seguinte: - Em fevereiro de 2014, celebrou com a ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho, profissões liberais, e, na vigência desse contrato, veio esta a sofrer três acidentes; - Em consequência desses sinistros, a autora, enquanto seguradora responsável, pelo pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pela ré, segurada, efetuou pagamentos no valor total de € 82.820,64; - A autora tomou conhecimento que a ré omitiu informações prévias importantes aquando da subscrição da proposta de seguro e no questionário clínico que serviu de base ao contrato, nomeadamente a existência de vários acidentes de trabalho, lesões e incapacidades anteriores; - A ré, na qualidade de advogada, estava bem ciente da importância e da necessidade de prestar declarações verdadeiras quanto ao seu estado de saúde e da incapacidade permanente que, já então, sofria; - A autora, enquanto seguradora, se tivesse tido conhecimento prévio desses factos não teria, segundo a sua prática comercial, contratado com a ré o seguro; - Face a esta atuação a autora fez cessar o contrato e assiste-lhe o direito a reaver as quantias que pagou em consequência dos sinistros.

Citada, a ré veio contestar alegando, em suma, que não omitiu qualquer informação pertinente à autora, tendo esta perfeito conhecimento da sua real situação de saúde porque, aquando da subscrição da proposta de seguro que serviu de base ao contrato em causa, prestou, verbalmente, todas as informações ao mediador de seguros.

Formulou pedido reconvencional alegando que, na sequência dos sinistros e das intervenções, ficou afetada na sua saúde, em caso de ser declarada a anulabilidade do contrato de seguro, não é possível a restituição em espécie da sua situação clinica antes das intervenções, assim, por força do preceituado no artigo 281.º do Código Civil, assiste-lhe o direito à quantia de € 82.820,64.

Concluindo pede a improcedência da ação e a procedência da reconvenção.

Na resposta a autora arguiu a exceção da ineptidão do pedido impugnou os factos alegados na reconvenção, concluindo pela procedência da exceção invocada e, assim se não entendendo, pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção da ineptidão, e procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizou-se audiência final à qual se seguiu a prolação da sentença cujo dispositivo reza: “Com base nas considerações expendidas julgo a presente ação procedente e em consequência decide-se: a) - Condenar a Ré a pagar a Autora a quantia de € 82.820,64, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

  1. - Julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver do pedido a reconvinda.

  2. Custas da ação e da reconvenção a cargo da Ré/reconvinte.” + A ré, por não se conformar com a sentença, interpôs recurso tendo formulado alegações que rematou com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1 - Os elementos de prova constantes dos autos implicam que a sentença proferida devesse ter absolvido a R. dos pedidos contra si formulados.

    2 - A mui douto sentença não se pronuncia sobre a tempestividade da interposição da ação por parte da Autora.

    3 - Dos factos dados como provados na mui douta sentença, na alínea Q) resulta que "Por missiva datada de 21/06/2017, junta a fls. 26 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida, a Autora comunicou à Ré a anulação do contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º (…), na qual consta que considera o contrato de seguro em causa “nulo e sem nenhum efeito a contar da data do seu início”.

    4 - A presente ação judicial foi proposta em juízo, por Petição Inicial, no dia 14/01/2019.

    5 - Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.

    6 - É notório que a presente ação judicial foi proposta fora de prazo, cerca de 1 (um) ano e 6 (seis) meses depois de a A. ter supostamente tido conhecimento dos factos que lhe permitiam obter a decisão de anulação do contrato de seguro.

    7 – Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

    8 - O tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.

    9 - Deveria o Mmº juiz a quo ter-se debruçado e pronunciado sobre a questão da tempestividade da interposição da ação oficiosamente, na medida em que resulta da matéria dada como provada que a presente ação apenas foi proposta em tribunal cerca de 1 ano e 6 meses após a data em que supostamente a A. teve conhecimento do seu direito.

    10 - A anulabilidade é sanável mediante confirmação.

    11 - A confirmação compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação.

    12 - A confirmação pode ser expressa ou tácita e não depende de forma especial.

    13 - A confirmação tem eficácia retroativa, mesmo em relação a terceiro.

    14 - Não tendo sido peticionado o reconhecimento do suposto direito à anulabilidade do contrato de seguro dentro do prazo de 1 (um) ano ocorreu a sanação do suposto vicio que tornava o contrato anulável, por meio de confirmação, sendo que esta sanação do vício no caso em apreço foi feito de forma tácita, tendo a A. utilizado os meios judiciais 6 (seis) meses depois do prazo que lhe era concedido.

    15 - Estando em causa uma mera anulabilidade, aplica-se-lhe o regime legal previsto no artigo 287.º do CC, pelo que o direito à anulação do negócio jurídico deve ser exercido no prazo de um ano, sob pena de o negócio se convalidar.

    16 - Tal prazo conta-se a partir da cessação do vício que torna o negócio anulável, momento que coincide, umas vezes, com o conhecimento do vício pelo titular do direito à anulação.

    17 - O contrato de seguro celebrado entre A. e R. convalidou-se atenta a sanação da anulabilidade de que supostamente padecia, convalidação essa que tem efeitos retroativos.

    18 - Os concretos meios probatórios do processo, designadamente a prova documental, a proposta de seguro e o questionário clinico que a acompanham e a prova testemunhal, designadamente o depoimento da testemunha arrolada pela A., (…), constante do registo da gravação do depoimento da referida testemunha em audiência de julgamento no processo realizada, impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados constantes da alínea T.

    19 - O que se retira da resposta da testemunha é que o manual de subscrições, no caso de existir incapacidade permanente anterior obriga a que a proposta do contrato de seguro vá sempre à decisão interna da seguradora.

    20 - Apesar ser claro e evidente que o questionário colocado na proposta de seguro não havia sido preenchido na sua totalidade pela R. e que já existia uma incapacidade permanente parcial anterior de 14,527%, a proposta foi aceite nos seus precisos termos, sem que tivesse sido enviada para aprovação interna da companhia de seguros, ou sem que tivesse sido a R. questionada quanto à sua resposta à pergunta 2 do questionário, ou sequer tivesse sido questionada quanto à incapacidade permanente parcial para o trabalho indicada.

    21 - Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.

    22 - Não resulta do depoimento da testemunha da A., (…), nem dos documentos juntos aos autos, nem da própria sentença da qual se recorre que quando a R. fez o preenchimento da proposta de seguro tal como efetivamente foi feito tenha tido intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a A., tenha agido com dolo, e sobretudo tenha agido com o propósito de obter uma vantagem, 23 - Ou sequer que tivesse sido obtida qualquer vantagem por parte da R. com a contratação do seguro na forma como foi feita.

    24 - Não teve a R. qualquer dolo de omissão de informação na proposta assinada e remetida à A. para contratação do seguro com vista à obtenção de uma vantagem, porque na verdade nada omitiu à A.

    25 - O Seguro contratado pela R. com a A. é um seguro de acidentes de trabalho por conta própria.

    26 - O âmbito do seguro são os riscos traumatológicos incluindo risco de trajeto.

    27 - A R. informou de forma mais clara o sinistro e as lesões corporais que efetivamente podem trazer risco traumatológico para a R. no exercício da sua profissão.

    28 - Sendo, pois, aquele acidente e a incapacidade dele resultante, por sinal a mais alta da qual padece a R. e as circunstâncias do mesmo que a R. tinha razoavelmente por significativas para a apreciação do risco pela A., nos termos previstos na...

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