Acórdão nº 1856/20.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA MARTINS
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO M...

, nacional de Angola e melhor identificada nos autos, instaurou acção administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, impugnando a decisão de não concessão de protecção internacional, proferida no processo n.º 285/20 SEF.

Por sentença do Tribunal Administrativo de círculo de Lisboa, de 08.01.2021, a acção foi julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida do pedido.

Inconformada, a Autora recorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo e conclui as suas alegações da seguinte forma: “Deve ser concedida à A, - pela sua situação de saúde e pelos riscos que uma viajem acarreta para esta, - uma autorização de residência - por proteção subsidiária, visto os seus requisitos estarem preenchidos de acordo com a previsão contida no artigo 7º da Lei nº 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 5 de Maio.” * O Recorrido, devidamente notificado, não contra-alegou.

* O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser “negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, inclusive quanto ao diferimento da execução da medida, por razões de saúde da recorrente.” * Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA e 37º nº 5 e 84º da Lei 27/2008, de 30/6, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.

* II - OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por aferir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 7º da Lei nº 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 05.05.

* III – FUNDAMENTAÇÃO De Facto: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, que, por não impugnados, se mantêm: 1- Em 26.02.2019, as autoridades Austríacas efetuaram um pedido de “tomada a cargo” da Autora, às autoridades Portuguesas, invocando o artigo 12.°, n.° 4, do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho - cf. fls. 4 a 19 do PA; 2- O pedido, mencionado no ponto que antecede, foi aceite pelas autoridades portuguesas - cf. fls. 21 do PA; 3- Em 13.02.2020, a Autora, cidadã nacional de Angola, apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, pedido de proteção internacional às autoridades portuguesas - cf. fls. 1 e 51 do PA; 4- Em 11.03.2020, em cumprimento do disposto no n.° 1 do artigo 16.° da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n.° 26/14, de 05 de maio, a Autora foi ouvida, quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestados as seguintes declarações: P. Que língua(s) fala? R. Português e um pouco de Francês.

  1. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Português.

  2. Tem advogado? R. Não.

  3. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no nº 3, do artigo 17-, da Lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim.

  4. Tem algum problema de saúde? R. Tenho HIV. Comecei o tratamento na Áustria.

    Soube quando estava a fazer exames de rotina, quando soube que estava grávida.

  5. Alguma vez suspeitou que tinha HIV? R. Não.

  6. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

  7. Está a ser ou está sob o efeito de alguma medição? R. Estou a tomar a medicação para o HIV que trouxe da Áustria.

  8. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

  9. Trabalhava e estudava.

    Sou mãe de um filho e tenho dois irmãos.

  10. Você vivia onde? R. Vivia no bairro do Camama, município de Belas em Luanda. Inicialmente vivia com a mãe e os meus irmãos no bairro do Hoji-Ya-Henda. Depois quando comecei a viver sozinha fui para o município de Viana. Mais tarde fui para o Camama. Vivia no Camama desde 2015 até Fevereiro de 2019.

  11. Disse que trabalhava? R. Já trabalhei em loja, como vendedora, mas eram trabalhos precários. Em 2016, e até Setembro de 2017, trabalhei como cabeleireira, no centro da cidade.

    Tive de deixar de trabalhar porque fiquei doente e o salão também estava a ter problemas, não tinha clientela. Depois já não trabalhei mais.

  12. Disse que ficou doente? R. Apanhei Paludismo e o médico disse que eu tinha de descansar muito.

  13. Quando é que lhe foi diagnosticado o Paludismo? R. Em Agosto de 2017.

  14. Fez tratamentos para o Paludismo? R. Sim, fiz um tratamento de 2 semanas, mais ou menos, no Centro de Saúde do Camama.

  15. Nesse período permanece em sua casa? R. Sim.

  16. Alguém a ajudou neste período? R. Sim, amigas iam lá a casa ajudar-me.

  17. Disse que tem um filho? R. O L... vivia comigo. Quando eu fiquei doente, não conseguia tomar dele, por isso foi para casa da minha mãe.

    Em 2018, não sei o mês, a minha faleceu e depois deixei de saber com quem estava o L....

    Só na Áustria é que vim a saber que ele está com uma tia paterna.

  18. Já contactou o L...? R. Sim. Falo com ele de vez em quando.

  19. O pai do L...? R. O pai vive com outra mulher e a sua irmã quis ficar com o menino.

  20. Os seus irmãos viviam com a sua mãe, quando falece em 2018? R. Sim. Neste momento vivem com uma prima paterna em Luanda.

  21. Estudou? R. Em Abril de 2017, comecei o Ia ano de Ciências Jurídicas e Económicas da Universidade de Direito de Luanda. Estudava à noite. Estudei só três meses, pois tive de deixar os estudos por causa dos meus problemas.

  22. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

  23. Por causa dos meus problemas pedi ajuda a um amigo, M..., que me levou para uma Paróquia, no Benfica, onde o M... pediu ajuda ao Padre J.... Pediu-lhe para eu ficar ali escondida.

    Mais tarde contei ao Padre J..., o porque de eu precisar de ajuda e ele depois apresentou-me um homem, não sei o seu nome, mas penso que seja Português.

    É este homem que trata de tudo, relacionado com a minha saída de Angola.

    Um dia o Padre J... diz-me para eu me preparar para viajar. Eu perguntei porque, pois, tinha o meu filho e a minha família em Angola.

    Ele disse que era o melhor que eu fazia.

    Um dia, disseram, que eu ia viajar. Fui para o aeroporto e só quando estava na porta de embarque é que percebi que estava a viajar para Lisboa.

    Depois de chegar a Lisboa, fomos apanhar o comboio.

    Soube que estava em Viena, porque o homem me disse. Eu estava a viajar com um desconhecido e quando lhe perguntava para onde íamos, ele dizia sempre, que eu ia para um local seguro.

    Em Viena indicou-me a porta de um Centro de Imigrantes e disse para eu esperar ali que ia comprar um cartão de telefone. Só que não voltou mais e ficou com os meus documentos.

    Não tive outra opção a não ir pedir ajuda no Centro. Depois disseram para ir à Polícia e foi assim que peço ajuda às autoridades austríacas.

  24. Disse que foi para a Paróquia e que ali ficou escondida.

  25. Foi uma semana depois do meu aniversário, em Novembro de 2018.

  26. E depois, permanece sempre na Paróquia? R. Sim, só sai de iá quando fui para o aeroporto.

  27. Em Fevereiro de 2019.

  28. Sim.

  29. Está a dizer que entre Novembro de 2018 e Fevereiro de 2019, nunca saiu do edifício da Paróquia? R. Não.

  30. Já tinha viajado para o exterior de Angola? R. Não.

  31. Antes de ir para a Paróquia em Novembro de 2018, já tinha feito algum pedido de visto? R. Não. Nunca tinha pensado sair de Angola.

  32. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

  33. Quando eu entrei para a Universidade criei amizade com um grupo de estudantes, onde alguns deles eram activistas políticos.

    Comecei a participar em manifestações.

    Em Junho tive de deixar de estudar porque os professores não gostaram que nós nos manifestássemos.

    Continuei a trabalhar, mas participava igualmente nas manifestações organizadas pelo grupo. Depois tive de parar quando fiquei doente.

  34. Existe qualquer outro motivo pelo qual necessite de protecção? R. Não.

  35. Alguma vez foi perseguida ou ameaçada por alguém? R. Só pela Polícia.

  36. Alguma vez tinha sido detida ou presa? R. Não. ' P. É ou foi membro de um partido político? R. Não.

  37. Dispõe de elementos de prova que confirmem as suas declarações? R. não.

  38. Se regressasse a Angola, o que lhe apraz dizer sobre isso? R. Se regressasse a Angola, logo no aeroporto vou ser presa.

  39. Vai ser presa porque. Como é que sabe que é procurada pela Polícia? R. Porque me foram procurar na casa da minha mãe. Se eu não tivesse pedido ajuda no hospital, neste momento estaria presa.

  40. E porque é que diz que iria ser presa quando saísse do hospital? R. Porque tinha participado na manifestação. P. Vamos falar sobre essa manifestação? R. Foi em Novembro de 2017, mas não me lembro dia. Estávamos a manifestar no Maianga. Éramos muitos manifestantes. Estávamos a manifestar pelos direitos dos jovens.

  41. Pelo que disse depois dessa tarde já não voltou a sua casa? R. Não.

  42. Disse que fazia parte de um grupo. Esse grupo tinha algum nome? R. Não.

  43. Disse que 10 elementos do seu grupo tinham sido levados pela Polícia. Onde estão essas pessoas? R. Não sei.

  44. Sabe dizer quem são? R. Sim. S..., D..., J..., D..., R..., não me lembro dos outros.

  45. Destes quem é...

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