Acórdão nº 334/17.5BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO R............, Unipessoal, Lda., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 23/07/2019, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra a Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma da Madeira e o Município de Santa Cruz, julgou a ação improcedente, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido, de anulação do ato de indeferimento do pedido de transferência de localização da farmácia apresentado pela Autora e de condenação à prática do ato de autorização da transferência da farmácia.

* Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações de recurso as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida, no dia 23 de julho de 2019, pelo TAF do Funchal, que julgou improcedente a ação de impugnação do ato administrativo de indeferimento do pedido de transferência definitiva da F............, propriedade da Recorrente, proferido pela Secretaria Regional da Saúde, bem como o pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido pela Recorrida.

B. A Recorrente entende que a douta sentença a quo desconsiderou factos que deveriam ter sido dados como provados e reconhecidos como essenciais à boa decisão da causa, incorrendo, assim, em erro de julgamento sobre a matéria de facto, o que determina que venha a ser invalidada por este Tribunal, com as legais consequências.

C. Além disso, entende a Recorrente que a douta sentença a quo, ao manter o ato de indeferimento do pedido de transferência da F............, o qual enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito concretamente aplicáveis e por violação do princípio da proporcionalidade, padece de um primeiro erro de julgamento sobre a matéria de direito.

D.A sentença proferida pelo TAF do Funchal incorre, ainda, num segundo erro de julgamento sobre a matéria de direito, ao considerar que o Tribunal não pode apreciar o pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido formulado, pois tal constituiria uma intromissão na esfera de decisão da Administração, o que significaria uma violação do princípio da separação de poderes.

E.A matéria de facto que o Tribunal a quo utilizou para concluir pela improcedência da ação é insuficiente, tendo por referência a factualidade carreada para os autos pelas Partes, que deveria ter sido considerada como provada e considerada essencial à boa decisão da lide.

F.A matéria de facto dada como provada e essencial acabou por se limitar aos itens procedimentais trazidos à lide pelas Recorridas.

G. Ora, se o que estava em causa era, precisamente, o erro nos pressupostos de facto que levaram à emissão de tais itens procedimentais, que contém uma representação errada da realidade (e do direito aplicável), não se percebe como é que os mesmos serviriam sem mais, para a apreciação da bondade dos pedidos da Recorrente.

H.O Tribunal a quo devia ter considerado a factualidade anterior à decisão de indeferimento, sendo que além de se tratar de factos admitidos, dever-se-ia ter atendido ao efeito cominatório do artigo 574.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

I. Em concreto, por via do ofício 1584, datado de 24 de maio de 2017, a Autora foi notificada (i).

da anulação administrativa da (segunda) decisão administrativa de indeferimento, confirmando-se, portanto, que a mesma era ilegal e (ii).

de despacho, datado de 22 de março de 2017, do qual constava projeto de indeferimento do pedido de transferência da “F............”, fundado no parecer desfavorável da Câmara Municipal de Santa Cruz.

J.A Recorrente exerceu o seu direito de pronúncia em sede de audiência prévia dos interessados, momento em que a Recorrida Secretaria Regional remetido a pronúncia apresentada pela Recorrente ao Recorrido Município de Santa Cruz, que emitiu um parecer “complementar” igualmente desfavorável, todavia os erros de facto e de direito de que o parecer “originário” padecia mantiveram-se.

K.Consequentemente, pelo ofício 2791, datado de 8 de setembro de 2017, a Recorrente foi notificada da decisão de “indeferir o pedido de transferência de localização da Farmácia “S………” da Estrada Regional, 207, Sítio dos Casais Próximos, Santo António da Serra, para o Edifício Casais da Quinta, Loja L, Estrada do Aeroporto, Caniço, nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, do regime jurídico das farmácias de oficina, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, e com os fundamentos constantes dos pareceres emitidos pela Câmara Municipal de Santa Cruz, através das Deliberações n.º 91/2017, de 14 de-07-2017, que aprovou por unanimidade a proposta n.º 85/2017, de 14 de julho, do presidente da Câmara de Santa Cruz (em anexo) e 20/2017, de 2 de março.”, fundamento da presente ação.

L. A estes factos admitidos acrescem outros, afetos ao período anterior à propositura da ação, que são da maior relevância para a boa decisão da causa, em particular o facto de a “F............”, nos últimos anos, (em particular, quanto a 2013, 2014, 2015 e 2016) ter sofrido uma diminuição ao nível do número de atendimentos e do número de receitas dispensadas; e de nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 a Recorrente ter obtido prejuízos, onde se incluem responsabilidades mensais de amortizações / pagamento e de empréstimos contraídos junto do B….., M….. e B….., para fazer face a investimentos e despesas correntes de tesouraria.

M.Todos estes factos, com sustentação documental, permitiriam ao Tribunal a quo, verificar que os Recorridos se encontravam em erro sobre os pressupostos de facto ao decidirem (e opinarem) pelo indeferimento. A apreciação destes factos como provados e relevantes ajudaria a perceber que in casu os requisitos e pressupostos de admissibilidade da transferência definitiva, vertidos na lei, estão preenchidos.

N.Pelo que se terá forçosamente de concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir por não provados ou não essenciais, factos que demonstram inequivocamente o preenchimento, pela Recorrente, dos pressupostos de transferência e que sustentam os seus pedidos impugnatório e condenatório.

O.Em face do que ficou assente e do que deveria ter ficado assente em matéria de alegação factual, o Tribunal a quo decidiu em erro de julgamento, ao considerar improcedente a impugnação do ato sub iudice, porquanto este enferma de erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito que conduziram à sua emanação.

P.A transferência da “F............”, requerida pela Autora em 23 de outubro de 2015, foi indeferida em 6 de setembro de 2017, com “fundamento” no(s) parecer(es) prévio(s) da Câmara Municipal (Santa Cruz) – o “parecer prévio” e o “parecer complementar” –, que, quando desfavorável, é vinculativo, sendo que o Tribunal a quo furtou-se à apreciação do vício, resultante do confronto entre a realidade, o ato sob escrutínio e o direito aplicável.

Q.A boa decisão da causa impunha que o Tribunal a quo verificasse se os Recorridos cumpriam ou não os critérios que lei manda considerar na apreciação de um pedido de transferência dentro do mesmo município, como aquele que está em causa nos presentes Autos.

R.Para que a apreciação de um determinado pedido de transferência cumpra o disposto na lei, isto é, para que seja legalmente conforme, a mesma tem necessariamente que ser o resultado da adequada apreciação dos seguintes pressupostos (cfr. o artigo 26.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 307/2007): necessidade de salvaguardar a acessibilidade das populações aos medicamentos; comodidade das populações; viabilidade económica da farmácia a transferir; melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos de promoção da saúde e do bem-estar dos utentes.

S.Aquilo que o legislador cuidou de salvaguardar foi que a transferência de uma farmácia implique mais benefícios do que prejuízos e, quando assim é, seja autorizada. Caso não sejam tidos em consideração todos estes pressupostos ou os mesmos não sejam adequadamente apreciados, a decisão sobre o pedido de transferência será forçosamente ilegal.

T.Bem andou a Recorrente, ao demonstrar que preenchida todos os requisitos e pressupostos legalmente previstos para a transferência, devendo, como de direito, ter acesso a esta, porquanto: a. Demonstrou que o pedido não coloca em causa a acessibilidade das populações ao medicamento, antes fomentando a mesma; b. Demonstrou que a transferência é conditio sine qua non da viabilidade económica da farmácia, transferência esta que, se frustrada, vai impor o inevitável encerramento da farmácia; c. Demonstrou que a transferência da farmácia vai proporcionar a melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos e do bem-estar dos utentes.

U.E tudo isto com a simples e inegável evidência da realidade em que se insere o funcionamento da F............, pelo que os pareceres camarários assentaram em mais um pressuposto manifestamente errado, estando também por essa razão juridicamente corrompidos por um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

V.Nem a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nem a decisão da Recorrida Secretaria Regional da Saúde, alicerçada no parecer do Município Recorrido, viram que se encontravam verificados os pressupostos de deferimento do pedido de transferência da F............, pelo que o Tribunal a quo andou em erro de julgamento, ao considerar que a motivação do pedido impugnatório se cingia a “valorações efectuadas sobre os factos”, quando o que se pedia ao Tribunal era apreciação e censura da gritante discrepância entre a realidade e os pressupostos decisórios dos Recorridos.

W. Quanto à decisão impugnada, atenta a ilegalidade da pronúncia da Câmara, a Secretaria Regional deveria ter desconsiderado os pareceres camarários pois não há vinculatividade na...

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