Acórdão nº 628/20.2BELSB-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Ministério Público (MP), em representação do Estado Português (EP), vem interpor recurso de apelação autónomo da decisão do TAC de Lisboa, de 28/09/2020, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade da citação do Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisApp).

Foi oficiosamente suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso interposto.

Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a questão suscitada, de inadmissibilidade do recurso interposto, foi apresentada resposta pelo MP no sentido da correspondente admissibilidade.

Nesta sequência foi proferida a decisão reclamada.

Apresentada a reclamação para a conferência pelo DMMP, a parte contrária não se pronunciou.

No recurso, o Recorrente tinha concluído da seguinte forma:”1 – Em 15-06-2020, foi expedida carta registada para citação do Centro de Competências Jurídicas do Estado, na qualidade de legal representante do Estado, para, no prazo de 30 dias, querendo, contestar a presente ação.

2 - O Ministério Público, agindo em nome próprio, em defesa da legalidade, apresentou, em 25-06-2020, requerimento nos presentes autos pelo qual solicitou ao tribunal: a) A recusa da aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1, do artigo 11º e do nº 4, do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 11/2019, de 17-09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1, do artigo 219º, da CRP e do nº 2 desta mesma disposição; b) A declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188º, nº 1, alínea a) e 187º, alínea a) e b), do CPC, subsidiariamente aplicáveis), com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e a citação do Ministério Público em representação do Estado Português.

3 - O despacho recorrido, datado de 28-09-2020, indeferiu este requerimento com base em dois argumentos: falta de legitimidade do Ministério Público para invocar a nulidade da falta de citação e ter sido o réu Estado, efetivamente, citado através do ofício remetido ao Centro de Competências Jurídicas do Estado.

4 - A CRP consagra o Ministério Público como um órgão integrado nos tribunais, com autonomia e estatuto próprio - Título V, capítulo IV da CRP -, ao qual compete, nos termos do artigo 219ºnº 1, além do mais, defender a legalidade democrática.

5 - A defesa da legalidade, enquanto atribuição do Ministério Público, é corroborada no artigo 4º nº 1, a) do seu Estatuto, aprovado pela Lei 68/2019, de 27-08, que na alínea j) do mesmo artigo consagra, ainda, que deverá velar para que a função jurisdicional seja exercida em conformidade com a Constituição e as leis.

6 – Assim, em virtude dessa competência própria, que não é de representação, e para o seu cabal exercício, a lei determina que o Ministério Público deve ser notificado de todas as decisões finais proferidas por todos os tribunais - cfr. artigo 4º nº 3do EMP.

7 – No âmbito da jurisdição administrativa, a defesa da legalidade democrática como competência do Ministério Público, resulta expressamente do artigo 51º do ETAF, sendo para execução desta que o artigo 141º nº 1 do CPTA confere ao Ministério Público legitimidade para recorrer de todas as decisões proferidas com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.

8 - O Ministério Público, ao pugnar pela legalidade e pela interpretação e aplicação das normas em conformidade com a CRP, não está a "defender interesses próprios e estatutários”, como se menciona no despacho recorrido, mas sim a defender a legalidade democrática e a interpretação das normas em conformidade com a Constituição, ou seja, está a defender interesses comuns a toda a comunidade e que são a base de um Estado de Direito democrático.

9 – Tendo por referência o contexto normativo supra aludido, o Ministério Público tem legitimidade para, em nome próprio, agindo em defesa da legalidade, através do requerimento que apresentou, arguir incidentalmente a inconstitucionalidade das normas do CPTA, peticionando a sua desaplicação no caso concreto com esse fundamento, e a nulidade da citação do réu.

10 – Acresce que, tem também legitimidade para apresentar tal requerimento na qualidade de representante judiciário, ao contrário do que parece resultar do despacho recorrido, uma vez que o Estado, enquanto réu, tem interesse na regularidade da sua própria citação, conferindo-lhe o artigo 197º nº 1 do CPC legitimidade para arguir a sua nulidade, arguição essa feita pelo seu representante judiciário, o Ministério Público.

11 – Conforme decorre do requerimento que apresentou, o Ministério Público agiu em nome próprio, ou seja, no uso das suas competências próprias de defesa da legalidade, e enquanto representante do réu Estado, pelo que tem legitimidade para arguir incidentalmente a inconstitucionalidade das normas e requerer a sua desaplicação no processo, bem como a nulidade da citação, nos termos em que o fez.

12 - Na sequência das alterações introduzidas pela Lei n° 118/2019, de 17 de setembro, o artigo 25º nº 4 do CPTA passou a prever que, nas ações em que o Estado é demandado, deixou de ser citado o Ministério Público em sua representação, como até então, para a citação passar a ser feita ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros.

13 - Sob uma aparência puramente procedimental e regulamentar, este nº 4 aditado é uma norma inovadora e que vem colocar em crise o quadro jurídico-constitucional vigente, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação conferida...

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