Acórdão nº 01624/10.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* 1. RELATÓRIO 1.1. BANCO (...), S.A., devidamente identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07.05.2018, que julgou procedente a ação administrativa especial deduzida contra a decisão que indeferiu o requerimento de prova do preço efetivo na transmissão do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de (...) sob o artigo 5010, e condenou a Entidade demandada a admitir o requerimento do autor para efeito de subsequente apreciação, por não se conformar com a parte da decisão recorrida em que não julga verificada a inconstitucionalidade do artigo 139.º do Código do IRC e não condena a AT a deferir o pedido de prova do preço efetivo.

1.2.

A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «1.ª A douta decisão recorrida julgou procedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho, proferido por delegação de poderes, do Chefe de Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. Dr. C., datado de 03.03.2010, exarado na Informação n.º 10/2010 daquele SACR da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 14284/0208, de 03.03.2010, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Autor, ora Recorrente, em 29.01.2010, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia e concelho de (...) inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 5010; 2.ª O Recorrente tem legitimidade para a dedução do presente recurso, tendo decaído nos vícios de inconstitucionalidade invocados e no pedido de condenação da administração tributária à prolação de uma decisão de deferimento do pedido de prova do preço efetivo; 3.ª Tendo presente a factualidade acima indicada, resulta evidente que a norma constante do n.º 6, do artigo 139.º do Código do IRC, tal como foi aplicada ao caso vertente pela administração tributária, e nessa medida a decisão sub judice, incorrem em manifesta violação de alguns dos mais basilares princípios consagrados na CRP, tais como os princípios da reserva à intimidade da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da tributação do rendimento real, vertidos, respetivamente, nos artigos 26.º, n.º 1, 2.º, 20.º, n.

os 1 e 4, 17.º, 286.º, n.º 4, e 104.º, n.º 2, daquele diploma legal, devendo, então, a sentença recorrida ser anulada com fundamento em erro de julgamento; 4.ª No que concerne à violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, tal consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário; 5.ª Efetivamente, e muito embora se reconheça o direito do Estado a cobrar impostos, assim como o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, tal não pode restringir, sem mais, o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos; 6.ª Ora, o legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada; 7.ª Pelo que, uma vez que não se vislumbra qualquer justificação para a consagração, no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, de um regime legal com tais implicações na esfera de direitos do sujeito passivo e de terceiros, nada justifica, também e neste caso, a sobreposição dos referidos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal e do próprio direito do Estado de cobrar impostos ao direito à reserva da intimidade da vida privada consignado naquela norma, razão pela qual é, desde logo, evidente que o preceito sob análise incorre em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP; 8.ª Mas, para além da violação do referido princípio/direito uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva; 9.ª Efetivamente, o efeito imediato da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada; 10.ª Com efeito, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 11.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no aludido aresto, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “ (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…) ”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP; 12.ª Para além das violações acima aludidas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e a sua aplicação nos termos em que o fez a decisão sub judice, incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade; 13.ª Desde logo, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito, inexistindo, assim, na previsão daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qualquer razoabilidade mas, ao invés, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir; 14.ª E nem sequer se invoque, aliás, que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores constitui uma condição sine qua non do procedimento de prova do preço efetivo, na medida em que é a própria administração tributária que vem referir, no Ofício-Circulado n.º 20.136, de 11 de março de 2009, da Direção de Serviços do IRC, que o acesso às informações bancárias do requerente e administradores não constitui “ (…) uma prova absoluta de que o preço efectivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato”, donde decorre que, efetivamente, a aludida derrogação não é imprescindível para a prova do preço efetivo; 15.ª Pelo que se constata, assim, que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional; 16.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre também na sua vertente mais estrita, face à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, quando não está na sua esfera de decisão e de poderes autorizar o acesso à informação bancária daqueles; 17.ª Nessa medida, e em face do exposto, deve a decisão sub judice ser anulada, também com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade; 18.ª Por último, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, razão pela qual, não o sendo, ocorre, no entendimento do Autor, ora Recorrente e salvo melhor opinião, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP; 19.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado anterior artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, e ora aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a...

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