Acórdão nº 01283/16.0BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | MADEIRA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo: O Município da Mealhada interpôs a presente revista do acórdão do TCA Norte que, confirmando parcialmente a sentença do TAF de Aveiro – proferida num meio cautelar onde se antecipou o juízo sobre a acção popular instaurada pelo aqui recorrente contra o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Regional e A………….., Ld.ª, acção essa tendente a condenar à prática de acto devido – absolveu os demandados da instância, por falta de interesse em agir.
O município recorrente terminou a sua alegação de recurso oferecendo as conclusões seguintes: 1 – O «leitmotiv» das acções cautelar e principal era e é a defesa do ambiente e qualidade de vida dos munícipes da Mealhada face a uma fonte poluidora, origem de insuportáveis cheiros que os têm atormentado e causado constrangimentos ao turismo da cidade e do concelho, sendo francamente chocante que o Tribunal recorrido, reduzindo a questão «sub judice» a uma abstracção jurídica de discussão de normas e do seu conteúdo, faça tábua rasa do intuito ambiental da acção e do tratamento legal que o nosso ordenamento jurídico concede à defesa do ambiente – tudo bem vincado na pi. e razão ou causa de pedir autónoma e independente da questão da regularização da exploração.
2 – Numa palavra, temos milhares de munícipes da Mealhada que andam, há anos, a ser verdadeiramente transtornados pelos cheiros nauseabundos que a exploração da Contra-interessada exala e vêem as suas queixas, o impacto imenso que os mesmos têm nas suas vidas e a legítima e fundamental pretensão prosseguida pelo Município, em sua representação nesta acção popular, verdadeiramente ignorados.
3 – A questão da aplicação da al. a) do n.º 4 do art. 67º do CPTA, concatenada com as normas do controvertido e omnipresente diploma da regularização extraordinária dos estabelecimentos industriais e outros, decorrente do DL n.º 165/2014, de 5/11, e, ainda e por outro lado, com a pretensão ambiental e as garantias processuais consagradas na Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 19/2014), é matéria que, pela sua novidade, importância e complexidade merece a atenção e apreciação do Colendo STA e, assim, a admissão da revista por força da importância fundamental, derivada da relevância jurídica e social, das questões suscitadas.
4 – Ademais, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois, no que releva, o julgamento do Tribunal recorrido limita-se a negar o interesse em agir por omissão do pressuposto processual prévio à entrada da acção, ancorando esse entendimento em facto superveniente à entrada da mesma acção e, por outro lado, ignora ou toma como inexistente a questão ambiental, ostensivamente central na economia dos autos e autónoma e independente da questão da regularização.
5 – A lei é expressa e clara ao determinar que, passado o prazo para suprimento das deficiências instrutórias (30 dias), há indeferimento liminar do pedido (n.º 6 do art. 8º do DL n.º 165/2014) e, nesse caso de indeferimento liminar, a entidade coordenadora determina o imediato encerramento do estabelecimento ou exploração (n.º 8 do mesmo artigo).
6 – Logo, se o prazo de suprimento é de 30 dias e se entre o despacho de convite ao aperfeiçoamento (em 16/5/2016) e a entrada da acção principal (20/2/2017) haviam decorrido cerca de nove meses, estava o mesmo prazo ostensiva e notoriamente ultrapassado e estava a Administração inelutavelmente vinculada ao encerramento da exploração.
7 – Ou seja, o pressuposto expresso de não suprimento de deficiências instrutórias no prazo de 30 dias estava notoriamente verificado e, face à consagração clara e expressa de indeferimento liminar do pedido e determinação de imediato encerramento da exploração, ultrapassado aquele prazo, é inequívoca a subsunção da pretensão na al. a) do n.º 4 do art. 67º do CPTA.
8 – E, subsidiariamente o alegamos, se a redacção legal merecesse dúvidas quanto ao momento do acto, que não merece, face ao facto de terem decorrido nove meses desde o despacho de convite ao aperfeiçoamento, quando a norma dá 30 dias para o efeito, sempre estaria a discricionariedade reduzida a zero (atrofia do poder discricionário) por o prazo estar de tal forma ultrapassado que a Administração estaria já vinculada à sua prática, tudo ditado pelos princípios da proporcionalidade em sentido estrito, razoabilidade e justiça, igualdade, boa-fé e protecção da confiança e mesmo imparcialidade e isenção administrativas, princípios que também são lei e sempre teriam que o ser, no caso, para efeitos de aplicação da norma que equacionamos (al. a) do n.º 4 do art. 67º do CPTA).
9 – O tribunal não pode julgar a (in)existência de pressupostos processuais prévios à entrada da acção com fundamento em factos ocorridos supervenientemente e no âmbito de um outro procedimento administrativo (processo de regularização n.º 23689/C) que não é o objecto (original) da acção (processo de regularização n.º 16401/02/C).
10 – Aliás, o Autor e Recorrente apresentou um articulado superveniente (cfr. fls. 274 do sitaf do processo principal) a propósito deste novo pedido de regularização, o qual foi ignorado! 11 – Portanto, bem sabendo nós que, face ao novo processo de regularização, equaciona-se a inutilidade superveniente quanto ao anterior processo, temos que, por um lado, a mesma sempre só poderia ser parcial face à causa de pedir ambiental, que é autónoma e independente; mas a verdade é que o novo procedimento foi até equacionado por nós nos autos e, ignorado que foi o nosso articulado, o processo terá de descer à 1.ª instância para o respectivo conhecimento e julgamento.
12 – O que não se pode é, numa espécie de tentativa de regulação ou resolução integral da relação material controvertida, considerar-se assim sem qualquer enquadramento o procedimento superveniente à entrada da acção e tudo misturar-se, o velho e o novo, tudo a confluir no surpreendentemente erróneo juízo de que recorremos.
13 – Em suma, impõe-se a admissão da revista e a revogação do acórdão recorrido, que incorre em erro de julgamento por violação de lei, concretamente por violação do art. 67º, n.º1 e n,º 4, al. a) do CPTA e do art. 8º, nºs.º 5, 6 e 8 do DL n.º 165/2014.
14 – Quanto à violação do ambiente e qualidade de vida dos munícipes da Mealhada, alegaram-se os factos e o direito tendentes à mesma, na pi., sendo tal causa de pedir primordial, autónoma e independente das demais, e tendo como pedido, legitimamente, o encerramento da exploração pelo Réu.
15 – Pedido esse, aliás, também ancorado directamente nas normas processuais especiais que tutelam o direito ambiental, decorrentes dos princípios da prevenção e precaução, «in casu», a al. c) do n.º 2 do art. 7º da Lei n.º 19/2014, e que consagram o direito, reconhecido a todos e inerente ao direito geral de tutela plena dos direitos e interesses ambientais, a pedir a cessação imediata da actividade causadora de ameaça ou dano ao ambiente – ou seja, a lei, em conformidade com a sobredita principiologia, basta-se com a mera ameaça de dano para que possa pedir-se a cessação imediata da actividade (potencialmente) danosa! 16 – Se o direito tutela a cessação imediata, tal imediatismo também não se compadece com requerimentos prévios e, portanto, fosse como fosse, a norma geral do CPTA sempre teria aqui que ceder perante a norma especial de índole ambiental – estamos no âmbito da tutela de direitos fundamentais e tudo enformado ademais pelos princípios da prevenção e da precaução.
17 – Em suma, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, quanto aos factos, face ao erróneo entendimento do teor e conteúdo da pretensão esgrimida na pi., e viola os arts. 1º, 3º, al. c), e 7º, mormente o seu n.º 2, al. c), da Lei n.º 19/2014, e os princípios da precaução e da prevenção inerentes a tais disposições, bem como, sempre e materialmente, o art. 66º, n.º 1, da CRP e o art. 67º, n.º 4, al. a) do CPTA, exigindo-se a admissão da presente revista e a revogação do aresto recorrido.
Apenas contra-alegou a contra-interessada A…….., concluindo da seguinte forma: 1 – É pacífico que a intervenção do venerando Supremo Tribunal Administrativo em sed3e de revista tem uma natureza excepcional, limitada às situações em que a mesma seja absolutamente indispensável por força da relevância e complexidade da questão em apreço ou para efeitos de corrigir uma solução e direito manifestamente inadmissível em termos de aplicação do direito (v., neste sentido, o art. 150º do CPTA e, entre outros, os acórdãos do STA de 3/2/2011, Proc. n.º 048/11, de 20/2/2014, Proc. n.º...
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