Acórdão nº 041/21.4BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Abril de 2021

Data29 Abril 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A……… intentou a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Conselho de Ministros, indicando como contra interessada a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P, peticionando a condenação dos mesmos a absterem-se de aplicar o artº 11º, nºs 2 a 5 do Decreto nº 4/2021 de 13 de Março, no Agrupamento de Centros de Saúde ……… – …………...

* Alega para o efeito e, em síntese, que o cerne da presente acção é o artº 11º do Decreto nº 4/2021 da Presidência do Conselho de Ministros e os efeitos que o mesmo tem na compressão dos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias (do requerente): (i) Está em causa a possibilidade de contratação, pelas entidades que integram o serviço nacional de saúde de profissionais para exercer as funções de enfermeiro.

(ii) O requerente é enfermeiro, exercendo funções na Unidade de Cuidados Continuados ……………….., do Agrupamento de Centros de Saúde ………. – …………. da ADRS Norte, e é igualmente utente da mesma (tal como a sua família).

(iii) Na sequência das várias declarações do estado de emergência, designadamente a de 11 de Março de 2021, foi publicado o Decreto do Presidente da República nº 25-A/2021 que determinou a renovação da declaração do estado de emergência e em cujo artº 4º, nº 3, al. d), se estabeleceu que podem ser recrutados ou mobilizados para a prestação de cuidados de saúde quaisquer profissionais de saúde reformados ou reservistas ou que tenham obtido a sua qualificação no estrangeiro.

(iv) A renovação do estado de emergência foi autorizada pela Resolução da Assembleia da República nº 77-B/2021 de 11 de Março.

(v) Posteriormente foi publicado o Decreto da Presidência do Conselho de Ministros nº 4/2021, que regulamenta o estado de emergência e em cujo artigo 11º, se estabelece o seguinte: “1 - Os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde do SNS podem, excepcionalmente, proceder à contratação a termo resolutivo, até ao limite de um ano, de titulares de graus académicos conferidos por instituição de ensino superior estrangeira na área da medicina quando estes comprovem ter sido já aprovados no exame escrito do processo de reconhecimento específico ao ciclo de estudos integrado do mestrado em Medicina.

2 - Os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde referidos no número anterior podem, excepcionalmente, proceder à contratação a termo resolutivo, até ao limite de um ano, de titulares de graus académicos conferidos por instituição de ensino superior estrangeira na área da enfermagem, de nível idêntico aos dos graus de licenciado conferidos pelas instituições de ensino superior portuguesas, quando estes comprovem uma das seguintes condições:

  1. Ter concluído um ciclo de estudos com, pelo menos, 3600 horas de ensino, das quais 1800 horas em ensino clínico; b) Deter mais que cinco anos de experiência profissional na área clínica.

    3 - O exercício de funções profissionais em Portugal após a cessação dos contratos referidos nos números anteriores carece da inscrição na ordem profissional competente, nos termos previstos nos respectivos estatutos.

    4 - Aos estudantes inscritos em ciclos de estudo da área da enfermagem à data de entrada em vigor do presente decreto que sejam já titulares de grau académico estrangeiro pode ser creditada a totalidade da formação e da experiência profissional devidamente comprovada, sem necessidade de observação dos limites definidos no artigo 45º do Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março, na sua redacção actual.

    5 - As contratações efectuadas ao abrigo do presente artigo observam os demais termos legalmente aplicáveis em matéria de contratação de profissionais de saúde.” (vi) A sua legitimidade activa, advém-lhe do disposto no artº 9º, nº 1 do CPTA, segundo a qual (...) o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”, bem como, no nº 2.

    (vii) O requerente tem um interesse pessoal na demanda, uma vez que sendo enfermeiro [pela via profissional] também poderá ser utente de cuidados de saúde, a qualquer instante.

    (viii) Não pode o requerente aceitar que os utentes dos cuidados de saúde (no que toca à enfermagem) fiquem nas mãos de pessoas cuja capacidade não foi devidamente atestada pela respectiva Ordem dos Enfermeiros.

    (ix) A presente intimação de DLG é o meio próprio para a salvaguarda dos direitos que pretende salvaguardar, uma vez que, mesmo revestindo este meio processual, um carácter subsidiário de tutela, é o único que poderá com urgência salvaguardar tais direitos, dado estar em causa a possibilidade de serem contratos enfermeiros nos termos previstos no artº 11º do Decreto 4/2021 supra citado.

    (x) Trata-se de uma norma imediatamente operativa, pelo que o requerente bem poderia já ter-se deparado com a presença no seu serviço de uma ou mais pessoas com formação de enfermagem, mas sem que a(s) mesma(s) estivessem devidamente reconhecidas pela respectiva Ordem Profissional.

    (xi) E essas pessoas assim contratadas teriam de ser integradas pela requerida, podendo a prestação de cuidados de saúde serem postos em causa, lesando o requerente enquanto enfermeiro e como utente de forma directa.

    (xii) A instauração de uma providência cautelar e necessária acção administrativa iria demorar meses, sendo que, no entretanto, aqueles profissionais poderiam ser contratados e vir a prestar serviço, e a presente causa perderia o seu efeito útil e imediato, ficando por salvaguardar os interesses e direitos que por esta via se pretendem ver salvaguardados.

    (xiii) Ademais, o Decreto nº 4/2021 de 13.03 tem natureza de regulamento administrativo, pelo que não pode contrariar um acto legislativo equiparado.

    (xiv) Ora, a regulamentação do Governo prevista neste Decreto vai além do sentido pretendido pelo Decreto do Presidente da República quando declarou o estado de emergência, sendo que este tem uma vigência limitada a 15 dias e o Governo estabeleceu que os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde do SNS podem promover a contracção ao abrigo destes pressupostos até ao limite de um ano.

    (xv) Por outro lado, o exercício da profissão de enfermeiro depende da inscrição como membro da Ordem dos Enfermeiros [artºs 6º e 7 do respectivo Estatuto e Regulamento nº 392/2018], sendo que, o artº 11º do Decreto 4/2021 viola todas estas normas, sem que exista norma habilitante para tal, permitindo por regulamento administrativo, que pessoas que não reúnem as condições para serem enfermeiros, assumam essa qualidade.

    (xvi) Quanto à violação dos direitos, liberdades e garantias do requerente, está em causa o princípio da igualdade, constitucionalmente previsto (artº 13º da CRP), a violação do direito ao trabalho na vertente de acesso à profissão e igualdade no seu exercício na retribuição – trabalho igual, salário igual - (artºs 47º a 59º da CRP), bem como, a violação da Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro [artº 31º/3] e da Lei nº 9/2009 de 04.03 [artº 28º, nº 3], na versão dada pela lei nº 26/2017 de 30.05 [no que concerne às horas de ensino teórico e prático].

    (xvii) Igualmente se mostra violada a norma do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, no que respeita ao não cumprimento dos requisitos ali previstos, designadamente, no que...

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