Acórdão nº 152/19.6T8OLR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCARLOS BARREIRA
Data da Resolução04 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, os Juízes, em audiência, na 1.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – RELATÓRIO A(…) e M(…), residentes em (…), concelho de (…), instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C(…), J(…) e Lagar L(…) - CRL, peticionando (a) a condenação destes a reconhecerem o direito de preferência dos AA. na compra do prédio rústico melhor identificado nos pontos 5) e 6) da petição inicial, (b) a condenação dos réus adquirentes para que estes abram mão do aludido prédio a favor dos AA., substituindo-se estes àqueles em qualquer inscrição predial feita ou a fazer, (c) devendo ainda ordenar-se o cancelamento do registo de aquisição do aludido prédio bem como o cancelamento de qualquer ónus ou encargos posteriores a 06 de Setembro de 2019.

Alegam os autores, no essencial e em síntese, que são proprietários do prédio rústico sito em (…) , freguesia (…) , concelho de (…) , composto de pastagem e cultura com 2 macieiras, com a área de 2.400m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 13641 (anterior art.º 10288 da extinta freguesia de (...) a confrontar do norte com …, sul e poente com …, nascente com …, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 2765/20090414; que a ré C(…) vendeu aos réus J(…) e L(…)– CRL (na proporção de 2/5 e 3/5, respectivamente), por documento particular de compra e venda outorgado a 06 de Setembro de 2019, um prédio rústico, o qual confina a poente com o seu prédio, sem comunicar aos autores a sua intenção de venda (projeto de venda e das respetivas cláusulas) negociais do prédio rústico e sem efetuar aos mesmos qualquer comunicação prévia para preferir; que o prédio supra identificado tem uma área inferior à unidade de cultura para a região.

Concluem os autores pedindo, no exercício do direito de preferência de que se arrogam titulares, que os réus sejam condenados a reconhecer esse direito, e, consequentemente, que lhes seja reconhecido o direito a haver para si o prédio alienado aos réus, ordenando-se a substituição deste na titularidade do direito de propriedade do prédio inscrito a favor da mesma, com o correspondente cancelamento do registo da aquisição.

Válida e regularmente notificados, os 2º e 3º Réus apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação e por exceção perentória.

Destarte, os réus defendem que o autor marido, na qualidade de cooperante da ré L(…), teve conhecimento dos elementos essenciais da compra/venda, tendo renunciado verbalmente ao direito de preferência.

Por exceção, a ré L(…) defende que a aquisição do prédio – objecto dos presentes autos - se destine a um fim que não seja diferente, mormente, armazenamento das lenhas para aquecimento da água do lagar, bagaços e maquinaria, estação de tratamento de águas e lugar de estacionamento de veículos dos cooperantes; por outro lado, o réu J(…) defende que adquiriu os 2/5 do prédio para fazer dele um estaleiro de lenhas para aquecimento na prossecução do seu comércio de venda de lenhas para queimar e para parquear os veículos que destina ao transporte das madeiras e lenhas, balanças e demais maquinaria.

Defendem, igualmente, que inexiste qualquer norma legal que impeça as projetadas mudanças de destino pretendidas.

Em reconvenção, a ré L(…) sustenta que no prédio alienado existe um poço que represa águas que ali nascem e que desde 1990 são utilizadas exclusivamente por si, por serem sua pertença; com efeito, a ré sustenta que adquiriu tal água e a servição de a encanar por doação verbal de J(...), há mais de 29 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou constrangimento, captando-a, derivando-a e transportando-a através de tubos e canos soterrados e a descoberto no prédio a preferir, pelo que adquiriu os direitos de propriedade da água que ali nasce e da servidão de aqueduto, por usucapião; mais assevera que, para proceder à limpeza do poço, à manutenção e reparação do motor e substituição dos anos, foi consentida pelos pais da ré a construção de um caminho, com sinais visíveis e inequívocos de trânsito, tendo adquirido, por usucapião, a servidão legal de passagem que onera o prédio alienado.

Por último, a ré L(…) alega que dotou o prédio a preferir de um pilar e nova ligação à corrente elétrica de baixa tensão, requerendo o pagamento das respectivas quantias.

Concluem pela improcedência do pedido formulado pelos autores e consequente absolvição dos réus, uma vez que o tribunal deverá dar como provado a comunicação do projeto de venda aos AA., ou, se assim não for, deve a exceção perentória prevista na 2ª parte da al. a) do art.º 1381.º do Código Civil, ser julgada procedente e, em consequência, manterem-se válidos os documentos particulares autenticados de compra e venda. Caso o tribunal julgue procedente a acção, deverão os AA. ser condenados a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e bem assim condenados a reconhecer que por sobre o mesmo prédio e no modo e forma alegados, se encontra constituída uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, condenados a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação e condenados, por litigantes de má-fé, em multa e indemnização em montante que se julgar mais adequado à sua conduta, nos termos do art.º 543.º do C. P. Civil.

Em réplica, os Autores impugnam os factos alegados pela ré L(…) na reconvenção deduzida, sustentando ser falso que alguma vez esta tenha adquirido tal água por doação verbal do pai da Ré C(..) e a servidão de a escarnar, admitindo apenas que, durante o período de laboração, cerca de dois a três meses por ano, a ré estava autorizada a servir-se da água existente no poço; nunca existiu ou foi contruído qualquer caminho que conduzisse à constituição de uma servidão legal de passagem por usucapião, sendo apenas permitido que os funcionários da ré entrassem no prédio tendo em vista o uso da água durante a laboração do lagar; mais defendem que a ré não poderá desconhecer as regras de gestão de combustíveis à volta das edificações e aglomerados populacionais que impedem o armazenamento de lenhas, dada a proximidade inferior a 50 metros de casas de habitação bem como as apertadas regras impostas pela Agência Portuguesa do Ambiente, no que diz respeito ao bagaço e azeitona; no mais, concluem, peticionando a condenação dos RR. como litigantes de má-fé, acusando-os de alterem os factos e deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar.

Foi proferido despacho saneador por escrito – face às dificuldades técnicas de realização audiência prévia através da plataforma Webex -, onde se procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 591.º, n.º 1, al. f) e 596.º, n.º 1, ambos do CPC e se admitiu os requerimentos probatórios apresentados pelas partes nos respetivos articulados, tendo sido ainda designada data para a realização da audiência de julgamento.

Procedeu-se ao julgamento com observância das formalidades legais - conforme se constata das respetivas atas.

Mantiveram-se inalterados os pressupostos de validade e regularidade da instância que presidiriam à prolação do despacho saneador, nada tendo ocorrido posteriormente que influísse na validade e regularidade da instância e obstasse ao conhecimento do mérito da casa.

Em sede de “Questões a resolver” consignou-se o seguinte: “Atendendo à causa de pedir e respectivos pedidos formulados pelos autores e em face da posição assumida pelos dois últimos réus na contestação deduzida, importa apurar se os autores têm direito a haver para si o prédio alienado pela 1ª ré aos réus, pelo preço convencionado na alienação, com fundamento na violação do seu direito legal de preferência, por omissão, pelos obrigados à preferência, do dever de comunicação do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato ou se estamos perante uma das excepções previstas na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, o que implica verificar se os adquirentes do prédio sobre o qual os AA. pretender exercer esse direito o destinam a algum fim que não seja a cultura e se essa mudança de destino é legalmente possível.

Em caso de resposta negativa, cumpre conhecer do pedido reconvencional deduzido pela ré, ou seja, se esta adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre a água, uma servidão de aqueduto e uma servidão de passagem a pé bem como se tem direito a receber as quantias que despendeu no prédio a preferir.

Por último, importa analisar se alguma das partes litigiou com má-fé e, em caso afirmativo, retirar as devidas consequências.” Na sentença, oportunamente proferida, foi decidido: “Nestes termos e em face do exposto, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, a. Condeno os RR. C(…), J(…) e L(…) - CRL, a reconhecerem aos AA. A(…) e M(…) o direito de preferência na compra do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de (..) sob o número 5875/20190930 da freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 13642 da actual freguesia de …, proveniente do artigo 10289 da extinta freguesia de …, nomeadamente, substituindo-se os AA. aos RR. compradores na venda nas quotas adquiridas por cada um deles, com a transferências para os AA. do mencionado prédio; b. Condeno os Réus J(…) e L(…)– CRL a abrir mão do prédio identificado em a) em favor dos AA. A(…) e M(…), substituindo-se estes àqueles em qualquer inscrição predial feita ou a fazer; c. Determino o cancelamento do registo de aquisição do prédio identificado em a) que tenha sido feita com base naquele documento particular de compra e venda bem como o cancelamento de quaisquer ónus ou encargos posteriores a 06 de Setembro de 2019.

  1. Julgo totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida pela ré L(…)– CRL contra os AA A(…) e M(…), absolvendo-os de todos os pedidos formulados contra si...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT