Acórdão nº 332/08.0BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução21 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A A....., SA (AdNA) interpôs recurso da sentença do TAF de Castelo Branco na parte em que julgou parcialmente procedente a acção interposta pela Massa Insolvente de S....., SA (S.....) e anulou o acto de aplicação da multa no valor de €155.297,17, por atraso na conclusão da empreitada.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1. A Recorrente não se pode conformar com a sentença na parte em que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu anular a multa aplicada pela Recorrente à Recorrida.

  1. O contrato de empreitada não caducou com a insolvência da Recorrida, nos termos do artigo 147.°, n.° 1, do DL 59/99, de 02/03.

  2. A insolvência da Recorrida foi declarada ao abrigo do Decreto-Lei n.° 53/2004, de 18 de março (diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante "CIRE"), que, no seu capítulo IV, dispõe sobre os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso.

  3. Nos termos do n.° 1 do artigo 102.° do CIRE, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento tanto pelo insolvente como pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

  4. Assim, uma vez declarada a insolvência, o seu efeito, nos contratos bilaterais em curso - portando, contratos ainda não conclusos e que opera ipso iure, é a suspensão da execução contratual até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

  5. No caso dos autos, o administrador de insolvência manifestou, clara e inequivocamente a intenção de concluir os trabalhos contratados.

  6. Operou, por isso, o único efeito ipso iure da declaração de insolvência decretada ao abrigo do CIRE: a suspensão da execução contratual e a opção pela execução do contrato, tudo ao abrigo da norma especial ínsita no art.° 102.° do CIRE.

  7. O n.° 1 do artigo 147.° do Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, prevê a caducidade para a declaração de falência.

  8. O conceito de falência no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 132/93, de 23 de abril, na redação conferida pelo Decreto- Lei n.° 315/98 de 20 de outubro, não se confunde com o conceito de insolvência do CIRE.

  9. quadro legal, à data da declaração de insolvência da Recorrida, era o seguinte: (i) vigorava o CIRE - que rompe decisivamente com o conceito de falência, afastando-o - e, ao mesmo tempo, (ii) o Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março.

  10. Não é, assim, correto ler-se insolvência onde, no n.° 1 do artigo 147.° do Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, se lê falência.

  11. Aliás, nesse sentido, e seguindo a evolução legislativa do regime de insolvência e recuperação de empresas de 2004, depõe a alínea h) do n.° 1 do artigo 333.° do atual regime de contratação pública (Código dos Contratos Públicos), em que, numa clara harmonização com o CIRE, foi atribuído ao contraente público o poder, discricionário, de resolver, a título sancionatório, o contrato, quando o cocontratante se apresente à insolvência, ou esta seja declarada pelo tribunal.

  12. efeito da insolvência em qualquer contrato bilateral é a suspensão do mesmo - seja na fase de execução, seja na fase da formação -, porém, nos contratos públicos, a resolução contratual - forma de extinção do contrato, cfr. artigo 433.° do Código Civil - opera por iniciativa do contraente público.

  13. Não existem, nos contratos públicos, quaisquer efeitos automáticos para além da suspensão: a extinção do contrato público, em caso de insolvência do cocontratante, pressupõe - sempre - uma declaração à outra parte.

  14. Este é o entendimento que resulta da articulação entre o n.° 1 do artigo 102.° do CIRE e o artigo 333.°, n.° 1, alínea h) do Código dos Contratos Públicos.

  15. Perante a declaração de insolvência da Recorrida, ao abrigo do n.° 1 do artigo 102.° do CIRE, o contrato bilateral celebrado com a Recorrente suspendeu-se - este é, aliás, o único efeito automático da declaração de insolvência que atinge o contrato, sendo que, com a manifestação de vontade do administrador da insolvência, o contrato retomou a sua execução.

  16. À luz da entrada em vigor do CIRE - lex posteriori - não há lugar à caducidade regulada pelo Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, mas, antes, à suspensão contratual prevista no art.° 102.° do CIRE.

  17. Os fatos assentes, sem controvérsia, e indicados na sentença recorrida, são, entre outros, os seguintes: Io) A S....., S.A. e a RECORRENTE, outorgaram, em 06.04.2004, «Contrato de empreitada de "Adução de Água a Nisa e Gavião - Lote 3"», nos termos do doc. N.° 1 junto com a p.i., que aqui se têm presentes, onde, entre o mais, se estabeleceu prazo de execução de trezentos dias; 2o) Foi feita a consignação em 14.04.2004; 3o) Por sentença de 10.10.2006 foi a S....., S.A. declarada insolvente; 4o) A S....., S.A. pelo administrador da insolvência - e não, como consta da sentença recorrida, administrador de "falência" - e a RECORRENTE acordaram em que fosse (i) concedida uma prorrogação graciosa do prazo da empreitada, devendo esta estar concluída até ao dia 30 de abril de 2007, e, a S....., S.A. (ii) vinculou-se a concluir totalmente a empreitada até aquela data (30.04.2007); 5o) Em fevereiro de 2008 a RECORRENTE comunicou à RECORRIDA (na pessoa do administrador da insolvência, repete-se, não administrador de Falência, como consta da sentença recorrida) a "intenção de aplicação de multas por violação de prazos contratuais", por atrasos na conclusão da obra, no valor de €155.297,17; 6o) Tendo-se a RECORRIDA pronunciado; e 7o) Por missiva de 26.03.2008 a RECORRENTE comunicou à RECORRIDA (na pessoa do administrador da insolvência, repete-se, não administrador de Falência, como consta da sentença recorrida) que lhe foi aplicada a multa no valor de €155.297,17.

  18. O artigo 201.° do Decreto-lei n.° 59/99, de 2 de março, contém o regime de aplicação de multas pelo dono de obra.

  19. Considerando os factos assentes (sem controvérsia) na sentença recorrida, conclui-se que o empreiteiro, depois de concedida uma prorrogação graciosa do prazo de execução, até ao dia 30 de abril de 2007, vinculou-se a concluir totalmente a empreitada ate à referida data (30.04.2007). Ora, significa isto, então, que em fevereiro de 2008, não tendo sido concluída a obra no prazo contratualmente definido, acrescido da referida prorrogação graciosa, podia o dono de obra manifestar a sua intenção em aplicar multas contratuais ao abrigo do artigo 201.° do referido diploma legal, o que fez nos termos do n.° 5 do referido artigo 201.°.

  20. Quanto à multa concretamente aplicada, o seu montante total ascendia a €163.062,00, compreendido o período entre 30 de abril a 31 de agosto de 2007 (3 períodos), sendo que o valor diário, para efeitos da alínea a) do n.° 1 do artigo 201.° (transcrito supra), era de €776,48, sendo que, no estrito cumprimento da legislação, o dono de obra aplicou a multa, considerando o valor máximo legalmente permitido: €155.297,20 (20% do valor da adjudicação).

  21. Ao contrário da sentença recorrida, não se tratando de um caso de caducidade do contrato, cabe a multa contratual aplicada, não sendo de anular o ato de aplicação da mesma, uma vez que, face à legislação (então) vigente, analisados os factos assentes, o dono de obra podia ter aplicado a multa contratual - o que fez -, dando a possibilidade de contraditório à Recorrida - o que veio a acontecer -, respeitando o limite de 20% do valor da adjudicação, face aos dias de atrasos efetivamente verificados (e dados por assentes).

  22. A sentença recorrida violou, entre outros, o art.° 147.°, n.° 1, do DL 59/99, de 02/03, o art.° 102.° do CIRE e o artigo 201.° do DL 59/99.“ O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. O Tribunal a quo decidiu e bem pela verificação da caducidade do contrato de empreitada que vinculava Recorrente e Recorrida.

  23. De facto, o contrato de empreitada caducou, de acordo com o disposto no artigo 147.° n.° 1 do DL 59/99, de 02/03 com a declaração, por sentença, da insolvência da Recorrida, na data de 10 de Outubro de 200ó.

  24. Pese embora a "falência" e “insolvência" sejam figuras distintas, esta abarca aquela na medida que ambas se verificam quando...

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