Acórdão nº 265/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 265/2021

Processo n.º 1065/19

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nestes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A., ora recorrente e autor no processo do qual foi extraído o presente, deduziu reclamação relativa ao ato de notificação que lhe foi dirigido pela secretaria judicial para proceder ao pagamento da multa, pela interposição, no prazo previsto no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (adiante CPC), de recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido naquele tribunal em 18 de dezembro de 2028.

Por despacho de 24 de janeiro de 2019, proferido pelo relator no Tribunal da Relação do Porto, decidiu-se «i) [i]ndeferir o requerimento na parte em que o recorrente pretende ser isento do pagamento da multa prevista na alínea c), do n.º 5 do art.º 139.º do CPC» e «ii) [d]eferir parcialmente o requerimento, reduzindo excecionalmente a percentagem da multa devida nos termos da previsão do n.º 5, al. c), do art.º 139 do CPC, para 20% da taxa de Justiça correspondente ao ato de interposição de recurso».

Notificado deste despacho, o recorrente reclamou para a conferência. Em acórdão datado de 25 de março de 2019, o Tribunal da Relação do Porto decidiu desatender a reclamação, confirmando, em consequência, a decisão reclamada.

Nesta sequência, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), com vista à apreciação da «norma do art. 139 nºs 5 e 6 do CPC, interpretada no sentido de que estando a parte assistida por patrono nomeado por lhe ter sido concedida pela Segurança Social proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário de nomeação de patrono e pagamento de compensação a patrono, não está isenta da multa pela prática do ato no prazo adicional dos três dias úteis que ali refere». Porém, o juiz relator no Tribunal da Relação do Porto não admitiu o recurso em despacho de 29 de abril de 2019, por o requerimento de interposição respetivo não conter a alegação do recorrente, de acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC.

2. Tendo sido apresentada a reclamação a que alude o n.º 4 do artigo 76.º da LTC, foi, neste Tribunal, proferido o Acórdão n.º 520/2019 que, considerando o disposto no artigo 79.º, n.º 1, da LTC e «que se mostram reunidos todos os demais pressupostos essenciais de admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade», deferiu a reclamação deduzida, admitindo o recurso interposto nos autos.

Uma vez tramitada a reclamação, subiram os presentes autos de recurso a este Tribunal, tendo sido as partes notificadas, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, da LTC, para o efeito de apresentar alegações.

3. O recorrente veio apresentar as suas alegações, que concluiu do seguinte modo:

«1) Constitui desproporcionada restrição do direito fundamental do acesso aos Tribunais a não isenção do pagamento de multa como condição de validade de ato processual pela sua prática nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, à parte que por virtude da sua situação de carência económica lhe foi concedida pela Segurança Social proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário de nomeação e pagamento de compensação de patrono;

2) Assim pois não deve ser vedada à parte a utilização de meios processuais, condicionando-os ao pagamento de multa, quando a parte, pela sua situação de insuficiência económica, beneficia de proteção jurídica concedida pela Segurança Social na modalidade de apoio judiciário de nomeação e pagamento de compensação de patrono;

3) O direito de acesso aos Tribunais, constitucionalmente consagrado, fica beliscado com tal tratamento diferenciado ao não abranger o não pagamento de multa em situação em que a Segurança Social, reconhecendo haver insuficiência económica, lhe concede o direito de apoio judiciário de nomeação e pagamento de compensação de patrono;

4) Pois se a parte beneficia de tal modalidade de proteção jurídica em face à sua situação de precariedade económica a fim de que esta não impeça o acesso ao direito e aos Tribunais, não faz sentido condicionar já a utilização de meios processuais ao pagamento de multa, quando se está perante a mesma situação de precariedade económica.

5) Pelo que a interpretação normativa, segundo a qual a norma do art, 139 n°s 5 e 6 do CPC, interpretada no sentido de que estando a parte assistida por patrono nomeado por lhe ter sido concedido pela Segurança Social proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário de nomeação e pagamento de compensação de patrono, não está isenta da multa pela prática do ato no prazo adicional dos três dias úteis que ali refere, é inconstitucional por violação dos princípios consagrados na Constituição da República, da igualdade, e do acesso aos Tribunais.»

4. Regularmente notificadas, as recorridas Companhia de Seguros B., S.A. e C., Lda, não contra-alegaram.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Objeto do recurso

5. O objeto do presente recurso, tal como delimitado pelo recorrente no requerimento de interposição respetivo, corresponde à interpretação do artigo 139.º, n.os 5 e 6, do CPC, no sentido de que «estando a parte assistida por patrono nomeado por lhe ter sido concedida pela Segurança Social proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário de nomeação de patrono e pagamento de compensação a patrono, não está isenta da multa pela prática do ato no prazo adicional dos três dias úteis que ali refere».

Em cumprimento do artigo 75.º-A, n.º 2, da LTC, o recorrente invocou, no requerimento de interposição do recurso, que o sentido interpretativo adotado pelo tribunal a quo a respeito do artigo 139.º, n.os 5 e 6, do CPC colide com o princípio do «acesso aos tribunais», acrescentando, apenas em sede de alegações, que tal critério normativo viola ainda o princípio da igualdade.

Pese embora não se verifique uma total coincidência entre os princípios constitucionais cuja violação invocou o recorrente, por um lado, no requerimento de interposição do recurso e, por outro lado, nas alegações produzidas nesta Instância, decorre dos amplos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, plasmados no artigo 79.º-C da LTC, o de integrar, já na fase de julgamento da conformidade com a Lei Fundamental da dimensão normativa objeto do recurso, o princípio constitucional suscitado nas alegações apresentadas neste Tribunal e cuja violação não foi questionada no requerimento de interposição respetivo (Acórdãos n.os 482/2014 e 263/2020 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, bem como os demais arestos deste Tribunal adiante citados).

B – Mérito do recurso

6. A questão de constitucionalidade que por ora nos ocupa, embora em termos não inteiramente coincidentes, designadamente no que se refere à base legal que, no plano jurídico-positivo, suporta o critério normativo em análise, já mereceu apreciação por parte deste Tribunal, pelo que se retomam aqui os fundamentos da jurisprudência constitucional adiante citada, concernente com a matéria a que se reporta o presente objeto do recurso.

Começa-se, no entanto, a presente análise por atentar no teor dos segmentos do artigo 139.º do CPC que suportam o sentido interpretativo erigido como objeto do recurso, não sem antes notar que este artigo resultou da renumeração operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a qual aprovou aquele código, na sua versão atual, correspondendo, na versão anterior do mesmo código, ao artigo 145.º. É o seguinte o teor do atual artigo 139.º do CPC, nos segmentos que aqui importam:

Artigo 139.º

Modalidades do prazo

1 - (…)

2 - (…)

3 - (…)

4 - (…)

5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:

a) (…)

b) (…)

c) (…)

6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.

• O acesso ao Direito

7. O recorrente começa por imputar ao critério normativo cuja apreciação requer a violação da garantia do acesso ao Direito.

De acordo com a estrutura argumentativa do recorrente a este respeito, a violação do princípio do acesso ao Direito resultaria do facto de, em casos como o presente, estar, por um lado, demonstrada a...

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