Acórdão nº 252/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 252/2021

Processo n.º 108/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 07 de janeiro de 2021, que negou provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente, confirmando assim o despacho através do qual o Juiz de Instrução Criminal que se considerou incompetente para conhecer do requerimento em que o ora recorrente invocou a violação do caso julgado por parte do Ministério Público na fase de inquérito.

2. Através da Decisão Sumária n.º 214/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

De acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo normativo, os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do respetivo n.º 1 apenas cabem de «decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência».

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, a exigência de exaustão dos recursos ordinários associa a sua razão de ser à natureza hierarquizada do sistema judiciário e à possibilidade de reação facultada no interior de cada ordem jurisdicional, com a mesma se tendo pretendido assegurar que o Tribunal Constitucional seja somente chamado a reapreciar, no âmbito da fiscalização concreta, «as questões de constitucionalidade abordadas em decisões judiciais que constituam a última palavra dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que proferiu a decisão recorrida» (cf. Acórdão n.º 489/15).

Mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, sempre se entendeu que o conceito de recurso ordinário tem, no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, uma «amplíssima significação» (cf. Acórdão n.º 2/87), abrangendo todos os meios impugnatórios facultados pela lei processual aplicável ao processo-base, desde que efetivamente previstos ou admitidos na respetiva lei do processo e suscetíveis, por isso, de obstar ao trânsito em julgado da decisão concretamente visada pelo recurso de constitucionalidade - aqui se incluindo os incidentes pós decisórios, designadamente a arguição de nulidades, como resulta da jurisprudência constante deste Tribunal (cf. entre outros, Acórdãos n.ºs 476/2014, 620/2014, 732/2014 e 287/2015).

Ora, é essa, justamente, a hipótese que se verifica no presente caso.

6. Requerida a correção do acórdão recorrido imediatamente após a interposição de recurso de constitucionalidade com fundamento em vícios suscetíveis de determinar a inversão do respetivo sentido decisório, o recorrente obstou a que o referido aresto se consolidasse na ordem dos tribunais comum e, por via disso, se convertesse numa decisão definitiva no sentido pressuposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC. Ou seja, ao prosseguir a segunda via, o recorrente negou a primeira, na medida em que tornou dessa forma precária a decisão de que fora interposto o recurso de constitucionalidade. Assim é porque, no caso de vir a ser julgada procedente, a pretensão formulada pelo recorrente junto do Tribunal a quo é suscetível de contender com a subsistência do acórdão recorrido no segmento respeitante às interpretações que integram o objeto do recurso de constitucionalidade. Este não pode ser, pois, admitido por não ser definitiva a decisão sobre que versa.

Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária (cf. artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC), sabido, como é, que o despacho que admitiu o recurso não vincula este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

«A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado da decisão sumária n.º 214/2021, proferida em 16 de março de 2021, que agora faz fls. … e que decidiu, nos termos do disposto no n.º 1 do Art.º 78.º-A da LTC, não conhecer do objeto do presente recurso, por considerar não ser definitiva a decisão sobre que versa, dela vem, respeitosamente, no uso da faculdade prevista no n.º 3 da referida norma, apresentar

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA,

designadamente por violação da jurisprudência firmada nos seguintes doutos Acórdãos desse mui douto Tribunal Constitucional n.ºs 403/2013, de 15 de julho de 2013, 253/2014, de 18 de março de 2014 e 403/2015, de 29 de setembro de 2015, olvidando que as decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, no âmbito dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, assumem força de caso julgado (Art.º 80.º da LTC), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

O recurso interposto pelo ora reclamante mereceu da Exma. Sra. Conselheira Relatora a ora reclamada decisão sumária de rejeição do mesmo por considerar (rectius, incorretamente) - quando, o ora reclamante, notificado do Acórdão da Conferência do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 7 de Janeiro de 2021, interpôs recurso do referido acórdão para esse Tribunal Constitucional e, no mesmo prazo de 10 (dez) dias, pediu a correção desse acórdão ora recorrido, invocando a existência de lapso manifesto que se impõe clarificar (e se impunha suprir), sendo que (à exceção do voto de vencido) o TRL julgou mal e decidiu pior, utilizando dois pesos e duas medidas, já que se esquece, aliás, é mais do que isso, por desvalor da prova (o que é pior), que o inquérito está arquivado por força do Acórdão do TRL, de 2 de Junho de 2016 - que o prazo do recurso apenas começa a contar da data da notificação da decisão proferida quanto ao pedido de correção, pois aquele apenas cabe de «...decisões que não admitam recurso ordinário...» e «...o conceito de recurso ordinário tem, no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, uma «amplíssima significação» ... aqui se incluindo os incidentes pós-decisórios...», por ser o corolário lógico de se considerar que tal decisão é necessária ao conhecimento, por parte do Tribunal Constitucional, da decisão final do Tribunal recorrido; razão pela qual é intempestivo, por prematuro (o que, manifestamente, já há muito não se processa desta forma).

O mesmo é dizer, até ser proferida (bem ou mal) decisão pelo TRL (ou até este se decidir se toma ou não essa iniciativa processual) quanto a esse pedido - sem cerimónias ou outra reserva, o TRL sequer se pronunciou «... quanto ao requerimento tendente a obter a correção...», como lhe era mister, o que expressamente se invoca, e que para o caso interessa, como vai ver-se, importando por si só o sucesso desta reclamação - a utilização deste incidente (de correção) será suscetível de protelar a formação do trânsito em julgado da decisão pretendida sindicar no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade e, como tal, de interferir no termo inicial do prazo (que é de 10 dias) legalmente estabelecido para a interposição do recurso (e não de 10 dias sobre sabe-se lá quanto tempo após a notificação da decisão recorrida);

e, em seguida, ante a passividade a tal propósito, extraem-se as inevitáveis consequências práticas, máxime pela palavra (e atitude) do aludido Acórdão do TRL, de 2 de Junho de 2016, como acobertar o vício (só pode) da inexistência do ato de leitura do acórdão (não pode cair no vazio!), até que se torna evidente, que o mesmo é prolongar placidamente no tempo (e ampliar no espaço) a (mais urgente) VIOLAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO (e da confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual), ultrapassando (há muito tempo) a barreira do Art.º 29.º da CRP (estabilidade do caso julgado) o qual, como está bom de ver, nos termos da lei, é diretamente aplicável, em obediência ao disposto no Art.º 18.º da CRP, e, ao atuar desse jeito, é tomá-lo (e ao número de Juízes que o assinaram) insuscetível de quaisquer efeitos jurídicos e (o TRL) absolutamente destituído de jurisdição, e (valha-nos a verdade) sem que o Ministério Público se mostrasse preocupado com isso (e muito menos com o reclamante), ao que parece.

A situação não é inusitada, é grave.

Percuta-se, porque é pertinente fazê-lo, e se o (pretenso) recorrente (não o ora reclamante) apenas pretendesse criar obstáculos ao andamento do processo e à eficácia da decisão recorrida?

Imagine-se: no âmbito de um processo penal é proferida decisão que ordena a continuação do inquérito. O suspeito/arguido pede a correção dessa decisão, por forma a interromper (rectius: não interrompe) o prazo para recurso e (aproveitando-se disso) ganhar tempo, para perturbar o desenrolar da investigação. Quod est consequatur?

E se somado à demora na apreciação da correção o recurso - interposto - (esse entrave ocorre de duas formas - Art.º 78º da LTC) tiver ainda um efeito suspensivo? ... Paralisando (os efeitos da decisão) a investigação até que o recurso seja julgado?...

Isso significa, é claro, a inutilização de atos já praticados como resultado do tempo decorrido.

E se o recurso tiver efeito meramente devolutivo?

Embora seja possível executar a decisão recorrida na pendência do recurso, este nunca é inútil, é ainda de manifesta utilidade, mesmo em caso de indeferimento, já que a decisão (bem ou...

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