Acórdão nº 019/19.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução22 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    A……………… - procurador-adjunto, identificado nos autos - interpõe recurso para o «Pleno da Secção de Contencioso Administrativo» do Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão proferido por essa Secção, em 15.10.2020, que julgou improcedente a acção em que pedira a declaração de nulidade, ou a anulação, da deliberação do «Plenário do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO» [CSMP], de 22.01.2019, que, indeferindo a sua reclamação - da deliberação da Secção Permanente de 21.12.2018 -, confirmou o indeferimento do seu pedido de autorização para o exercício de funções de formador de Direito Processual Penal na Ordem dos Advogados Portugueses [OAP], bem como a prática dos actos devidos.

    Conclui assim as suas alegações: 1- A deliberação de 22.01.2019 do Plenário do CSMP, que indefere a reclamação apresentada pelo autor, contra a deliberação da Secção Permanente do CSMP, que indeferiu pedido com vista à autorização para o exercício de funções de formador de Direito Processual Penal na OAP é ilegal; 2- Com efeito, o entendimento que prevaleceu maioritariamente ofende o «bloco normativo» constituído pelos artigos 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos [DUDH], 31º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE], e 7º, alínea d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais [PIDESC], sendo certo que todos os normativos vindos de citar integram a ordem jurídica portuguesa por força dos adequados instrumentos jurídicos; 3- Deveria, por isso mesmo, ter sido declarada nula, ou, se assim melhor fosse a final entendido, anulada; 4- E deveria o CSMP ter sido condenado na prática dos actos materiais e jurídicos com vista ao deferimento da pretensão apresentada pelo autor e ora recorrente; 5- Decidindo em sentido contrário, fez o tribunal a quo errada interpretação e aplicação daquelas normas, razão pela qual deve ser revogada e substituída por decisão condenatória; 6- O tribunal a quo, chamado a pronunciar-se para dizer o Direito, optou por usar de silêncio, esvaziando de sentido a garantia de acesso ao tribunal e a um processo equitativo, previsto no artigo 20º, nº1 e nº4, da CRP, e artigo 6º, nº2, da CEDH; 7- O acórdão recorrido, ao referir que «não dispõe de elementos suficientes para poder concluir pelo tratamento desigual» quando o conspecto processual confirma o inverso, ocorre em erro notório na apreciação da prova, vício que expressamente se invoca, importando aditar à matéria de facto a seguinte factualidade: «Nas autorizações deferidas no último quadrimestre de 2018 para a actividade lectiva, nunca o CSMP apurou, nem se pronunciou sobre circunstancialismo funcional concreto dos magistrados requerentes»; 8- De resto, a admissão da referida lacuna - a qual, a nosso ver, não existe, mas agora é apenas pressuposta por exercício académico - obrigaria o tribunal a quo a carrear os elementos necessários para poder decidir, pelo que não o havendo feito, incorreu em insuficiência da matéria de facto para a decisão; 9- Caso a decisão recorrida fosse fiel ao critério por si estabelecido - isto é, imperiosa necessidade de análise por reporte à especificidade concreta - alcançaria uma solução diametralmente oposta à encontrada, pois teria de admitir, necessariamente, que o mesmo foi observado no caso do autor mas completamente olvidado no caso dos seus colegas, os quais beneficiaram da tal autorização automática que o próprio acórdão reprova; 9- Nessa sequência, forçosamente compreenderia que o procedimento aplicado ao autor foi diferenciado, em manifesto prejuízo deste; logo, em manifesta violação do artigo 13º da CRP, e, concomitantemente, do artigo 8º da CEDH; 10- A não autorização para o exercício da actividade lectiva representou uma intromissão abusiva no plano, já não da vida profissional do autor, mas da sua vida privada, restringindo a sua liberdade de forma desproporcionada e desnecessária, impedindo-o de fazer algo que contribuiria para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, o que colide com o disposto nos artigos 18º, nº2, e 26º, nº1, da CRP, e 8º, nº1 e nº2, da CEDH.

    Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e julgada procedente a acção.

    1. O CSMP contra-alegou, concluindo assim: 1- O acórdão recorrido, ao julgar a acção improcedente, fez uma correcta apreciação dos factos e material probatório, inexistindo erro de julgamento e fundamento para ser aditada a matéria de facto, nos termos expostos, atendendo aos documentos apresentados e factos provados, não podendo o tribunal considerar provada matéria de facto que não demonstrou e cuja prova incumbia ao autor; 2- O tribunal realizou todas as diligências pertinentes que lhe foram requeridas, não havendo fundamento para que o recorrente considere existir insuficiência da matéria de facto para a decisão; 3- Por outro lado, o «Pleno», em recurso de acórdão da respectiva Secção, funciona como «tribunal de revista», só apreciando matéria de direito, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova; 4- Assim, está subtraído à sua apreciação eventual erro na apreciação dos factos e na fixação da matéria de facto relevante, nos termos dos artigos 12º, nº3, do ETAF, e 674º, nº3, e 682º, nº1 e nº2, do CPC, e 150º, nº4, do CPTA - por todos, AC STA/Pleno de 07.05.2020, Rº042/19.2BALSB; 5- Pelo exposto, bem decidiu o acórdão recorrido que não se verifica violação do princípio da igualdade que é previsto no artigo 13º da CRP e 8º da CEDH, por entender que não dispõe de elementos suficientes para poder concluir que tenha havido por parte do CSMP um tratamento desigual em relação ao autor e demais colegas de profissão que viram os seus pedidos serem deferidos; 6- Pela aplicação do artigo 81º do EMMP [ora revogado] o CSMP tem de aferir em concreto cada um dos requerimentos que lhe são dirigidos no que toca a este tipo de autorizações, pois só em face de cada caso em particular, estará habilitado a decidir, sem que a diferença de posições [deferimento ou indeferimento] possa ser considerada violadora do princípio da igualdade; 7- O referido preceito do EMMP aqui aplicável regula o «regime de incompatibilidades dos Magistrados do Ministério Público», no que toca ao desempenho de funções públicas ou privadas, de índole profissional, ressalvando funções docentes, de investigação científica ou directivas em organizações representativas da magistratura do Ministério Público; 8- E visa impedir, na parte aplicável ao caso em apreço, o exercício de actividades privadas que, pela sua natureza ou pelo empenhamento que exigem, possam conflituar com a dedicação ao interesse público ou com o próprio cumprimento dos horários e tarefas da função pública; 9- O referido preceito visa igualmente impedir que com o exercício de outras actividades os magistrados possam dispersar-se e prejudicar o normal exercício das funções e a necessária produtividade, requisitos também aplicáveis aos funcionários que exercem outras funções públicas em geral; 10- Qualquer magistrado conhece as limitações a que está sujeito, devido à exclusividade de funções que lhe é exigida, assim como a restrição de outros direitos consagrados no Estatuto e na Constituição, o que também sucede com os juízes; 11- Tendo o CSMP entendido que se verificava prejuízo para o serviço, atendendo às condições deste, com carência de magistrados, às funções desempenhadas, e ao número de horas excessivo e prolongado no tempo, que o autor teria de utilizar ao ministrar formação externa na Ordem dos Advogados; 12- Pelo exposto, não se verifica qualquer ingerência indevida na vida privada do Magistrado, nem lhe foram coarctados quaisquer direitos constitucionais, não sofreu qualquer ofensa ou restrição dos seus direitos, liberdades e garantias, no exercício das funções e fora dele, como sobejamente demonstrado e atendendo à razão de ser das limitações impostas às funções de magistrado do Ministério Público, não se mostrando ofendidos os artigos 18º, nº2, 26º, nº1, da CRP, e 8º, nº1 e nº2, da CEDH; 13- Também não foi restringida ou se verifica entorpecimento, seja de que forma for, do seu direito à intimidade ou reserva da vida privada, pois que este não se mostra impedido de gerir o seu tempo livre da forma como bem entender, ficando-lhe apenas vedado exercer as funções de formador para as quais foi convidado, mediante as exigências legais referidas; 14- Deste modo, não ofendeu também a deliberação do CSMP o bloco normativo constituído pelos artigos 12º da DUDH, 31º da CDFUE, e 7º, alínea d), do PIDESC; 15- Direitos que se relacionam, respectivamente, com a não ingerência na vida privada dos cidadãos e com a existência de condições de trabalho equitativas e satisfatórias que, como demonstrado, não se mostram ofendidos; 16- Também não se verifica esvaziamento da garantia de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, nos termos do artigo 20º, nº1, da CRP, e 6º, nº2, da CEDH, uma vez que a lei permite a possibilidade de impugnação do acto em causa, a acção não foi rejeitada pelo tribunal, e foram apreciados detalhadamente os argumentos do autor; 17- Como a própria denominação indica, o processo equitativo será aquele que possibilita a ambas as partes idênticas condições para tutelarem as suas posições jurídicas e interesses legalmente protegidos; 18- Princípio que foi respeitado atendendo aos mecanismos processuais previstos na lei de processo, que utilizou, e foram devidamente aplicados com o devido exercício do contraditório e do tratamento das duas partes em pé de igualdade, sem qualquer benefício do CSMP, ou discriminação em detrimento da posição jurídica e processual do autor; 19- Assim, deverá ser negado provimento a este recurso, não se verificando os vícios imputados ao acto impugnado e os alegados quanto ao acórdão recorrido, que não incorreu em qualquer erro de julgamento da matéria de facto, e não ofendeu as normas, os princípios...

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