Acórdão nº 221/21 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 221/2021

Processo n.º 851/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa em 30 de maio de 2019, o qual foi admitido pelo tribunal a quo tão somente na parte em que mobiliza a alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

A sentença recorrida julgou parcialmente procedente ação administrativa de contencioso dos procedimentos de massa, absolveu a demandada Direção-Geral da Administração da Justiça dos pedidos formulados por oito autores, anulou o despacho do Diretor-geral da Administração da Justiça, de 16 de agosto de 2018, que aprovou o Movimento Ordinário dos Oficiais de Justiça de 2018, na parte relativa à graduação dos Autores titulares de curso superior adequado, candidatos à promoção na categoria de secretário de justiça, e condenou a entidade demandada na «reconstituição do procedimento, reportado à fase da graduação, e na emissão de novo ato final, em sentido conforme aos princípios constitucionais da justiça relativa e da igualdade no acesso à promoção na carreira, consagrados nos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, da CRP, considerando, no caso dos Autores titulares de curso superior adequado, candidatos à promoção na categoria de secretários de justiça, a antiguidade no factor “A” da fórmula de graduação prevista no artigo 41.º do EFJ, com a desaplicação do segmento normativo “na categoria”».

2. Neste Tribunal, convidado nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC a esclarecer qual a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade pretende ver sindicada, veio o recorrente indicar como objeto material do recurso «[a] norma extraível do disposto, conjugadamente, nos n.ºs 1 e 3, do artigo 41.º, do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na versão que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro, interpretada no sentido de que a consideração do critério “antiguidade na categoria (anos completos)” que consta da fórmula plasmada naquele n.º 1, permite que escrivães-adjuntos, técnicos de justiça adjuntos, escrivães auxiliares e técnicos de justiça auxiliares possuidores de curso superior adequado (os que tenham como área científica dominante uma das definidas pelo Despacho conjunto n.º 743/2000, de 7 de Julho) possam preterir, no acesso à categoria de secretário de justiça, escrivães de direito e técnicos de justiça principais igualmente possuidores de curso superior adequado». Como normas-parâmetro violadas pela dimensão normativa que refere, enuncia as contidas no artigo 13.º e no n.º 2 do artigo 47.º, ambos da Constituição.

3. Determinado o prosseguimento do recurso, veio o recorrente Ministério Público alegar (fls. 13 a 37, vol. IV), concluindo pela desconformidade constitucional da norma sindicada e pelo não provimento do recurso, entendimento que condensou nas seguintes conclusões:

« (…)

4. Conforme resulta da consideração da dimensão normativa que constitui ratio decidendi da douta sentença recorrida, e que tivemos oportunidade de delimitar, consiste aquela numa interpretação do disposto no artigo 41.º, n.º s 1 e 3, do Estatuto dos Funcionários Judiciais, no sentido de permitir que escrivães-adjuntos, técnicos de justiça adjuntos, escrivães auxiliares e técnicos de justiça auxiliares possuidores de curso superior adequado possam preterir, no acesso à categoria de secretário de justiça, escrivães de direito e técnicos de justiça principais igualmente possuidores de curso superior adequado.

5. Esta iníqua inversão de posições hierárquicas e remuneratórias, ocorrida entre trabalhadores a exercerem funções públicas, resulta, como bem foi revelado pelo Mm.º Juiz “a quo”, das espúrias integração e ponderação do factor “antiguidade na categoria” na fórmula de cálculo da graduação dos oficiais de justiça licenciados.

6. Isto é, oficiais de justiça colocados em categorias inferiores das carreiras judicial e dos serviços do Ministério Público, não exercendo cargos de chefia e, em significativa parte dos casos, com menor antiguidade na profissão, viram-se alcandorados à categoria de secretário de justiça, ultrapassando sem qualquer justificação racional os seus colegas hierarquicamente superiores, eventualmente mais antigos na profissão, titulares de cargos de chefia e, igualmente, possuidores de curso superior adequado, numa evidente inversão de posições remuneratórias e funcionais.

7. Com efeito, a constatação daquela injustificada desigualdade no tratamento de oficiais de justiça colocados nas distintas categorias das carreiras judicial e dos serviços do Ministério Público, que resulta num tratamento mais favorável concedido aos escrivães-adjuntos, técnicos de justiça adjuntos, escrivães auxiliares e técnicos de justiça auxiliares possuidores de curso superior adequado, em detrimento dos escrivães de direito e técnicos de justiça principais também possuidores de curso superior adequado, não pode deixar de nos remeter para a ponderação da eventual violação do princípio constitucional plasmado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), corolário do princípio da igualdade no âmbito dos direitos dos trabalhadores.

8. Na verdade, a situação que analisamos no presente recurso encontra-se, no essencial, retratada no douto Acórdão n.º 239/2013 do Tribunal Constitucional, que deliberou reconhecer como violadoras da Constituição as normas jurídicas que proporcionem situações de ultrapassagem de funcionários de maior antiguidade e categoria profissional por parte de funcionários de menor antiguidade e categoria no escalão remuneratório, sem qualquer justificação funcional ou racional, em termos de natureza, qualidade ou quantidade do trabalho.

9. Efetivamente, a situação configurada pela interpretação normativa do disposto, conjugadamente, nos n.ºs 1 e 3, do artigo 41.º, do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, desaplicada pela douta sentença recorrida, permite que, por força da injustificada ponderação do factor “antiguidade na categoria (anos completos)”, os escrivães de direito e técnicos de justiça principais possuidores de curso superior adequado sejam ultrapassados no escalão remuneratório e na possibilidade de progressão na carreira, por escrivães-adjuntos, técnicos de justiça adjuntos, escrivães auxiliares e técnicos de justiça auxiliares, funcionários de menor antiguidade e grau profissional.

10. Por tal razão, inferimos, desde já, nesta parte, que a norma extraível do disposto, conjugadamente, nos n.ºs 1 e 3, do artigo 41.º, do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na versão que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro, interpretada no sentido de que a consideração do critério “antiguidade na categoria (anos completos)” que consta da fórmula plasmada naquele n.º 1, permite que escrivães-adjuntos, técnicos de justiça adjuntos, escrivães auxiliares e técnicos de justiça auxiliares possuidores de curso superior adequado (os que tenham como área científica dominante uma das definidas pelo Despacho conjunto n.º 743/2000, de 7 de Julho) possam preterir, no acesso à categoria de secretário de justiça, escrivães de direito e técnicos de justiça principais igualmente possuidores de curso superior adequado” se revela suscetível de violar quer o prescrito no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º do Texto Fundamental.

11. Sem prejuízo do acabado de concluir, passaremos a recordar que o Mm.º Juiz “a quo” não se limitou a desaplicar a interpretação normativa impugnada por lesão do disposto no princípio da igualdade, contido no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, mesmo que na sua dimensão de igualdade no âmbito do direito dos trabalhadores expresso no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), do Texto Fundamental, mas, mais que isso, desaplicou-a expressamente por violação do invocado “princípio da igualdade no acesso à promoção na carreira, ínsito nos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, CRP”.

12. Ora, se confrontarmos as consequências discriminatórias da aplicação da interpretação normativa desaplicada nos autos - consubstanciada na referida ultrapassagem dos escrivães de direito e técnicos de justiça principais possuidores de curso superior adequado por escrivães-adjuntos, técnicos de justiça adjuntos, escrivães auxiliares e técnicos de justiça auxiliares, funcionários de menor antiguidade e grau profissional, no que à progressão na carreira concerne - com o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria – nomeadamente quanto às diferenciações de tratamento sem fundamento racional e razoável - não podemos deixar de concluir que também esta invocada dimensão do princípio da igualdade, a que resulta da conjugação dos artigos 13.º, e 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, se revela, decisivamente, violada.

13. Assim sendo, em razão do agora exposto, afigura-se-nos que a norma extraível do disposto, conjugadamente, nos n.ºs 1 e 3, do artigo 41.º, do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na versão que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro, interpretada no sentido de que a consideração do critério “antiguidade na categoria (anos completos)” que consta da fórmula...

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