Acórdão nº 238/21 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Presidente
Data da Resolução21 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 238/2021

Plenário

Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata‑Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I. Relatório

1. Por decisão de 20 de junho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD) relativas à campanha para as eleições para a Assembleia da República realizadas a 4 de outubro de 2015, da qual Lélio Raimundo Lourenço foi mandatário financeiro [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante «LEC»)].

2. Desta decisão não foi interposto recurso.

3. Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PPD/PSD e contra o mandatário financeiro do Partido pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

4. No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PPD/PSD (Processo n.º 16/2018), por decisão de 30 de junho de 2020, a ECFP aplicou uma coima no valor de €5.964,00, equivalente a 14 (catorze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP.

5. No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra Lélio Raimundo Lourenço, enquanto mandatário financeiro do Partido (Processo n.º 17/2018), por decisão de 30 de junho de 2020, a ECFP aplicou uma coima no valor de €1.704,00, equivalente a 4 (quatro) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

6. Inconformados, os arguidos recorreram destas decisões para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), invocando, no essencial, os mesmos argumentos, que a seguir se sintetizam:

a) estão em causa meras divergências entre os preços dos bens e serviços adquiridos e os preços constantes da «Listagem Indicativa do Valor dos Principais Meios de Campanha» aprovada pela ECFP, a qual é apenas um meio auxiliar de fiscalização de financiamentos proibidos (estes, sim, sancionáveis nos termos do artigo 30.º da LFP, infração que não se julgou verificada no caso) e não um padrão da razoabilidade das despesas, pelo que as decisões recorridas, ao equipararem a falta de comprovação, por quem é acusado, de uma tal razoabilidade a uma não discriminação e comprovação das despesas, subsumindo-a ao tipo contraordenacional do artigo 31.º da LFP, procederam a uma imputação atípica, convolando essa norma sancionatória de um dever contabilístico de correta identificação e comprovação das despesas realizadas numa norma impositiva de um novo dever de prova (diabólica) da razoabilidade dos preços dos bens e serviços adquiridos, em violação do princípio da legalidade e operando uma inversão ilegal do ónus da prova;

b) reconhecendo-se que as insuficiências dos descritivos das faturas podem preencher o tipo sancionatório do artigo 31.º da LFP, não é, todavia, possível invocar uma tal insuficiência documental como pressuposto punitivo da falta de demonstração por quem é acusado da razoabilidade de determinados preços, situação que é contraordenacionalmente atípica;

c) dada a evidente inverosimilhança e absoluta novidade da imputação efetuada pela ECFP – fosse ela juridicamente aceitável, que não é –, sempre se imporia reconhecer que os arguidos desconheciam a proibição, erro que, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, do RGCO, exclui o dolo;

d) relativamente às faturas em causa nos autos foram apresentadas declarações dos fornecedores no sentido de se tratar dos preços de mercado praticados na respetiva região autónoma e/ou dos preços em vigor nas tabelas da altura e, nalguns casos, concretizando o descritivo da fatura;

e) as listagens indicativas dos valores dos principais meios de campanha elaboradas pela ECFP não são exaustivas, mas apenas tendenciais, não permitindo, pelo seu carácter genérico, ter em consideração vários fatores relevantes;

e pugnando, a final, pela sua absolvição.

7. Recebidos os requerimentos de recurso das decisões de aplicação de coimas, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou as decisões recorridas e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

8. O Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

9. O Ministério Público emitiu parecer sobre os recursos das decisões sancionatórias da ECFP, pronunciando-se pela sua improcedência.

10. Notificados de tal parecer, os arguidos reproduziram os argumentos apresentados em sede de recurso e sublinharam que a ECFP fundamentou o sancionamento não só na existência de faturas cujos descritivos são insuficientes para aferir a compatibilidade dos respetivos valores com os previstos na «Listagem Indicativa do Valor dos Principais Meios de Campanha», mas, também, no pagamento de preços inferiores aos previstos na mesma «Listagem», alegando que só quanto à primeira situação existe jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional e que jamais este Tribunal aceitou aplicar coimas por meras divergências entre os preços reais dos bens e serviços adquiridos e os preços indicativos fornecidos pela ECFP.

II – Fundamentação

[Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais]

11. A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa lei – 20 de abril de 2018 (cfr. o seu artigo 10.º) –, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma lei.

[Dos recursos das decisões da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha]

A – Fundamentação de facto

12. Factos provados

Com relevância para a decisão, provou-se que:

1. O PPD/PSD é um partido político português, constituído em 17 de janeiro de 1975, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2. O Partido apresentou candidatura às eleições para a Assembleia da República, realizadas a 4 de outubro de 2015.

3. O Partido constituiu Lélio Raimundo Lourenço como mandatário financeiro das contas da campanha eleitoral mencionada em 2..

4. O Partido apresentou, em 27 de maio de 2016, junto do Tribunal Constitucional as respetivas contas relativas à referida campanha.

5. Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:

5.1. Fatura n.º 1315000016, emitida em 25/09/2015, pelo fornecedor “Imprinews – Empresa Gráfica, Lda.”, que apresenta o descritivo: “Cod: IMPOUTE, Descrição: 80.000 Exemplares Jornal Campanha n.º 2 do PSD Madeira, com 8 Páginas a côr, Qtd: 1, Val. Unit.: 10.000,00, Tx lva: 22, Total s/ Iva: 10.000,00”, no valor global de €12.200,00;

5.2. Fatura n.º 1315000015, emitida em 18/09/2015, pelo fornecedor “Imprinews – Empresa Gráfica, Lda.”, que apresenta o descritivo: “Cod: IMPOUTE, Descrição: 80.000 Exemplares Jornal Campanha n.º 1 do PSD Madeira, com 16 Páginas a côr, Qtd: 1, Val. Unit.: 15.000,00, Tx Iva: 22, Total s/ Iva: 15.000,00”, no valor global de €18.300,00.;

5.3. Fatura n.º 776/2015[FA], emitida em 01/10/2015, pelo fornecedor “dupladp & Associados, S.A.”, que apresenta o descritivo: “Artigo: V_PROD, Produção de cartazes em vinil autocolante mate, com impressão digital no formato 200x150cm, Quant.: 300,00, Un UN, Pr. Unitário: 29,000, Desc.: 0,00, IVA: 22,00, Total Líquido: 8.700.00”, no valor global de €10.614,00;

5.4. Fatura n.º FA 2015A/48743, emitida em 30/07/2015, pelo fornecedor “ACCIONAL ACÇÕES PROMOÇÕES E REPRESENTAÇÕES, LDA.”, com o descritivo:

“Processo ATP n.º 53712

Artigo: VIN.I, 1,00, Descrição: Vinil autocolante com impressão Digital, Dimensão: 18,20 x 1,37, Quant.: 24,93, Un.: M2, Pr. Unitário: 25,0000, Desc. 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido: 623,25;

Artigo: PPA3MM.SI, 4,00, Descrição: PPA placa canelado 3,5 mm s/imp., Dimensão: 3,00 x 2,00, Quant.: 24,00, Un.:M2, Pr. Unitário:20,0000, Desc. 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido: 480,00;

Artigo: ALUG001, Descrição: Aluguer de 3 estruturas Pop up retas, Quant.: 3,00, Un.: UN, Pr. Unitário: 135,0000, Desc. 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido: 405,00;

Artigo: MON001, Descrição: Montagem Associação Agrícola (Dmingo), Quant.: 1,00, Un.: UN, Pr. Unitário: 140,0000, Desc. 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido: 140,00;

Artigo: DESM001, Descrição: Desmontagem, Quant.: 1,00, Un.: UN, Pr. Unitário: 35,0000, Desc. 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido: 35,00”;

no valor total de...

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