Acórdão nº 1028/10.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO C....., SA (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.01.2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico apresentado do indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativas a 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “i. A matéria de facto dada como provada é insuficiente para consentir a prolação duma decisão de mérito sobre a impugnação judicial, desde logo porque não se discute que a AF tenha formulado as conclusões constantes do relatório inspectivo (RIT).

ii. Ainda que se entenda que o Tribunal "a quo" deu, outrossim, como provados os pressupostos e conclusões do relatório, na íntegra, tal configura nulidade da sentença - por não especificação dos fundamentos de facto para a decisão, não podendo o Tribunal limitar-se a proferir uma decisão jurídica de fundo com base na adesão, em bloco, à factualidade constante do RIT 19 [19: Arts. 125.º/1 do CPPT e 668.º/1-b) CPPT].

iii. A AF faz referência à verba 1.3.1 da Lista II anexa ao CIVA (Conserva de frutas ou frutos, designadamente, em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas) e, bem assim, à verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA (Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos), mas em lado algum do RIT consta a identificação dos produtos mencionados pela AF.

iv. Em lado algum do RIT consta explicitado o "entendimento" administrativo referido pela AF como fundamentando as correcções em causa - sendo que os "'entendimentos" da AF não são lei, não têm força de lei e, portanto, não vinculam o contribuinte; v. A AF admite, a páginas 24 e 25 do RIT, que várias compotas e doces da marca "....." foram autorizados pela Direcção-Geral de Saúde como sendo géneros alimentícios destinados a alimentação especial, concluindo que, «Face às restantes compotas e geleias (...)as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1 da Tabela // (...)», mas o RIT não explicita a que "restantes compotas e geleias" se refere a AF.

vi. A AF não demonstra, pois, de que modo quantificou o imposto em causa nos autos - em face da grave e patente falta de fundamentação do RIT, sendo que, ao assim não decidir, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, mormente do RIT e do seu Anexo IV, e erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do artigo 77.º da LGT - a impor a revogação da sentença recorrida.

vii.

Como ressuma dos autos, relativamente aos seguintes produtos "mexilhão cozido em salmoura", "amêijoa cozida em salmoura", e "zamburinha cozida em salmoura", conclui a AF que «(...) a própria designação do produto evidencia, claramente tratar-se de moluscos que já sofreram transformação por via do processo de cozedura e se encontrar conservado em salmoura, pelo que os mesmos não são enquadráveis na referida verba da Lista i, mas antes na Lista II.» viii. Não de descortina por que motivo a AF corrige o enquadramento de tais produtos na lista II, uma vez que a verba 1.3.3 fala apenas em moluscos, e não exclui aqueles que foram cozidos, e tampouco se percebe qual a relevância de a AF defender que a cozedura é um processo de transformação, uma vez que a verba em causa não faz qualquer menção a processos de transformação, nem exige que os moluscos sejam frescos ou estejam crus.

ix. Compulsado o Anexo IV, não se vislumbra referência minimamente perceptível às quantidades de moluscos e períodos de comercialização considerados na correcção - o que constitui falta de fundamentação.

x. No mesmo RIT a AF invoca que a cozedura é um processo de transformação, que não tem cabimento na Lista I (verba 1.3.3), «apenas se admitindo no âmbito da taxa reduzida os produtos que tenham sido objecto das transformações que aí se encontrem elencadas.».

xi. Ao contrário do erradamente pretendido pela AF, a cozedura nada têm a ver com a transformação dos moluscos - derivando, outrossim, de imposição sanitária europeia: a Decisão da Comissão, de 30 de Outubro de 2003, notificada com o número C (2003) 3984 - na sequência da Decisão 93/25/CEE da Comissão, de 11 de Dezembro de 1992 - aprova certos tratamentos destinados a inibir o desenvolvimento dos microrganismos patogênicos nos moluscos bivalves e nos gastrópodes marinhos - entre os quais a cozedura.

xii. Aliás, a fls 25 do RIT a AF afirma que a Impugnante enquadrou erradamente esses produtos na verba 1.3.3. da Lista I Anexa ao CIVA, e, na decisão de recurso hierárquico em causa, a AF admite que «Conforme já se tem pronunciado esta Direcção de Serviços, designadamente na informação 2172, de 200-12-18, que se infere da verba 1.3.3 da lista I Anexa ao CIVA que a mesma inclui moluscos, com ou sem casca (concha), viços, frescos, refrigerados, congelados e secos, admitindo-se a sua "cozedura, em água ou vapor, a fim de conservá-los, transitoriamente e para eventualmente serem refrigerados, congelados e secos.

».

xiii.

Neste contexto, entende o Tribunal a quo que «Não vem a impugnante, em momento algum, demonstrar, que tenha procedido ao processo de cozedura, não para proceder à venda dos produtos num estado de pré confecção ou pronto a comer, mas antes para proceder à sua conservação transitória para serem refrigerados, congelados, ou secos.».

xiv. Salvo o devido respeito, para além do Tribunal concluir para além do que lhe permitem os factos constantes nos autos - o que configura erro de julgamento da matéria de facto - conclui em violação do princípio do ónus da prova - o que configura erro de julgamento da matéria de direito.

xv. Como é de conhecimento público, a Recorrente é retalhista, e não é - nem isso consta dos autos- produtora dos bens em causa, pelo que não lhe cabia demonstrar que "tenha procedido ao processo de cozedura (...) para proceder à sua conservação transitória para serem refrigerados, congelados, ou secos", pela simples razão de que os referidos bens não foram produzidos por si mas apenas comercializados, sendo que para concluir como concluiu, deveria ter apurado se os bens em causa foram sujeitos a transformação pela Recorrente, para que pudesse cumprir o ónus de prova tal como imposto pelo Tribunal - o que não fez.

xvi.

Se invoca que os bens em causa foram cozidos para serem vendidos em pré-confecção ou prontos a comer, é óbvio que era a AF tinha que demonstrar essa factualidade - o que não fez -,não incumbindo ao contribuinte, certamente, fazer prova de facto negativo: que os produtos em causa não foram cozidos para serem consumidos, mas para serem conservados.

xvii. É que «(...) pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha que provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário.»20 [20: Sic, Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Áreas, 2011, Vol II, p. 132].

xviii. O Tribunal a quo conclui que a menção à cozedura dos produtos em causa é “um indício suficientemente objectivo para o efeito", mas, nos termos da lei, as correcções técnicas efectuadas pela AF não podem basear-se em quaisquer indícios, mas em factos obiectivamente verificados e escrutinados – o que, como resulta dos autos, não foi o caso.

xix. Cabia à AF o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova sobre o efectivo enquadramento dos bens em causa na taxa de IVA que pretende alterar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, sabido que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador e que as correcções técnica não podem alicerçar-se em meras suspeitas ou suposições.

xx. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal o quo, simultaneamente, em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito, a impor a revogação da sentença recorrida.

xxi. Como resulta dos autos, a AF procede a uma correcção com base no Ofício - Circulado n.º 30 094, de 2006-06-22, quando i) os ofícios circulados não são lei e, portanto, não vinculam os contribuintes nem os Tribunais; ii) o ofício circulado em questão não é aplicável aos factos sob análise uma vez que o mesmo foi emanado no ano de 2006 e o ano em questão é 2005 - pelo que nem sequer vinculam a AF relativa mente aos procedimentos inspectivos sobre o ano de 2005, nem são invocáveis retroactivamente 21 [21: Art. 68.º-a n.º 2 da LGT].

xxii. Do Anexo IV, não resulta minimamente explanado quantos boiões de comida para bebé foram comercializados e quando - o que constitui falta de fundamentação.

xxiii. Como resulta dos autos, conclui a AF, secundada pelo Tribunal a quo, «que as massas instantâneas devem, também, ser enquadráveis nesta verba, porquanto não se tratam de massas secas, mas antes de alimentos pré-confeccionados.», mas, para proceder à correcção em causa, a AF não demonstrou, em lado algum dos autos, que os bens em causa são "alimentos pré-confeccionados" ou "massas recheadas".

xxiv. Caso a AF tivesse cumprido o princípio do inquisitório, teria constatado que se trata de massas secas vendidas conjuntamente com pequenas saquetas de pó seco com sabores que, aquando da cozedura da massa, podem, ou não, ser adicionadas a mesma — sendo que a lei não descrimina a existência de pó seco, vendido conjuntamente com a massa, como factor de exclusão de tais produtos da verba de...

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