Acórdão nº 03035/12.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução09 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO M., LDA., e M., LDA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 31.12.2018, promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial que as Recorrentes intentaram contra a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS e o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu os Réus do pedido.

Alegando, as Recorrentes formularam as seguintes conclusões: “(…)

  1. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao concluir que os Ofícios n.° 2997 e 2998 são inimpugnáveis com o fundamento de que se trata de “meras comunicações” porquanto tais Ofícios assumem manifestamente a natureza de ato administrativo nos termos do disposto do artigo 120.° do CPA e, como tal, impugnáveis nos termos dos artigo 50.° e 51.° do CPTA.

  2. A sentença ora recorrida, incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito ao concluir que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 não padecem do vício de falta de audiência prévia, por estar em causa uma decisão que reveste caráter urgente nos termos da al. a), n.° 1 do artigo 103.° do CPA, quando não resulta objetivamente do conteúdo do ato ou das circunstâncias que o rodeiam, qualquer urgência passível de dispensar a audiência prévia. Com efeito, não tendo as ora Recorrentes sido notificadas para se pronunciarem, nem havendo razões atendíveis para dispensa de audiência prévia nos termos do artigo 103.° do CPA, é patente o vício de forma por preterição do direito de audiência prévia, sendo os respetivos atos consequentemente anuláveis nos termos do artigo 135.° do CPA.

  3. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao concluir que os Ofícios n.° 2997 e 2998 não eram impugnáveis. Contudo, tendo ficado cabalmente demonstrado que os referidos Ofícios são verdadeiros atos administrativos e, portanto, impugnáveis nos termos dos artigos 50.° e 51.° do CPTA, têm-se forçosamente de concluir a flagrante violação do direito à audiência dos interessados, previsto no artigo 100.° do CPA, uma vez que as ora Recorrentes nunca foram notificadas para se pronunciarem dos projetos de decisão sendo, por isso, os atos anuláveis nos termos do disposto do artigo 135.° do CPA.

  4. A sentença ora recorrida, incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito ao concluir que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 não padecem do vício de falta de fundamentação porquanto é manifesto que o Tribunal a quo baseou-se, inadmissivelmente, na fundamentação feita a posteriori. Contudo, o dever de fundamentação previsto nos termos do artigo 268.° n.° 3 da CRP e dos artigos 124.° e 125.° do CPA, aponta inequivocamente para a contextualização da fundamentação, na medida em que, ela deve ser parte integrante da decisão administrativa e notificada juntamente com ela pelo que, havendo no caso sub judice uma absoluta falta de fundamentação, quer de facto quer de direito, é por demais manifesto que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 padecem do vício de falta de fundamentação sendo, consequentemente, anuláveis nos termos do artigo 135.° do CPA.

  5. Ademais, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento de direito ao concluir que perante a colisão do segredo de Estado e o dever de fundamentação dos atos que restringem o direito, liberdade e garantia de natureza análoga - direito à livre iniciativa económica - prevalece o primeiro face aos segundos. Contudo, mal andou o Tribunal a quo porquanto o segredo de Estado apenas pode restringir ou limitar direitos, liberdades e garantias, em respeito aos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu, mas nunca aniquilando, por completo, a concretização daqueles direitos constitucionais como ocorreu no caso sub judice; pelo que, não poderia a, aliás douta, sentença recorrida ter-se, pura e simplesmente, baseado e justificado no segredo de Estado para concluir pela admissibilidade da total falta de fundamentação do ato.

  6. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao concluir que os Ofícios n.° 2997 e 2998 não eram impugnáveis. Contudo, tendo ficado cabalmente demonstrado que os referidos Ofícios são verdadeiros atos administrativos e, portanto, impugnáveis nos termos dos artigos 50.° e 51.° do CPTA, têm-se forçosamente de concluir a verificação do vício de falta de fundamentação, por absoluta preterição de fundamentação de direito sendo, consequentemente, anuláveis nos termos do artigo 135.° do CPA.

  7. Revela-se evidente que as normas do artigo 5.° n.° 1 e n.° 2 da Lei 9/2007, de 19 de fevereiro e as dos artigos 124.° e 125.° do CPA são claramente inconstitucional, quando aplicadas conjugadamente, com a interpretação feita pelo Tribunal a quo, por violação do disposto dos artigos 2.°, 20.° e 268.° da CRP.

  8. Com efeito, aquelas normas, com essa interpretação, tornam admissível a aniquilação, total, do dever de fundamentação de facto e de direito de um ato que, aliás, restringe um direito, liberdade e garantia de natureza análoga, em matérias cobertas pelo segredo de Estado, prejudicando, assim, também o dever de audiência prévia e a tutela jurisdicional efetiva.

  9. A sentença ora recorrida, incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito ao concluir que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 não padecem do vício de violação por erro nos pressupostos de direito na aplicação dos artigos 8.° e 9.° da Lei 49/2009, de 5 de agosto, porquanto é manifesto que o ora Recorrido se baseou em tais pressupostos na concessão da credenciação, com a agravante de ter extrapolado o sentido útil da lei, ao aplicar de forma mais restritiva os respetivos critérios.

  10. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao concluir que os Ofícios n.° 2997 e 2998 não eram impugnáveis. Contudo, tendo ficado cabalmente demonstrado que os referidos Ofícios são verdadeiros atos administrativos e, portanto, impugnáveis nos termos dos artigos 50.° e 51.° do CPTA, tem-se forçosamente de concluir pela verificação do vício de violação de lei por desconformidade entre o conteúdo dos atos e o comando legal do artigo 140.° do CPA porquanto o ora Recorrido, através dos respetivos Ofícios, revogou um ato constitutivo de direitos violando, assim, ostensivamente a al. b) do n.° 1 artigo 140.° do CPA sendo, por isso, tais atos anuláveis ao abrigo do artigo 135.° do mesmo diploma legal.

  11. A sentença ora recorrida, incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito ao concluir que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 não padecem do vício de desvio de poder porquanto é manifesto que o ora Recorrido não teve em vista o fim legal de zelo pela segurança e controlo da perigosidade inerente àquela atividade sendo, consequentemente, os atos anuláveis nos termos do artigo 135.° do CPA.

  12. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao concluir que os Ofícios n.° 2997 e 2998 não eram impugnáveis. Contudo, tendo ficado cabalmente demonstrado que os referidos Ofícios são verdadeiros atos administrativos e, portanto, impugnáveis nos termos dos artigos 50.° e 51.° do CPTA, tem-se forçosamente de concluir pela verificação do vício de desvio de poder porquanto o ora Recorrido não visou a vigilância das condições de segurança que devem envolver a atividade em causa tendo, efetivamente, prosseguido um fim que não condiz com o fim que a lei visa sendo, por isso, os Ofícios em questão anuláveis nos termos do artigo 135.° do CPA.

  13. Face a tudo o exposto, torna-se imperioso concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito ao caso sub judice, pelos motivos acima expostos, do qual resulta a manifesta procedência do presente recurso jurisdicional, e em consequência, a necessária revogação da sentença recorrida, sendo substituída por uma decisão, que julgue a presente ação administrativa especial procedente, por provada (…)”.

*Notificados que foram para o efeito, os Recorridos produziram contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

* *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A..

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as de saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento ao concluir: (i) que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 não padecem do vício de falta de audiência prévia, por estar em causa uma decisão que reveste caráter urgente nos termos da al. a), n.° 1 do artigo 103.° do CPA; (ii) que os Ofícios n.° 2997 e 2998 não eram impugnáveis; (iii) que os Despachos n.° 51/SIND/ANS/2012 e n.° 52/SIND/ANS/2012 não padecem do vício de falta de fundamentação; (iv) que perante a colisão do segredo de Estado e o dever de fundamentação dos atos que restringem o direito, liberdade e garantia de natureza análoga - direito à livre iniciativa económica - prevalece o primeiro face aos segundos; (v) que os...

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