Acórdão nº 00379/11.9BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Data09 Abril 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO UNIÃO DAS FREGUESIAS (...), com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 12.02.2019, e promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por H., S.A, também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação parcialmente procedente, e, consequentemente, (i) declarou a nulidade do contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre a Autora e a Ré; (ii) condenou a Ré a pagar à Autora o montante de EUR 91.818,00 [noventa e um mil, oitocentos e dezoito euros], acrescido de IVA à taxa em vigor, bem como a pagar os respetivos juros de mora devidos à taxa legal desde a citação até integral pagamento; (iii) condenou a Autora ao pagamento de uma multa por litigância de má-fé, no valor de 2 (duas) UCs, mais absolvendo a Autora e a Ré dos demais pedidos formulados pelas partes em decorrência da litigância de má-fé.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1.

Por sentença proferida em 12/02/2019, o Tribunal a quo julgou totalmente procedente a ação intentada pelo Autor contra a Ré e, em consequência (i) declarou a nulidade do contrato de empreitada de obras pública celebrados entre a Autora e a Ré, (ii) condenou a Ré a pagar à Autora o montante de EUR 91 818,00, acrescido de IVA à taxa em vigor, bem como a pagar os respetivos juros de mora devidos à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e (iii) condenou a Autora ao pagamento de uma multa por litigância de má-fé, no valor de 2 UC, absolvendo a Autora e Ré dos demais pedidos formulados pelas partes em decorrência da litigância de má-fé.

  1. Face à prova produzida em julgamento, os factos plasmados nos pontos 1, 3, 4, 5 e 6 dos factos dados como provados na sentença em crise deveriam ser dados como não provados.

  2. Ao dar como provados tais factos (os quais, na perspetiva da Recorrente, deveriam ter sido dados como não provados), o Tribunal de primeira instância incorreu em manifesto erro de julgamento e em errada valoração da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

  3. Dessarte, a prova produzida nos autos não permite imputar as obras em causa à Ré.

  4. Um dos aspetos centrais para responsabilizar alguém pelo cumprimento de obrigações contratuais é a demonstração de que se realizou um contrato entre as partes.

  5. No caso sub judicius, em decorrência da necessária alteração da matéria de facto (dando como não provados os factos acima referidos, que foram erradamente levados ao rol dos factos assentes), não existe prova de que a Ré e a Autora alguma vez tenham realizado qualquer contrato referente aos trabalhos em causa.

  6. Consequentemente, não ficando demonstrado que a Ré solicitou à Autora a realização dos trabalhos a que se reporta a presente ação, não pode obter esta qualquer pagamento da parte daquela, por inexistência de relação contratual.

  7. De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, era à Autora que incumbia fazer a prova dos factos alegados, razão pela qual, no caso de uma dúvida insanável, sempre o non liquet deveria decidido de modo desfavorável para a impetrante.

  8. Em decorrência do exposto, deveria a ação improceder in totum (…)”.

    *Notificada que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.

    * * Concomitantemente, H., S.A., deduziu RECURSO SUBORDINADO, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões: “(…) 1º A recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo que a condenou ao pagamento de uma multa por litigância de má-fé, no valor de 2 (duas) UCs, absolvendo a A. e R. dos demais pedidos formulados pelas partes em decorrência da litigância de má-fé.

    1. Com o devido respeito, a recorrente não se conforma com a decisão assim proferida, porquanto se considera que ocorreu incorreto julgamento, pois o Tribunal recorrido terá feito uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.

    2. Foi a A. condenada em como litigante de má-fé por no artigo 13° da p.i. constar o seguinte facto: " ...pelo que a A. iniciou a obra em finais de setembro de 2009. ” 4º Diz o tribunal a quo que a A. alega esta facto não correspondente à verdade, e que o fez deliberada e conscientemente.

    3. Ora, diz-se litigante de má-fé, segundo o disposto pelo artigo 542°, n.° 2 do CPC, «quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

    4. Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização, a favor da parte contrária, se esta a pedir, nos termos do disposto no artigo 542°, n.° 1 do CPC.

    5. Para não caírem no âmbito de aplicação dos normativos ora acabados de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto que constitui objeto do litígio.

    6. A má-fé representa uma modalidade de dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo.

    7. É o dolo processual unilateral (sem conluio entre as partes), distinguindo-se do dolo processual bilateral, que corresponde à figura do processo simulado (art. 612° do CPC).

    8. A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação e de boa-fé que os arts. 7o, 8o, e 542°, n.° 2, al. c) do CPC impõem às partes.

    9. Analisando o art. 542°, n.° 2 do CPC denotamos que para a parte ser condenada em litigância de má-fé exige-se uma atuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão.

    10. É apenas em caso de dolo, ou negligência grave, que a conduta processual da parte pode ser sancionada, civilmente, sendo necessário que tal se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).

    11. O elemento subjetivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.

    12. Portanto, passou a exigir-se dos litigantes, para que sejam considerados de boa-fé, não apenas que declarem aquilo que subjetivamente consideram verdade, mas aquilo que considerem verdadeiro após cumprirem os mais elementares deveres de prudência e cuidado, impostos pelo princípio da boa-fé processual.

    13. Sobre as partes recaí um dever de pré-indagação da realidade em que fundam a sua pretensão ou defesa. Mas tal dever não se apresenta como um dever de indagação total, um dever de escrutínio absoluto, mas sim como uma indagação que tome em conta os mais elementares deveres de cuidado, isto é, aqueles que só podem ser desrespeitados por um sujeito que atue de modo gravemente negligente, e que não obedeça a qualquer regra de prudência ou ponderação antes de recorrer ao processo.

    14. Importa ter presente que com a enunciação legal dos comportamentos de má-fé o legislador procurou, quanto aos elementos objetivos, ser o mais exaustivo possível, dando origem a que qualquer violação do dever de boa-fé se possa subsumir, sem margem para dúvidas, a pelo menos mais do que uma das categorias elencadas.

    15. A conclusão pela atuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, variando consoante o meio e objeto processuais e a conduta concreta das partes no desenrolar do processo, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do n.° 2 do art. 542° do CPC.

    16. De acordo com a interpretação que se vem fazendo do citado preceito, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça.

    17. Para a condenação como litigante de má-fé exige-se, por conseguinte, que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.

    18. Por isso, o tipo subjetivo da litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.

    19. Na questão que se submete à apreciação do presente Tribunal, o fulcro principal da objeção da recorrente reside no facto de a Mma juiz “a quo ” ter feito - na visão da recorrente - uma incorreta valoração do facto alegado em 13 da p.i.

    20. É que a A. não tentou provar o contrário do entendido pela Exma. Juiz a quo, e isso é patente pela análise da prova testemunhal da A., como um todo, onde ficou saliente a boa fé e a correção de todas as testemunhas apresentadas pela A.. O mesmo sucedeu com as declarações de parte prestadas pela A., que foram feitas com verdade, honestidade, seriedade e enorme respeito pelo Tribunal. (Cfr. as declarações de parte da A. prestadas por C., declarações que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, de 02:30:00 a 02:48:56, e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Administrativo e...

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