Acórdão nº 985/20.0BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A Entidade Demandada, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 13/01/2021, que, no âmbito da intimação para prestação de informações e passagem de certidões instaurada por A……….., SA, melhor identificada em juízo, julgou procedente a intimação e intimou a Demandada, após indicação do médico por parte da Requerente, a facultar no prazo de dez dias a informação peticionada, referente a J.........

* A Entidade Demandada, ora Recorrente, apresentou recurso contra a decisão recorrida, tendo nas respetivas alegações, formulado as seguintes conclusões, que ora se reproduzem: “A – A Recorrida A........ instaurou, no TAF de Leiria, ação de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra a Recorrente ARSLVT, pedindo a intimação desta para remeter ao seu médico conselheiro cópia do relatório médico do seu segurado, falecido, J........, sobre doenças relacionadas com a causa do óbito onde conste a data de sintomas, a data de exames auxiliares de diagnóstico, a data das primeiras consultas, a data de diagnóstico e os tratamentos efetuados.

B - Por douta sentença de 13.01.2021, o Tribunal a quo julgou a ação totalmente procedente e condenou a Recorrente ARSLVT a facultar à Recorrida A........ o acesso aos documentos nominativos, constantes do processo clínico do seu segurado, supramencionados.

C – A douta decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto, por ter dado como provada a celebração de contrato de seguro entre o referenciado J........ e a Recorrida A........ (Facto 2 da matéria de facto provada).

D – Tendo a decisão recorrida concluído que o ID constante do contrato de seguro não permite atestar que o consentimento foi prestado “e até que o contrato foi outorgado” não se compreende como o Tribunal deu por provada a celebração do contrato de seguro entre o falecido e a Recorrida.

E – Efetivamente, não se mostrando o referido contrato assinado de forma manuscrita pelo de cujus, e não sendo possível associar o ID constante do contrato à assinatura do falecido, como concluiu, e bem, o Tribunal a quo, não poderia a decisão recorrida ter dado por provada a celebração do referido contrato entre as partes nele mencionadas (o falecido e a Recorrida).

F – Assim, ao ter dado como provado que “J........, em 13.07.2017, contratou um seguro “proteção SafeCare” com cobertura de morte e capital seguro no montante de €5.000,00” com base no contrato junto pela Recorrida, sob Doc. n.º 2 da PI, a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, pois, do referido contrato não consta qualquer assinatura do referenciado J........, mas apenas uma referência a um ID, verificando-se, assim, e também, contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação da própria decisão.

G - Destarte, e tendo em conta o disposto nos arts. 373.º e 374.º do CCivil, mencionados na própria decisão recorrida, o Doc. n.º 2 da PI nunca poderia ser apto a provar a celebração do contrato de seguro em causa, pelo que, a douta sentença recorrida deverá ser reformada no sentido de ser retirada da matéria de facto provada a celebração do referido contrato de seguro.

H - Em consequência ainda, deverá a douta sentença ser reformada, no sentido de ser julgado totalmente improcedente o pedido formulado nos autos pela Recorrida, pois, não se provando a celebração do contrato de seguro, deixa de existir, em abstrato, qualquer interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido da Recorrida no acesso aos dados de saúde do de cujus.

I - Efetivamente, não se dando por provada a celebração do contrato de seguro em causa, não existe qualquer ponderação de interesses a realizar, desde logo porque não se poderá considerar, nem em abstrato, que a informação pretendida pela Recorrida terá por finalidade J - Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, determinante da respetiva revogação, pois, o tribunal recorrido não procedeu à correta interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 5 da LADA (Lei n.º 26/2016), violando ainda das disposições da CRP contidas nos artigos 17.º, 18.º, 26.º e 35.º, assim como o disposto no art.º 80.º do CCivil.

K – Nos termos do n.º 5 do art.º 6.º da LADA, são necessários os seguintes requisitos para que um terceiro tenha acesso a informação e dados nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, de outra pessoa: a) Estar munido de autorização escrita do titular que seja explícita e específica quanto á sua finalidade; e; b) Demonstrar ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, sendo que, neste domínio, sempre se terá que efetuar uma ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade dos direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta.

L – Ora, tendo a douta sentença recorrida concluído não se verificarem os requisitos enunciados na al. a), por inexistir consentimento escrito válido, impunha-se que fosse feita a demonstração de que os requisitos previstos na al. b) supra se mostravam verificados.

M - O que, contudo, não sucedeu, pois a decisão recorrida limitou-se a referir que: “Contudo, julga-se que, mesmo considerando que a Requerente não dispõe de um consentimento válido, porque não está assinado, e nessa medida deverá alterar os seus procedimentos, não se deixa de constatar que um tomador de seguro quando outorga um contrato desta natureza tem todo o interesse em que o mesmo possa ser executado, que é como quem diz, que as importâncias que fazem parte do prémio sejam pagas, sendo que, no caso de morte tais montantes irão sempre beneficiar um terceiro, terceiro esse, que o tomador quis proteger.” Assim, numa ponderação de interesses não se poderá deixar de evidenciar que a informação pretendida visa cumprir um contrato que beneficia diretamente o proprietário dos dados. (…)” N - O que redunda em falta de fundamentação de direito e em ostensiva violação do disposto na citada al. b) do n.º 5 do artigo 6.º da LADA, e em consequência das disposições da CRP contidas nos artigos 17.º, 18.º, 26.º e 35.º, assim como o disposto no art.º 80.º do CCivil.

O - A Recorrente admite, em teoria, que a Recorrida A........ até possa ser titular de um interesse direto, pessoal e legítimo no acesso às informações de saúde do seu segurado, já que só dessa forma poderá ter um real conhecimento das causas e circunstâncias em que ocorreu o sinistro participado e aferir do enquadramento das mesmas para efeitos de liquidação de eventuais quantias que sejam devidas, decorrentes do contrato de seguro celebrado com o segurado.

P - Contudo, já não se poderá concluir que tal interesse é constitucionalmente protegido, o que obsta a que se proceda à ponderação a que se refere a alínea b) do n.º 5 do artigo 6.º da LADA.

Q - Há que ter em conta que o legislador da Lei n.º 26/2006, de 22 de agosto, tornou mais exigentes os requisitos do acesso a documentos nominativos por parte de terceiros, exigindo a titularidade de um interesse constitucionalmente protegido, quando o artigo 6.º, n.º 6 da LADA, se bastava com um interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.

R - Face ao contrato de seguro em causa, nem sequer estão em causa direitos económicos e patrimoniais da A........ mas, porventura, e apenas, direitos económicos dos herdeiros do segurado, pois, nos termos do contrato celebrado, não sendo apresentadas junto do A........ a comunicação de ocorrência do sinistro e as informações de saúde em causa, a que a mesma pretendeu aceder através da presente ação, só aqueles ficarão prejudicados, e não a seguradora, pelo não recebimento do capital seguro.

S – Pelo que, a pretensão da Recorrida A........ não também encontra acolhimento do critério legal atualmente vigente, constante da citada al. b) do n.º 5 do art.º 6.º da LADA, pois não é titular de um interesse «constitucionalmente protegido» que justifique o acesso aos dados de saúde requeridos, devendo prevalecer o direito fundamental á reserva da vida privada, assim como o direito fundamental á proteção dos dados pessoais, consagrados nos artigos 26.º e 35.º da CRP e 80.º do Código Civil.

T – Assim, e em suma, não estando a Recorrida munida de autorização escrita expressa e específica de dados de saúde, nem sendo titular de um interesse constitucionalmente protegido no acesso ás informações de saúde do seu segurado, cabe concluir que a mesma não tem direito a obter a informação por si pretendida, pelo que deve a douta decisão recorrida ser revogada, por violar as disposições legais constante do art.º 6.º, n.º 5 da LDA e nos citados arts. 26.º e 35.º da CRP e 80.º do Código Civil, com o que se fará JUSTIÇA.”.

* A Requerente, ora Recorrida, notificada, veio contra-alegar o recurso, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões: “1.

No seguimento de óbito de J........

, a aqui Recorrida solicitou, por carta expedida no dia 15 de outubro de 2020, junto do o Centro de Saúde Rio Maior, o envio de cópia do relatório médico sobre doenças relacionadas com a causa do óbito onde conste a data de sintomas, a data de exames auxiliares de diagnóstico, a data das primeiras consultas, a data de diagnóstico e os tratamentos efetuados.

  1. Para legitimar tal pedido de acesso a dados de saúde de J........

    , a aqui Recorrida juntou cópias do Contrato de Seguro de Vida Individual – “Proteção Safecare”, subscrito em 13 de julho de 2017 pelo falecido, onde estão as declarações de saúde assinadas digitalmente pelo mesmo.

  2. Sucede que o Centro de Saúde Rio Maior recusou tal pedido tacitamente.

  3. Facto com...

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