Acórdão nº 02427/19.5BELSB-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    A……….EUROPE B.V., A……., S.A., E A…….., KGAA - identificadas nos autos – recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 15 de outubro de 2020, que, conhecendo em substituição da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, de 27 de maio de 2020, julgou improcedente a ação que propuseram contra o INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P., em que pedem a anulação do despacho do Presidente do Conselho Diretivo, de 16 de setembro de 2019, que determinou a redução de preços máximos para o medicamento MAVENCLAD®, resultante da revisão anual de preços para o ano de 2019.

    Nas suas alegações, as Recorrentes formularam, com relevo para esta decisão, as seguintes conclusões: «(...) 16. O entendimento do Tribunal a quo consubstancia uma errada aplicação do direito e viola, em particular, o artigo 20.º (nomeadamente, o respetivo n.º 1) da Portaria n.º 195-C/2015.

    1. A avaliação prévia e a comparticipação serem regimes distintos não significa que um medicamento de uso exclusivo hospitalar não possa, simultaneamente, ser objeto de contrato de avaliação prévia e ser comparticipado (como é caso do Mavenclad® ).

    2. Aliás, conforme estabelece o artigo 22.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 97/2015, os regimes excecionais de comparticipação obedecem a procedimento que pode incluir avaliação prévia, o que contraria frontalmente a tese do Tribunal a quo de que os medicamentos sujeitos a avaliação prévia não poderiam ser abrangidos pelo regime de comparticipação.

    3. É isto que resulta também do preâmbulo da Portaria n.º 330/2016: “Considerando também que o n.º 3 do artigo 22.º do mesmo diploma legal prevê que «os regimes excecionais de comparticipação obedecem a procedimento que pode incluir avaliação prévia determinada pelo órgão que autorizar a comparticipação», impõe-se a revisão do presente regime excecional de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da Esclerose Múltipla, garantindo o acesso a novos medicamentos”.

    4. Ou seja, nada na lei obsta a que um medicamento de uso exclusivo hospitalar seja simultaneamente objeto de avaliação prévia e comparticipado, como é, de resto, o caso do Mavenclad® .

    5. Atentando, especificamente, no caso do medicamento Mavenclad® , em 17/05/2018 foi celebrado um Contrato de Avaliação Prévia referente ao Mavenclad® , que regulou os termos e condições em que este medicamento pode ser adquirido pelas entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde (cfr. o facto provado n.º 13).

    6. Como resulta do disposto na referida Cláusula Primeira, n.º 4, do Contrato de Avaliação Prévia, ficou acordado pelas Partes que os preços máximos de aquisição do Mavenclad ® previstos no n.º 2 “ficam sujeitos ao sistema de referenciação internacional de preços, bem como às deduções e reduções de preços determinadas pelo Estado”, sendo que nenhuma outra norma daquele Contrato regula, de forma genérica ou especial, as concretas regras de revisão ou modificação daqueles preços.

    7. Na ausência de qualquer cláusula específica no Contrato, a revisão ou modificação daqueles preços terá de ser efetuada nos termos previstos na lei.

    8. Como o Mavenclad ® é um medicamento de uso exclusivo hospitalar, não tem PVP aprovado, e está em causa um procedimento de revisão anual de preços no âmbito do mercado hospitalar, as regras de revisão de preços potencialmente aplicáveis a este medicamento seriam as previstas no artigo 20.º da Portaria n.º 195-C/2015 (cfr. os factos provados n. os 9, 10, 16 e 19).

    9. Decorre do referido artigo 20.º, (i) que o âmbito de aplicação da revisão do preço destes medicamentos está delimitado no n.º 1, apenas abrangendo os medicamentos sujeitos a receita médica não comparticipados; e (ii) que os critérios de revisão do preço dos medicamentos definidos no n.º 2 só são aplicáveis aos medicamentos que estiverem contidos no âmbito de aplicação do n.º 1, isto é, aos medicamentos sujeitos a receita médica não comparticipados.

    10. Ao abrigo do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, foi publicada a Portaria n.º 330/2016, de 20/12, através da qual foi estabelecido um regime excecional de comparticipação para determinadas substâncias ativas destinadas ao tratamento de doentes com esclerose múltipla.

    11. A Portaria n.º 330/2016, de 20/12, foi alterada pela Portaria n.º 302/2018, de 26/11 – com entrada em vigor em 27/11/2018 –, tendo-lhe sido aditadas novas denominações comuns internacionais de medicamentos destinados ao tratamento da esclerose múltipla, incluindo a Cladribina (cfr. alínea g) do Anexo I à Portaria n.º 302/2018, de 26/11).

    12. A Cladribina é a denominação comum internacional do Mavenclad ® e este medicamento é usado no tratamento de doentes com esclerose múltipla (cfr. os factos provados n. os 1 e 2).

    13. Como tal, com a entrada em vigor da Portaria n.º 302/2018, o medicamento Mavenclad® passou a ser, a partir do dia 27/11/2018, um medicamento comparticipado.

    14. O entendimento do Tribunal a quo determinaria que nenhum medicamento classificado como medicamento sujeito a receita médica restrita de uso exclusivo hospitalar seria suscetível de comparticipação segundo um regime excecional, o que não faz sentido, porque retiraria qualquer utilidade à inclusão daquela substância ativa (e de outras substâncias ativas) no regime excecional de comparticipação.

    15. Os regimes excecionais de comparticipação são – como o próprio nome indica – regimes de comparticipação, pelo que quaisquer medicamentos abrangidos por estes regimes são, efetivamente, medicamentos comparticipados.

    16. Sendo o Mavenclad ® um medicamento comparticipado desde o dia 27/11/2018, desde essa data, o mesmo não se encontra abrangido pelo artigo 20.º da Portaria n.º 195-C/2015, razão pela qual o procedimento de revisão anual de preços para 2019, iniciado em dezembro de 2018, não podia abranger este medicamento.

    17. A circunstância de não se ter provado que exista um contrato de comparticipação respeitante ao Mavenclad ® nunca impossibilitaria a qualificação deste medicamento como comparticipado, visto que nada na lei exige nem pressupõe que o estatuto de comparticipado dependa da celebração de um contrato com essa finalidade – conforme evidenciado pelos artigos 16.º, n.os 1 e 2, 19.º, 20.º, ou 22.º, n. os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 97/2015 ou 8.º, n.º 1 e 2, da Portaria n.º 195-A/2015.

    18. É incorreta a ideia do Tribunal recorrido segundo a qual, para o que aqui releva, “a comparticipação só exist[iria] designada como comparticipação por causa da classificação quanto à dispensa (…)”, porquanto a mesma padece de uma confusão entre planos totalmente distintos: o da classificação dos medicamentos quanto à dispensa e o da comparticipação do Estado no preço dos medicamentos.

    19. A letra da lei constitui limite da atividade interpretativa.

    20. Se o legislador quisesse que o regime previsto no artigo 20.º da Portaria n.º 195-C/2015 fosse aplicável aos medicamentos comparticipados por regimes excecionais, teria naturalmente feito essa previsão, bastando-lhe acrescentar a expressão “pelo regime geral” a seguir à expressão “não comparticipados” que consta naquele artigo.

    21. O legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, ao restringir o âmbito de aplicação do artigo 20.º da Portaria n.º 195-C/2015 aos medicamentos sujeitos a receita médica não comparticipados.

    22. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo assenta numa errada interpretação do regime legal vigente, em especial do artigo 20.º da Portaria n.º 195-C/2015 e dos regimes de comparticipação, o que redunda num erro de julgamento e na ilegalidade da decisão recorrida, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que anule o ato impugnado.

    23. As aqui Recorrentes têm direito a não ver o preço do Mavenclad ® alterado no futuro com motivação semelhante à do ato impugnado, ou a que o Infarmed não pode voltar a determinar, no futuro, a revisão do preço do Mavenclad ® com o referido fundamento, devendo ser condenado a abster-se da prática de novos atos administrativos de revisão de preços do Mavenclad®, ao abrigo do regime da revisão anual de preços, atualmente previsto no Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho, e na Portaria n.º 195-C/2015, de 30 de junho (nomeadamente no seu artigo 20.º).

    24. A situação em presença é, precisamente, uma das que, nos termos da lei, reclama a condenação do Infarmed nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c), do CPTA, dado que a mobilização da ação administrativa contra eventuais atos que vierem a ser praticados em anos vindouros, se evidencia, na expressão de VIEIRA DE ANDRADE (in A Justiça Administrativa – Lições, 17.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 227), inadequada ou insuficiente.

    25. É assim porque, incorrendo o Infarmed em idênticas ilegalidades às que se encontram a ser sindicadas nestes autos, muito dificilmente o sistema de justiça consegue, em tempo útil, dar uma resposta (definitiva) às ilegalidades assim cometidas, tendo em conta que o procedimento adotado pelo Infarmed é efetuado com uma base anual.».

    26. O Recorrido contra-alegou o seguinte: «(...) 4.ª Relativamente ao medicamento Mavenclad, foi celebrado um contrato de avaliação prévia no dia 17.05.2018, no qual foram fixados os preços máximos de aquisição, de acordo com as regras previstas no procedimento de avaliação prévia, conforme consta dos n.ºs 3 e 3 da Cláusula Primeira do referido contrato.

      1. Desta forma, a revisão anual de preços do medicamento Mavenclad, sendo um medicamento sujeito a receita médica restrita para uso exclusivo hospitalar só pode ocorrer nos termos previstos no artigo 20.º da Portaria 195-C/2015, na sua atual redação.

      2. Isto porque, o regime constante do artigo 20.º da Portaria 195-C/2015, refere que, todos os medicamentos adquiridos por entidades e / ou serviços do SNS estão sujeitos a preço máximo e a revisão anual, desde que sejam não comparticipados e independentemente de serem ou não de uso...

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