Acórdão nº 0851/10.8BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A………… - identificado nos autos - interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], com data de 03.04.2020, que negou provimento ao «recurso de apelação» que ele interpôs da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [TAF], de 09.11.2017, que julgou improcedente a ação administrativa comum, sob forma ordinária, em que pediu a condenação do INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL [IEFP] a pagar-lhe uma indemnização global de montante superior a 241.887,93€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, e vencidos desde a data do acidente ou, subsidiariamente, desde a data da citação.

Culmina as suas alegações de revista formulando as seguintes conclusões: 1- O autor, na sua petição inicial, veio pedir que o réu IEFP fosse condenado a: a) pagar-lhe indemnização correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, que articulou na petição inicial, em montante superior a 241.887,93€; b) pagar-lhe os juros correspondentes à respectiva indemnização, à taxa legal, a contar da data do acidente ou, subsidiariamente, a contar da data da citação; c) pagar as custas bem como procuradoria condigna; 2- Na, aliás douta, sentença do tribunal de 1ª instância, foi determinado: «Posto isto, e voltando ao que se referiu, é ao próprio autor que cabe a alegação e a prova dos factos constitutivos enumerados no artigo 483º do CC - facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Lendo, com toda a atenção, a petição inicial, e analisando o que nela está vertido, permite-nos, sem hesitação, dizer que a mesma não tem a virtualidade de responsabilizar o réu, seja a que título for, pois, não estão alegados factos que permitam a procedência do pedido, quer com base em responsabilidade contratual, quer com base em responsabilidade delitual.

É que é imperiosa a alegação e a prova dos factos [de todos os factos] integradores dos elementos constitutivos [exceção feita, como salientado, à culpa, no que tange à responsabilidade contratual].

Atento o exposto falecem os pressupostos da responsabilidade civil contratual em que o autor baseia a sua pretensão indemnizatória, já que não se verifica a existência de um acto ilícito, não podendo a ação proceder.

Por outro lado, também não alegou factos para integrar os pressupostos que poderiam conduzir a uma condenação pela responsabilidade civil extracontratual.

Terá pois de soçobrar a pretensão do autor».

E assim foi elaborada a «Decisão: Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo improcedente a presente ação e, em consequência, absolvo o réu dos pedidos»; 3- Interpôs o autor o necessário recurso de apelação, em que recorreu não só da decisão sobre a matéria de facto, como também da matéria de direito: a) No que diz respeito à matéria de facto pugnou para que: [i] Fossem retirados dos factos não provados os factos nºs 1, 2 e 3; e [ii] Fossem acrescidos como factos provados os cuja matéria designou por nºs 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37; b) No que respeita à matéria de direito, esclareceu o autor que foram alegados e provados todos os factos que conduzem à responsabilização civil do réu pelo pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente de 03.05.2001 [esclarecendo que do mesmo acidente «já havia recebido» a quantia de 12.469,95€]; 4- E terminou o seu requerimento de recurso e alegações pedindo a revogação da referida sentença, e a substituição por douto acórdão que contemplasse as suas conclusões; 5- Pelo TCAN foi elaborado acórdão transcrevendo todas as principais considerações da sentença de 1ª instância; 6- Na medida em que as transcreve, e afirma que se mantém «a sentença recorrida na ordem jurídica acrescida da fundamentação acima expendida», integra tal texto no acórdão em apreço; 7- Mas tal sentença contém [o que o acórdão passa a conter] considerações decisórias como as seguintes: - Em perfeita obediência a este normativo, a cláusula 7ª, nº 2, alínea d), do contrato firmado entre autor e Colégio prevê e consagra este «direito ao seguro»; - Sem dúvida alguma que o seguro foi feito pelo ora réu, em cumprimento não só do que ficou clausulado entre as partes, mas também do respeito pela exigência legal referida [e também do artigo 35º, nº1, alínea l) do referido diploma]; - O que a lei exige é que o seguro cubra os riscos e eventualidades sofridas nas atividades de formação, portanto, a existência do seguro afasta qualquer hipótese de ilícito por incumprimento contratual, facto que, por si só, é motivo de isenção de responsabilidade; - Se em termos de responsabilidade contratual temos por suficiente o exposto para, definitivamente, afastar o réu de qualquer obrigação indemnizatória perante o autor, mais fácil se torna evidenciar que ele a nada está obrigado, na base do instituto da responsabilidade civil extracontratual; - Pois no âmbito da responsabilidade delitual, exceção feita a casos pontuais [casos previstos nos artigos 491º e 493º, nº1, do Código Civil] é ao próprio autor que cabe a alegação e prova dos factos constitutivos enumerados no artigo 483º, incluindo a culpa [artigo 487º, nº1]; 8- Acontece, na realidade, que a lei [no caso concreto] «exige é que o seguro cubra os riscos e as eventualidades sofridas nas atividades da formação»; 9- Só que não é qualquer contrato de seguro que cobre os riscos e eventualidades sofridas nas atividades de formação; 10- E o contrato de seguro dos autos [perfeita e especificadamente invocado na petição inicial] não cobre [como não cobriu] os riscos e as eventualidades sofridas pelo autor; 11- E devia cobrir. E é exatamente esta consideração decisória [a de que qualquer contrato de seguro serve para dar cumprimento à obrigação do réu] que deixa passar, sem que o assinale, a ilicitude do comportamento do IEFP; 12- Esta é uma questão de relevância jurídica que reveste importância fundamental para que se alcance uma boa administração da justiça; 13- O recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto e requereu o acrescento ao complexo de «factos provados» dos seguintes: 32- A ocorrência do acidente em apreço determinou uma profunda modificação na qualidade de vida do autor pois que passou a ser um homem triste, desgostoso, zangado com a vida, assustado, medroso e revoltado com a sua sorte, tendo [o acidente] levado uma parte da alegria de viver do autor; 33- O autor estava quase no termo do curso [o curso era de 36 meses e já tinha cumprido 31 meses] o que lhe permitia facilmente o acesso ao mercado de trabalho, exercendo a profissão de marceneiro/carpinteiro, com um vencimento mensal líquido nunca inferior a 550,00€ [na altura, e de 580,00€, hoje em dia-salário mínimo nacional] e que no mercado de trabalho atingiria em média os 800,00€ mensais [e no tempo de trabalho extra, os 15,00€ por hora]; 34- Para além da perda de visão, as sequelas resultantes para o autor não são compatíveis com o exercício de atividades profissionais que impliquem acuidade visual relevante, já que a principal consequência da perda de visão de um olho consiste na perda de visão estereoscópica e consequente perda da percepção de profundidade; 35- As sequelas descritas não são compatíveis com o exercício da atividade profissional de marceneiro/carpinteiro na sua plenitude, já que [pelo menos] para minimizar os riscos do acidente [face à sua condição após o acidente em apreço] tem de utilizar ferramentas manuais em detrimento das ferramentas eléctricas; não pode trabalhar em andaimes; não pode realizar trabalhos em altura [riscos de queda agravados, entre outras limitações]. O que o coloca em desvantagem definitiva no atual mercado de trabalho; 14- Todos estes factos que devem ser classificados como factos instrumentais [alguns são mesmo identificados com a terminologia que as testemunhas aplicaram], correspondem à realidade ressaltada em audiência de julgamento, e contribuem para que seja encontrada a decisão justa, já que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais; 15- O seu afastamento, por ter sido entendido que improcederam os fundamentos do recurso, dá origem a uma questão jurídica que reveste importância fundamental, já que, também tal afastamento impede a aplicação de lei que é fundamental para que seja contemplado o direito do autor; 16- Afastado por igual motivo [improcedência dos fundamentos do recurso], foi a proposta de acolhimento do «facto 36», a saber: 36- Os elementos disponíveis permitem admitir a existência do nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se excluiu a pré-existência de dano corporal; 17- A matéria de facto constante do «facto 36», proposto, diz respeito à perícia requerida, que nenhum reparo mereceu, e respeita a matéria alegada na petição inicial; tem as características especiais de uma perícia médica feita em instituto público e deverá [já que ninguém a pôs em causa] ser considerada como matéria fáctica aceite e assente” 18- Todas estas propostas de «factos provados» ao serem, os seus fundamentos, julgados improcedentes, levam à apreciação de uma questão de relevância jurídica de importância fundamental pois que: a) Não só se debruça, a apreciação, pela não aplicação do direito vigente [a da alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CPC]; b) Como também põe em causa um dos princípios do atual processo civil, o da recolha de todos os elementos conhecidos, potencialmente capazes de ajudar o julgador na procura da verdade factual [nº 1, e nº 2, do artigo 7º do CPC]; 19- A matéria de facto tratada no proposto «facto...

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