Acórdão nº 55/19.4YHLSB.L1-PICRS de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Data da Resolução06 de Abril de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E SUPERVISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: A…. Lda., vieram intentar a presente ação declarativa de condenação contra os réus (RR.) V…S.A., I ID e outros todos com os sinais dos autos, pedindo que seja: A) o 2º Réu ordenado a entregar às Autoras o(s) algoritmo(s) e/ou o(s) código(s) fonte do sistema que desenvolveu para a 1ª Autora e que permite identificar o orador/interveniente aquando de uma transcrição de voz para texto; B) a 1ª Ré imediatamente proibida de comercializar o sistema AUDIMUS.SERVER; C) ordenada a apreensão imediata de todos os sistemas AUDIMUS.SERVER que estejam na posse de cada um dos Réus, seja em que suporte for, nomeadamente, pela apreensão dos computadores, discos rígidos externos, pen drives, cd-rom’s, dvd’s, disquetes, que contenham esses sistemas, seja pela inutilização ou descarregamento de tal tecnologia que esteja alojada em servidores remotos ou internos; D) ordenada a apreensão imediata de todos os sistemas AUDIMUS.SERVER que estejam na posse dos clientes dos Réus, seja em que suporte for, nomeadamente, pela apreensão de computadores, discos rígidos externos, pen drives, cd-rom’s, dvd’s, disquetes, que contenham esses sistemas, seja pela inutilização ou descarregamento de tal tecnologia que esteja alojada em servidores remotos ou internos; E) cada um dos Réus condenado no pagamento às Autoras, em conjunto, da quantia de 500.000,00 EUR (quinhentos mil euros) a título de indemnização por danos emergentes, a acrescer aos juros legais, contados desde a citação até integral pagamento; e F) cada um dos Réus condenado no pagamento às Autoras, em conjunto, da quantia de 500.000,00 EUR (quinhentos mil euros) a título de indemnização por lucros cessantes, a acrescer aos juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.

….

Para tanto alegam, em síntese, que: A 1ª A., celebrou em 5.01.2009 um ‘contrato de prestação de serviços’ com o 2º R nos termos do qual este se obrigou perante aquela a ‘Realizar integral e pontualmente os serviços que se traduzem na “assistência técnico-científica no âmbito do projeto SI IDT Individual n° 5328 – Desenvolvimento de um Sistema para captura/tratamento e transcrição da fala automática para reuniões, atendimento público e para a fiscalização”.

Tratava-se de inovações trazidas ao projeto e de acordo com as mesmas ficaria imediatamente disponível na aplicação criada para o efeito, designada por Software de Gestão de Atas (doravante ‘SGA’).

O SGA seria o programa informático/plataforma acessível online a qualquer momento e em qualquer lugar para todas as pessoas com acesso autorizado, onde teriam acesso às atas transcritas e tratadas, assim como à informação de gestão da reunião e a outras funcionalidades relacionadas com as atas, tais como o acesso a todas as fases da reunião, desde a sua preparação, a própria reunião, a votação, a produção da ata, a assinatura da ata e ainda a consulta em qualquer momento e em qualquer lugar dos elementos respeitante à reunião bastando para o efeito acesso à internet..

A 1ª A. criou e desenvolveu o SGA sem a colaboração do 2º R No referido contrato estipulou-se que os direitos de propriedade intelectual relativos ao desenvolvimento a efetuar pelo 2º R e os produtos finais decorrentes do contrato são titularidade da 1ª A.. Que o 2º R. se reserva o direito de fazer uso das aplicações e tecnologias desenvolvidas no âmbito do projeto, na sua forma original ou modificada, desde que não concorra com as áreas geográficas e de atividade da 1ª A., e que a execução dos trabalhos por parte do 2º R. seria realizada por um equipa técnica sob a responsabilidade do 3° R, Prof. JN....

A 1ª A. é a promotora e a autora do projeto candidato, foi quem escreveu o código-fonte da respetiva aplicação SGA e surge nesta referenciada como sua autora, passando a colaboração do 2º R. com aquela pelo desenvolvimento do algoritmo que permitiria identificar o orador aquando de uma transcrição de voz para texto.

A 1ª A. cedeu todos os direitos de comercialização e de promoção do SGA à 2ª A., com a qual forma um grupo comercial dominado pela 2ª A., que detém 90% do capital da 1ª A..

Este projeto foi candidato a incentivos do QREN e com exceção dos incentivos recebidos do QREN, foi suportado integralmente pela 1ª A., que pagou ao 2º R. a quantia acordada de € 35.000,00, acrescida de IVA; Por indicação da 2ª R., os contactos a estabelecer passaram a ser efetuados junto do ‘suporte técnico’ da 1ª R. limitando-se o R. a ir fornecendo à 1ª A. vários ‘executáveis/apps’, sem os respetivos códigos-fonte, para a 1ª A. ir introduzindo no SGA que lhe permitissem efetuar uma simples transcrição de voz para texto, sem que esses ‘executáveis/apps’ identificassem, por exemplo, o orador.

Em 14.02.2017, através das notícias publicadas no site da 1ª R., e a 23.06.2017 através da newsletter digital no site da 1ª R., as AA. tiveram conhecimento de que aquela comercializava em Portugal o sistema de transcrição de voz para texto para atas de reuniões, ao qual designa de AUDIMUS.SERVER, o qual efetua a identificação do interveniente/orador que está a falar, tal como o sistema que a 1ª A. se propôs desenvolver no âmbito do projeto a que se candidatou.

A 1ª R. utiliza tecnologia que deveria pertencer à 1ª A., sem que as AA. a tivessem autorizado a comercializar a tecnologia desenvolvida para esta, e sem ter efetuado qualquer pagamento às AA. como contrapartida pela utilização e comercialização do sistema que a 1ª A. pagou para ser desenvolvido e que lhe pertence.

As diversas câmaras municipais e outras entidades com as quais a 2ª A. concorreu para fornecimento do sistema de tratamento da transcrição de voz para texto em atas de reuniões optaram pelo sistema AUDIMUS.SERVER da 1ª R., devido a cuja comercialização o 2º R. perdeu cota de mercado e diminuiu as suas receitas.

… A 1ª R. está a desviar clientela da 2ª A. para proveito próprio de uma forma desleal e danosa, com recurso a tecnologia que foi desenvolvida e pertence à 1ª A., deixando a 2ª A. de celebrar negócios que representariam, no mínimo, um valor de € 500.000,00.

As AA. interpelaram a 1ª e o 2º RR. para cessarem a comercialização de produtos que utilizassem a tecnologia de tratamento e identificação de voz nas transcrições de voz para texto (doc. 25), não tendo a 1ª R. respondido.

A 1ª R. passou a comercializar um produto – sistema AUDIMUS.SERVER – que utiliza tecnologia desenvolvida pelo 2º R. para a 1ª A. no âmbito do contrato celebrado entre estes para o projeto de financiamento aprovado pelo QREN em violação grave da propriedade intelectual da 1ª A. e dos direitos de exploração económica da 2ª A., traduzindo-se ainda na prática de concorrência desleal e de crime, este, nos termos do artigo 14° do DL 252/94 e dos artigos 195° e 196° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).

A 2ª A. e a 1ª R. participam em diversos concursos para fornecimento de tecnologia para as assembleias gerais, como por exemplo, as câmaras municipais de Portugal e de Espanha, mas devido ao preço inferior praticado por esta, fruto da sua prática desonesta, as entidades têm preferido, obviamente, o sistema mais barato da 1ª R..

O 2º R. é sócio e gerente da 1ª R. e trabalhador/colaborador do 2º R sabe que a tecnologia de identificação do orador numa transcrição de voz para texto pertence à 1ª A., mas não assegurou a confidencialidade dos resultados obtidos, transmitindo-a à 1ª R., permitindo que o 3° R. levasse consigo ou transmitisse a terceiros a dita tecnologia, devendo ser condenada a indemnizar as AA. na quantia de € 500.000,00 a título de danos emergentes e outro tanto de lucros cessantes.

O 3º R. teve e tem a intenção de prejudicar as AA. pela utilização e transmissão de informações e resultados confidenciais como a tecnologia das AA. do 2º para a 1ª R., devendo ser condenado a indemnizar as AA. na quantia de € 500.000,00 a título de danos emergentes e outro tanto de lucros cessantes; Os RR contestaram os fundamentos da causa Sustentaram que o 2º R. se limitou a adaptar o AUDIMUS.SERVER à plataforma informática criada e desenvolvida pela 1ª A..

O sistema AUDIMUS.SERVER, do qual foi cedida (apenas) uma licença única de utilização à 1ª A., continha já em si todas as funcionalidades que podiam ser aproveitadas pela 1ª A, ao integrá-lo no seu próprio sistema.

Entre a 1ª R e as AA. nunca houve, nem há qualquer tipo de relação contratual.

Foi sobre o AUDIMUS, criado pelo 2º R., que a 1ª R. desenvolveu o AUDIMUS.SERVER, que já existia e era comercializado antes do projeto com a 1ª A., já sendo utilizado pela RTP.

O sistema integrado, concebido e desenvolvido pelas AA. e objeto do projeto candidato ao licenciamento do QREN é propriedade das AA., mas tal propriedade não se estende à tecnologia de processamento da fala AUDIMUS.SERVER que lhe foi licenciada pela 1ª R., gratuitamente e para uso exclusivo da 1ª A., que já existia em data anterior à celebração do contrato de prestação de serviços junto aos autos.

A sentença declarou assentes os seguintes factos: 1. A 1ª A., Lda., é uma sociedade comercial constituída em 9.04.1997 que se dedica à atividade de conceção, desenvolvimento e comercialização de software e respetivos serviços de implementação e consultoria, cujo capital é detido a 90% pela 2ª A., Ano – Sistemas de Informática e Serviços, Lda..

  1. A 1ª R., V. S.A., é uma sociedade comercial constituída em 8.05.2008 que se dedica à atividade de ‘conceção, desenvolvimento, produção, comercialização, representação, importação, exportação e distribuição de equipamentos, software e propriedade intelectual na área dos sistemas de processamento da fala.

  2. O 2º R., … é uma pessoa coletiva de utilidade pública que se dedica designadamente ao ‘exercício da atividade de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e, acessoriamente, a prestação de serviços nas áreas das tecnologias de informação...

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