Acórdão nº 1970/20.8TXLSB-B.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Abril de 2021

Data08 Abril 2021
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – No proc.º n.º 871/070TSFUN, do Juízo Local Criminal do Funchal, Juiz 1, por sentença, transitada em julgado em 30/05/2018, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de cheque sem provisão, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob a condição de indemnização à demandante civil no montante fixado, pena que foi revogada por despacho de 09/07/2020, o qual transitou em julgado em 30/09/2020.

Em 01/12/2020 o arguido entrou em cumprimento de pena, situação em que se encontra actualmente.

Em 09/12/2020 requereu o arguido junto do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, a aplicação da Lei n.° 9/2020, de 10 de Abril, pretendendo ver-lhe perdoada a pena em que foi condenado, tendo o pedido sido indeferido por despacho de 4.1.2021 da Sra. Juiz do TEP (Juiz 4).

II – Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

  1. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu o pedido de aplicação do perdão de pena, previsto na Lei 9/2020 de 20.04 e consequente restituição do recorrente à liberdade.

  2. Constituiu singelo fundamento da decisão recorrida a asserção de que...uma vez que o despacho que tornou exequível a pena de prisão subsidiaria transitou em julgado em 30.09.2020, ou seja, após a entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10-04 (cfr. Art. ° 2.°, n. ° 7, al. b) da citada lei 9/2020)." c) Porém, enquadrando a questão, devemos ter por certo que "O perdão previsto no art. 2.° da lei n.° 9/2020, de 10-04, verificados que sejam os demais requisitos legais, deve ser aplicado não só a condenados que estejam em reclusão à data da entrada em vigor daquele diploma (11-04-2020), mas também a condenados que, no decurso da vigência da mesma Lei, venham a ficar naquela situação." - inter alia os Acs. RP de 25.11.2020, 21.10.2020, 28.10.2020 e da RC de 16.12.2020, 28.10.2020, 07.10.2020, 30.09.2020, todos in www.dgsi.pt ) d) S.d.r., nenhuma razão assiste ao tribunal a quo, já que como decorre do artigo 2.°/1 da Lei 9/2020 de 11.04, o que tem de estar transitado em julgado é a decisão condenatória e não o despacho que ordena o cumprimento da pena! e) O recorrente está preso porque na decisão de 04.12.2020 e que determinou o cumprimento da pena, decidiu-se que a sentença condenatória transitou no dia 30.05.2018! f) Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. - Artigo 204. ° da Constituição.

  3. O legislador, em 29 de maio de 2020, veio afirmar que a Lei n.º 9/2020, se mantinha em vigor." - Ac. da RC de 28.10.2020, processo 10/18 in www.dgsi.pt.

  4. "Perante uma situação de reclusão, posterior à data de entrada em vigor da Lei 9/2020, mas no decurso da sua vigência, deve a pena do recluso ser objeto de apreciação por parte do tribunal de execução de penas para aferir da aplicabilidade do perdão." - Ac. da RP de 28.10.2020, processo 262/16 in www.dgsi.pt .

  5. Ao não aplicar o referido perdão a quem ainda não era recluso à data da publicação da referida lei, ou a quem, como no caso sub judice, não se mostrasse proferido e transitado naquela altura o despacho que ordena o cumprimento da pena prisão efetiva, viola-se intencionalmente o constitucionalmente proclamado direito de igualdade.

  6. Deste modo, visando a lei 9/2020 de 11.04, evitar a disseminação da doença da COVID 19 no meio prisional e consequentemente proteger a saúde dos reclusos e demais agentes do meio prisional, apodítico é que direito à vida e à saúde do recorrente, como o de qualquer outro cidadão, não vale menos do que o de quem era recluso à data da publicação da referida lei! k) A interpretação da norma pelo tribunal a quo, faz subverter a ratio da lei, na medida em que com a finalidade de proteger o direito à vida e saúde de quem já era recluso não se alivia momentaneamente os números da população prisional para, em ato contínuo, voltar a sobrelotar as cadeias, ali colocando quem não era recluso e que se o fosse - só por essa circunstância - já seria merecedor da "medida de clemência".

    1) A norma constante no artigo 2.º/7 da Lei 9/2020 de 10.04 é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade constante no artigo 13.° da Constituição, na parte em que restringe a concessão do perdão aos condenados em cumprimento de pena à da entrada em vigor da referida lei.

  7. É também inconstitucional, por violar o artigo 29.º/4 da Constituição, a norma constante no artigo 2.°/1 da Lei 9/2020 de 10.04, na interpretação de que para efeitos de aplicação do perdão ali previsto, o trânsito em julgado se conta não a contar do trânsito da decisão condenatória, mas da data do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da pena e ordena o cumprimento da mesma.

  8. O perdão genérico de penas não é uma medida de clemência, mas antes, uma medida de caráter pragmático e que consistiu no uso uma técnica legislativa (que à face dos institutos vigentes [amnistia, perdão genérico ou indulto] se apresentou como a mais adequada) que visa proteger a vida e a saúde de quem vive ou venha a viver no meio prisional durante a situação de pandemia, o) Destarte, não se apresenta materialmente justificada, do ponto de vista constitucional e dos princípios estruturantes do Estado de Direito a distinção de que só abrange as situações existentes à data da publicação da referida lei.

  9. Como bem sublinhado por eminentes constitucionalistas importa salientar ainda que neste caso concreto «A inconstitucionalidade radica não na concessão do perdão de penas a uns, mas na não concessão do mesmo perdão de penas a outros.» Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in ob. cit., pág. 344 Nestes termos e nos melhores de direito, E sempre com a mui douto suprimento de vossas excelências, venerandos juízes desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente...

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