Acórdão nº 178/21 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução06 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 178/2021

Processo n.º 503/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. O A., SAD (o ora recorrente) impugnou no Tribunal Central Administrativo Sul (aí originando o processo n.º 48/19.1BCLSB) o acórdão de 04/02/2019 do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante, TAD), proferido no processo n.º 74/2017, que: (i) confirmou parcialmente a decisão da Federação Portuguesa de Futebol, condenando o recorrente no pagamento de sanção disciplinar no valor €2.103,00; (ii) fixou as custas em €4.150,00, acrescidos de IVA, imputando-as ao recorrente em 93,22% desse valor. No recurso, suscitou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, n.os 1 e 5, conjugado com a tabela constante do anexo I, 2.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, em articulação com os artigos 76.º, n.os 1, 2 e 3, e 77.º, n.os 4, 5 e 6, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro).

1.1. Por acórdão de 23/05/2019, o Tribunal Central Administrativo Sul concedeu provimento ao recurso, anulando o ato de aplicação da sanção disciplinar.

1.1.1. Recorreu então a Federação Portuguesa de Futebol para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Por sua vez, o A., SAD ofereceu contra-alegações e interpôs recurso subordinado. No recurso subordinado suscitou, novamente, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, n.os 1 e 5, conjugado com a tabela constante do anexo I, 2.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, em articulação com os artigos 76.º, n.os 1, 2 e 3, e 77.º, n.os 4, 5 e 6, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro).

1.1.2. Por acórdão de 12/12/2019, o STA julgou procedente o recurso da Federação Portuguesa de Futebol e, no mais, determinou a remessa do processo ao Tribunal Central Administrativo Sul, para aí ser apreciada a questão da validade de fixação das custas pelo TAD.

1.1.3. No Tribunal Central Administrativo Sul foi proferido acórdão, datado de 16/01/2020, pelo qual se decidiu julgar o recurso parcialmente procedente, “[…] fixando o valor da causa em €2.256,00 e declarar a improcedência do pedido de desaplicação das normas sobre custas arbitrais”. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

A Recorrente insurge-se contra o montante de custas processuais fixado no acórdão do TAD (€4.150,00, mais IVA, a pagar pela Recorrente no montante correspondente a 93,22% desse valor), alegando que são manifestamente excessivas face ao valor da sanção disciplinar aplicada pela deliberação que impugnou (€2.256,00) e defende que as normas que constam do art. 2.º, n.os 1 e 5, e respetiva tabela (Anexo I, 2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, conjugadas com as normas dos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, devem ser desaplicadas (art.º 204.º da C RP) por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP).

Entende-se, no seguimento da doutrina vertida no acórdão STA n.º 033/18.0BCLSB, de 21.02.2019, nos acórdãos do TCAS proferidos em 22/08/2019, proc. n.º 96/19.1BCLSB; 07/11/2019, proc. n.º 2/19.3BCLSB; 10/12/2019, processos n.os 4/19.0BCLSB, 133/19.0BCLSB e 143/17.1BCLSB, acessíveis em www.dgsi.pt e do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 543/2019, de 16/10/2019, que não se verificam as apontadas inconstitucionalidades.

Escreveu-se no último dos apontados acórdãos que:

‘2.5. (…) Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita, mas uma justiça economicamente acessível à generalidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um centro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13).

(…) a transferência de competências jurisdicionais dos tribunais administrativos para o TAD, na matéria em apreço (cfr. artigos 4.º e 5.º da respetiva lei), redundou num encarecimento dos valores cobrados pelo serviço público de justiça prestado em processos de valor igual ou inferior a €30.000,00.

E efetivamente assim é, como decorre da comparação do montante global fixado na primeira linha da tabela constante do Anexo I da Portaria n.º 301/2015 (€3.325,00) e o montante máximo da taxa de justiça fixado na tabela I do RCP para a generalidade dos processos judiciais de valor não superior a €30.000,00 (cinco unidades de conta, que equivale a €510,00), situando-se a diferença em cerca de seis vezes mais o valor das custas dos processos arbitrais necessários (€510,00 x 6 = €3060,00).

Sucede que, como se antecipou no ponto anterior, há razões constitucionalmente aceitáveis para essa diferença de valores, que se prendem com a natureza privada do TAD – que tem nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento (artigo 1.º, n.º 3, da Lei do TAD) –, o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral, e as próprias características do serviço de justiça prestado pelo TAD.

(…)

Conforme é referido no Acórdão n.º 155/2017, «[p]ara que se possa considerar existir uma clara desproporção que afeta o caráter sinalagmático de um tributo não se pode atender apenas ao caráter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço (acórdãos n.ºs. 640/95 e 1140/96); ela há de igualmente ser aferida em função de outros fatores, designadamente da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo (cfr. acórdãos n.ºs. 1140/96; 115/02 e 349/02).»

(…) não se deve ignorar a especificidade da justiça arbitral (necessária) face à justiça estadual, nem a especificidade do tipo de litígios integrados na competência necessária do TAD face à generalidade dos demais litígios carecidos de resolução jurisdicional, sendo necessariamente diferentes as variáveis de ponderação que o legislador deve atender na fixação do valor das custas de processos que genericamente envolvem federações desportivas, ligas profissionais e clubes desportivos, e são decididos por uma entidade que, tendo natureza jurisdicional, não é pública, nem financiada pelo Estado, e tem a seu cargo custos próprios permanentes que decorrem da sua específica estrutura arbitral de funcionamento.

Neste enquadramento, não se afigura constitucionalmente censurável a fixação de um valor mínimo de custas processuais que reflita a maior capacidade económica presumida dos potenciais litigantes e permita cobrir os custos específicos mais elevados do serviço de justiça prestado pelos tribunais arbitrais, como sucede com o valor concretamente fixado na primeira linha da tabela anexa à Portaria n.º 301/2015 (€3325,00).

Os eventuais excessos que o sistema de custas processuais legalmente estabelecido possa comportar, por força da amplitude do primeiro escalão tributário, devem ser sinalizados caso a caso em função do concreto valor processual da causa e do concreto valor das custas processuais cobradas. Esta tem sido, aliás, a perspetiva de análise que o Tribunal Constitucional tem adotado no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas que fixam o montante das custas processuais exclusivamente em função do valor da causa, sindicando à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, não o critério em si, mas o resultado tributário concreto a que a sua aplicação conduziu no processo que deu origem ao recurso de constitucionalidade.

Como expressivamente se afirma no Acórdão n.º 301/2009, «estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projeção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado».’

Tal doutrina tem aqui plena aplicação, pelo que se entende que não há que desaplicar as referidas normas com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade.

Há, assim, que manter o decidido pelo acórdão recorrido em matéria de custas arbitrais.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.4. Desta decisão pretendeu recorrer o A., SAD para o STA, que, por acórdão de 07/05/2020, não admitiu a revista.

1.2. O A., SAD interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes:

“[…]

1. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.

2. O recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 16 de janeiro de 2020, proferido nos presentes autos, o qual aplica...

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