Acórdão nº 00395/09.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório O Estado Português e o Instituto Nacional de Emergência Médica, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada por M.

e a sua cônjuge M.

, na qual estes peticionaram, designadamente, a atribuição de uma indemnização de 100.000€, decorrente da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, na sequência dos danos verificados na assistência facultada à autora no dia 20.02.2007 no âmbito de um parto, inconformados com a Sentença proferida em 29 de julho de 2020, no TAF de Mirandela, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido condenado o Estado Português e o INEM no pagamento de indemnização de 50.000€ acrescida de juros, vieram, separadamente, recorrer para esta Instância.

Formulou o aqui Recorrente/Estado Português nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões: “1-Não é suscetível de se constituir em desvalor-objetivo jurídico-civil, fundamento de responsabilidade, a ilicitude meramente formal, sem pertinência material com o bem-jurídico tutelado; 2-A ilicitude formal é insuscetível de fundar um juízo de causalidade adequada; 3-A atuação imprudente, autónoma e independente, de pessoas físicas e jurídicas criadora do risco de lesão do bem-jurídico violado constitui-se em pressuposto de “interrupção do nexo causal” se tal atuação não é ainda de imputar ao pretenso agente lesante; 4-Tal atuação não é de imputar, no caso, ao Estado (Administração-Direta), porque o evento danoso provocado seria igualmente produzido com muito alta probabilidade mesmo no caso de aquele ter promovido a criação de um diverso sistema de transporte de parturientes.

5-Violou a douta sentença recorrida as disposições dos arts. , e 10º da L-67/2007, de 31/12, e 483º e 563º do Código Civil.

Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência Alterada a decisão proferida, sendo substituída por outra absolva o co-Réu Estado em conformidade.” Formulou o aqui Recorrente/INEM nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões: “I. Com o devido respeito, consideramos incorretamente julgado os pontos 30 e 31 dos factos provados e o ponto 2 dos factos não provados, como se passa a demonstrar: II. A Autora estava na sua residência quando detetou a rutura das águas e (nas suas próprias palavras) a saída de uma tripa, como bem relatam as testemunhas M. (mãe da Autora) nos minutos 03:30:30 a 03:30:40 e M. entre os minutos 01:30:33 a 01:30:56, 03:37:05 a 03:40:08 e pela testemunha C. (irmã da Autora) entre os minutos 03:08:40 a 03:12:33 e durante a acareação entre os minutos 03:43:47 a 03:47:48, todos da primeira sessão de julgamento.

  1. O Réu H. explica bem entre os minutos 00:30:14 e 00:30:50, 00:32:08 a 00:32:12 e 00:49:00 a 00:51:27 do registo áudio da primeira sessão de julgamento que o prolapso do cordão é uma situação de emergência obstétrica máxima que obriga a que não podem passar mais de 5 (cinco) minutos entre o momento em que o cordão sai e a retirada do bebê com recurso à cesariana, sob pena de consequências físicas e neurológicas para a criança e ainda, no mesmo sentido a testemunha O. entre os minutos 00:55:00 a 00:55:10 e 01:05:30 a 01:05:45 do registo áudio da segunda sessão de julgamento.

  2. A caminhada realizada pela autora naquele estado de prolapso do cordão umbilical entre a sua casa e a casa da sua irmã era já adequado e suficiente para intensificar a interrupção do fluxo sanguíneo do cordão umbilical e com isso interromper o fornecimento de oxigénio ao bebé.

  3. A simples caminhada pela autora nestas condições de prolapso do cordão umbilical não pode ser desvalorizada, como o foi efetivamente por o tribunal a quo.

  4. Acresce a isto que a autora e quem com ela se encontrava naquele momento, apesar de ter consciência que a situação não era normal, optou por contactar diretamente a corporação de bombeiros voluntários - Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Resende, conforme ponto 18 dos factos provados da sentença recorrida.

  5. A autora tinha a possibilidade de contactar diretamente o 112 e relatar a situação de urgência para assim conseguir o envio de meio diferenciado de prestação de socorro, mas, em vez disso, foi realizado o contacto com a corporação de bombeiros.

  6. Ao agirem desta forma excluíram a triagem, aconselhamento, seleção e envio de meios de socorro pelo INEM.

  7. Ora os autores não lograram provar, como lhe competia, que nessa chamada informaram a telefonista dos Bombeiros Voluntários de Resende da saída do cordão umbilical.

  8. Conforme resulta do documento 2 junto com a Contestação do INEM, os Bombeiros de Resende contactaram o CODU apenas e tão só para informar a saída da viatura/ambulância.

  9. Decorridos nove minutos do primeiro contacto dos Bombeiros Voluntários de Resende para o CODU é que é realizada nova chamada a pedir o envio da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER), cfr documento 2 da Contestação do INEM.

  10. Por força desta cronologia é forçoso concluir que apenas foi solicitada a intervenção do INEM quando já se tinham esgotado seguramente mais de 14/15 minutos após o prolapso do cordão umbilical, apurados da seguinte forma considerando tempos mínimos de cada ação relatada pelas testemunhas e prova documental apresentada: - 1/2 minuto - perceção da rutura das águas e prolapso do cordão; - 1/2 minuto - caminhada da autora até à casa da sua irmã; - 2 minuto - explicação da situação da autora à irmã e procura do número do quartel de bombeiros; - 2 minuto - chamada para cooperação de Bombeiros de Resende; - 9 minutos - intervalo entre a primeira chamada da corporação de Bombeiro de Resende realizada para o CODU a informar a saída da viatura e a segunda chamada dirigida ao CODU a pedir o envio da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER).

  11. Ora recordando as declarações do Réu H. (que foram valoradas pelo Tribunal a quo) o tempo máximo recomendável para retirar o bebé é de 5 (cinco) minutos, pelo que, quando foram reportadas ao INEM complicações no parto e pedido o envio da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) esses cinco minutos já se encontrava seguramente ultrapassados; alias já se encontrava consumo o triplo do tempo recomendável para retirar o bebé e assim tentar evitar lesões graves no bebé XIV. Conforme resulta dos pontos 33 e 34 dos factos provados “As situações de prolapso do cordão umbilical são raras mas especialmente urgentes, sendo relevante a realização de uma cesariana o mais depressa possível e a demora de intervenção provoca consequências irreversíveis” por isso os 15 minutos em que o INEM foi, no mínimo, excluído da triagem, aconselhamento, seleção e envio de meios de socorro diferenciado por iniciativa da própria autora não podem ser desconsiderados, como o fez o tribunal a quo.

  12. Na primeira chamada dos Bombeiros Voluntários de Resende é comunicada a saída da ambulância, não tendo sido relatada qualquer situação de complicações no trabalho de parto; na segunda chamada é solicitado o envio de Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) sem que fosse relatado o prolapso do cordão ou nas palavras da Autora “a saída de uma tripa”.

  13. Aquando desse primeiro contacto entre a equipa da VMER e a tripulação da ambulância onde seguia a parturiente, a médica M. apura duas informações: (i) a ambulância já tinha percorrido 25 Km em direção ao Hospital de Vila Real e (ii) o prolapso do cordão umbilical, tudo conforme folha 18 do documento 10 junto com a petição inicial.

  14. Em face do exposto se se perderam mais de 14/15 minutos preciosos na prestação de socorro (porque é nos 5 minutos após o prolapso que deve ser retirado o bebé), nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao INEM.

  15. Numa situação de emergência como a dos presentes autos o consumo de 14/15 minutos sem que fosse solicitada a intervenção do INEM não podem ser desconsiderados, como o fez o Tribunal a quo na sentença recorrida.

  16. Ora se atendermos que o tempo recomendável para retirar o bebé com recurso a cesariana a contar do prolapso do cordão é, no limite, 5 minutos e a intervenção do INEM apenas foi solicitada quando se encontravam consumidos seguramente, no mínimo, 14/15 minutos depois do prolapso (o que representa o triplo do tempo recomendável para extração do bebé) e não tendo sido feita prova pelos Autores que a hipoxia fetal apenas ocorreu após esses 15 minutos (momento em foi solicitada a intervenção do INEM) ou sequer que aquela se agravou após esse momento, então o INEM não pode ser responsabilizado, desde logo porque se afigura altamente provável que mesmo que tivesse havido um transporte supersónico não seria evitado o desfecho trágico, neste sentido revelam-se deveras esclarecedoras as palavras da testemunha O. registadas entre os minutos 01:18:00 a 01:19:20.

  17. Acresce que fundamenta o tribunal a quo a sua decisão no facto (i) da médica de compunha a equipa da VMER não ter formação adequada para prestar cuidados diferentes à vitima e (ii) dessa médica não ter ao seu dispor meios para realizar uma cesariana emergente.

  18. Assim que se abeirou da grávida, a médica da VMER, adotou o tratamento recomendável: fez o posicionamento da parturiente mantendo-a segura para que o cordão prolapso restaurasse o fluxo sanguíneo natural evitando desta forma o corte de oxigénio ao feto e, com isso tentar evitar as potencias consequências físicas e neurológicas até que fosse possível a realização, em ambiente hospitalar, de cesariana emergente, o que aliás resulta das palavras da testemunha M. entre os minutos 01:20:58 a 01:21:08 e da testemunha C. entre os minutos 03:04:05 a 03:04:51 e 03:17:50 a 03:18:40 todos do registo áudio da primeira sessão de julgamento.

  19. Há que recordar que a testemunha O. afirmou de forma genuína e desinteressada que o procedimento adotado pela médica perante o prolapso do cordão umbilical foi o correto e que nada mais era...

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