Acórdão nº 707/20.6BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A... – A..., S.A., (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 20.12.2020 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual por si intentada contra o Ministério do Ambiente e da Acção Climática [DIREÇÃO-GERAL DE ENERGIA E GEOLOGIA (DGEG)], tendo como Contra-Interessadas C... PORTUGAL, S.A., S..., LDA., I... & M..., LDA., K..., S.A., Q..., S.A. e W..., LDA., onde peticionou anulação do acto administrativo de adjudicação, praticado pelo Director-Geral da Direcção-Geral de Energia e Geologia no dia 28.07.2020, no âmbito do procedimento pré-contratual de concurso público para aquisição de serviços de “Reengenharia e Desmaterialização dos serviços da DGEG - Direção Geral de Energia e Geologia, no sentido de implementar uma estratégia de racionalização de estruturas e de fomento de sinergias, quer entre serviços internos à própria DGEG, quer com os seus parceiros externos, cliente particular, e, entidades públicas e privadas” e a condenação na prática do acto administrativo devido, consubstanciado na adjudicação do procedimento pré-contratual em apreço à proposta apresentada pela A., por se tratar da proposta economicamente mais vantajosa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida entendeu que o ato impugnado não padece da invalidade que lhe foi apontada com fundamento, no essencial, na tese de que, não tendo sido previamente fixado um liminar no programa do procedimento, a lei não permite a identificação casuística de propostas de preço anormalmente baixo, nem, em consequência, a exclusão de propostas com tal, independentemente da suficiência e aptidão dos esclarecimentos que hajam sido solicitados e prestados pelo concorrente.

  1. Esse entendimento, que “contamina” todo o processo decisório materializado na douta sentença recorrida, por si só, constitui um obstáculo intransponível à pretensão da Autora, ora recorrente, e conduziu à improcedência da ação mostra-se eivado de erro de julgamento.

  2. A diferença entre o anterior regime e o atual reside, no essencial, no facto de agora não funcionar qualquer limiar supletivo para o preço anormalmente baixo. O que significa que, no caso de a entidade adjudicante optar por não fixar o limiar nas peças do procedimento, poderá, caso o preço de qualquer das propostas se lhe afigure duvidoso ou pouco credível para garantir a boa execução do contrato, solicitar esclarecimentos ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 71.º do CCP.

  3. Mas, evidentemente, quando os esclarecimentos não sejam prestados, ou não sejam considerados suficientes para justificar o preço proposto, é plenamente aplicável a causa de exclusão prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º, conjugada com a 1ª parte do n.º 3 do artigo 71.º, com a consequente e inevitável exclusão da proposta.

  4. Esta é a única interpretação compatível com Diretiva 2014/24/UE, designadamente com o seu artigo 69.º e a jurisprudência do TJUE manifesta não apenas a admissibilidade, mas preferência, pela fixação casuística das propostas anormalmente baixas, após a sua apresentação, exigindo apenas como condição a solicitação prévia de esclarecimentos ao concorrente, antes de ser determinada a exclusão da proposta.

  5. É também a interpretação que recolhe a anuência de toda a doutrina à exceção do autor citado na sentença recorrida, bem como deste Venerando Tribunal Central Administrativo Sul (acórdão de 15-10-2020, tirado no processo n.º 935/19.7BESNT).

  6. Ao entender que “não tendo sido definido nas peças do procedimento o limiar do preço anormalmente baixo, não se considera que pudesse a Entidade Demandada proceder à exclusão da proposta da Contra-Interessada C... com tal fundamento, com base num critério fixado a posteriori e casuisticamente”, a sentença recorrida interpretou erradamente o quadro legal aplicável, incorrendo em violação das disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 2, alínea e) e 71.º, n.º 3 do CCP.

  7. Subjaz ainda à decisão recorrida um outro erro, igualmente relevante para a decisão da causa, consubstanciado na ideia de que o júri do procedimento se limitou a solicitar esclarecimentos sobre a proposta da Contrainteressada ao abrigo da norma geral do artigo 72.º do CCP, não tendo qualificado o preço na mesma contido como anormalmente baixo, nem solicitado os competentes esclarecimentos justificativos ao abrigo do artigo 71.º, n.º 3 do mesmo diploma.

  8. Tal entendimento baseia-se, no entanto, num mero lapso que foi cometido no requerimento de audiência dos interessados da Autora, no qual se fazia referência ao artigo 72.º, quando se impunha peticionar a aplicação dos esclarecimentos previstos no n.º 3 do artigo 71.º 10. Lapso esse que foi, posteriormente, arrastado para a decisão do júri do procedimento que se seguiu.

  9. Em tal decisão solicita-se, contudo, a fundamentação/justificação do preço proposto e não estando em causa qualquer aspeto que carecesse de esclarecimento na formulação do atributo preço contido na proposta da Contrainteressada, não poderia deixar de estar, materialmente, em causa um pedido de esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo, em face das razões apontadas pela Autora no seu requerimento.

  10. Ao pressupor que a entidade adjudicante não aderiu às suspeitas levantadas pela Autora e qualificou o preço apresentado pela Contrainteressada como anormalmente baixo, solicitando os esclarecimentos justificativos sobre o mesmo, a sentença recorrida faz errada interpretação dos factos, que dimanam do conteúdo documental do procedimento, provados sob os n.ºs 8 e 9 do probatório.

  11. Erro que conduziu, também ele, à não aplicação do regime previsto nas disposições conjugadas dos artigos 71.º, n.ºs 3 e 4 e 70.º, n.º 2, alínea e) do CCP, que claramente se impunha, em razão da materialidade resultante do procedimento.

  12. Não tendo a sentença recorrida analisado, em face dos erros de julgamento atrás apontados, os esclarecimentos prestados pela Contrainteressada à luz do regime legal efetivamente aplicável, deverá este Tribunal fazê-lo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo disposto no 149.º, n.º 2 do CPTA.

  13. Os esclarecimentos apresentados pela Contrainteressada não são mais do que um conjunto de asserções vagas, genéricas e infundamentadas, não contendo qualquer elemento concreto de onde se pudesse inferir uma influência na formação do preço proposto por aquela concorrente.

  14. Razão pela qual é inevitável concluir que o ato impugnado, ao considerar os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentados pela Contrainteressada, admitindo a proposta desta concorrente, incorre em erro manifesto ou grosseiro de apreciação, atenta a evidente ineptidão do seu conteúdo para esse efeito, bem como em violação do disposto nos artigos 70º, nº2, al. e) e 71.º, n.º 4 do CCP.

  15. O Tribunal pode e deve sindicar a decisão da entidade demandada de considerar justificado o preço e admitir a proposta da Contrainteressada, cujos esclarecimentos se mostram, como vimos, manifestamente ineptos, à luz das exigências legais.

  16. Deverá, assim, este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul anular o ato impugnado, e, em consequência, julgar também procedente, o pedido de condenação da entidade demandada à prática de ato administrativo consubstanciado na adjudicação da sua proposta, ordenada em 2.º lugar no relatório final do júri.

    O Recorrido, Ministério do Ambiente e da Acção Climática, apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

    • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.

    • Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

    • I. 1.

    Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber: - Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter concluído que não tendo sido definido nas peças do procedimento o limiar do preço anormalmente baixo, não poderia a Entidade Demandada proceder à exclusão da proposta da Contra-Interessada C... com tal fundamento, interpretando erradamente as disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 2, alínea e) e 71.º, n.º 3, do CCP.

    • II.

    Fundamentação II.1.

    De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual se reproduz ipsis verbis: 1) Por anúncio com o n.º 3310/2020, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 60, de 25.03.2020, foi publicitada a abertura de concurso público relativo a contrato de aquisição de Serviços de Reengenharia e Desmaterialização dos serviços da DGEG - Direção Geral de Energia e Geologia, no sentido de implementar uma estratégia de racionalização de estruturas e de fomento de sinergias, quer entre serviços internos à própria DGEG, quer com os seus parceiros externos, cliente particular, e, entidades públicas e privadas – cf. anúncio que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido; 2) Do teor do programa do procedimento referente ao concurso a que se refere o ponto anterior extrai-se, designadamente, o seguinte: “(…) Artigo 1.º (Identificação do procedimento) O procedimento designa-se por “Concurso Público n.º 604/UMC/DGEG/2019, para a aquisição de serviços de reengenharia e desmaterialização dos serviços "Core" da DGEG”.

    (…) Artigo 8.º (Documentos exigidos) 1. A proposta deve ser obrigatoriamente constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I do Código dos Contratos Públicos; b) Declaração...

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