Acórdão nº 088/20.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A……….., devidamente identificado nos autos, recorre para o Pleno deste Supremo Tribunal do acórdão da Secção do mesmo STA, de 10.09.2020, que julgou improcedente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, por aí se entender não estar “verificada qualquer violação de direitos, liberdades e garantias”.

  1. Na sua pretensão intimatória constante do r.i. o A., a final, pugnou pela procedência da intimação, formulando dois pedidos: 1) A declaração da “inconstitucionalidade, com efeitos circunscritos ao Requerente, das normas proibitivas de ajuntamentos retiradas da conjugação dos pontos 1, 2 e 8 da Resolução e ainda a que se encontra no art. 15.º do Anexo à Resolução aqui em crise, com as consequências legais”; 2) A condenação do “Requerido a exercer a sua competência relativamente às forças policiais e demais autoridades públicas no sentido de não impedirem o Requerido e as pessoas que com ele estejam reunidas de exercer plenamente a sua liberdade jusfundamental de reunião”.

  2. Inconformado com a decisão da Secção do STA de 10.09.2020, vem o A., agora recorrente, apresentar recurso para o Pleno, concluindo da seguinte forma (cfr. alegações de recurso de fls. 482 a 549 – paginação SITAF): “1.ª – O facto de o douto Acórdão não ter substanciado a afirmação feita quanto à existência de jurisprudência estrangeira no sentido da suficiência da habilitação legislativa das medidas restritivas de combate à pandemia impede que possa ser avaliada objetivamente a pertinência de tal jurisprudência para o caso nacional, designadamente quanto à transponibilidade dos seus pressupostos; 2.ª – O Recorrente não consegue integrar num fio de discurso coerente a afirmação do douto Acórdão de que a legitimação das medidas restritivas da liberdade de reunião reside no seu carácter temporário e excecional e a afirmação conexa de que tais medidas beneficiam de habilitação legal expressa, a cargo do n.º 1 do art. 17.º da Lei n.º 81/2009: se existe, alegadamente, habilitação legislativa para a medida, para que importa saber se esta é temporária e excecional? 3.ª – Sempre se dirá, em todo o caso, que é impossível afirmar objetivamente que a medida de restrição da liberdade de reunião é temporária, pois tem sido renovada sucessivamente e sê-lo-á ainda no futuro: cada um dos concretos instrumentos normativos que a consagram tem um período de vigência limitado, mas a medida em si permanece em vigor, no essencial, desde o início da pandemia, primeiro por via dos decretos de execução da declaração do estado de emergência e depois por via das resoluções do Conselho de Ministros; 4.ª – De qualquer modo, ainda que a medida pudesse ser qualificada como temporária, nem por isso deixaria de estar sujeita às exigências orgânicas e formais colocadas pelo princípio da reserva de lei relativamente às normas que disponham sobre direitos, liberdades e garantias; 5.ª – Da mesma maneira, a existência de uma situação de crise e a excecionalidade das medidas dirigidas a combatê-la nunca poderiam dispensar a habilitação legislativa das medidas regulamentares que contendam com direitos, liberdades e garantias; 6.ª – Aliás, que é precisamente nas situações de excecionalidade que ganha particular premência o respeito rigoroso do princípio da reserva de lei, enquanto fator decisivo de preservação das liberdades fundamentais e dos quadros basilares do Estado de Direito Democrático; 7.ª – É precisamente para garantir a conformidade constitucional e a fiscalização política das medidas restritivas que elas estão sujeitas a reserva de lei (sob a forma de lei parlamentar ou decreto-lei autorizado) e, por esse meio, submetidas ao controle do Presidente da República e da Assembleia da República, nos termos acima descritos, assim como ao inerente escrutínio democrático; 8.ª - A opção do Governo pela via administrativa de atuação tem por efeito, pouco importa se deliberadamente ou não, a fuga aos controles jurídicos e políticos inerentes à via legislativa, apesar de esta ser imposta pela sujeição das matérias dos Direitos, Liberdades e Garantias ao regime de reserva de lei.

    9.ª - E o Governo obteve esse resultado constitucionalmente intolerável através daquilo que ao Recorrente parece, salvo o devido respeito, uma surpreendente complacência do Acórdão recorrido ou, pelo menos, uma desatenção às garantias decorrentes do regime de competência e forma dos actos do Estado relativos aos direitos, liberdades e garantias, inequivocamente estabelecidas na Constituição do Estado de Direito Democrático; 10.ª – O Acórdão recorrido só pôde retirar da norma do n.º 1 do art. 17.º da Lei n.º 81/2009 sobre isolamento de pessoas uma habilitação legislativa da medida de restrição da liberdade de reunião porque ignorou a expressão “que tenham sido expostos” e, consequentemente, não atentou em que a norma só se aplica a pessoas que tenham sido expostas a infeção ou contaminação e possam constituir-se como agentes de disseminação.

    11.ª – Não há, de facto, a mínima conexão entre o conteúdo e o objeto da norma legislativa e o conteúdo e o objeto da norma regulamentar: o conteúdo da norma legislativa são medidas de isolamento, ao passo que o conteúdo da norma regulamentar são medidas de proibição e dispersão; o objeto da norma legislativa são pessoas que estiveram expostas a contaminação, ao passo que o objeto da norma regulamentar são pessoas que apenas se reuniram ou pretendem reunir-se – e que só por mera casualidade podem ter estado expostas a contaminação; 12.ª - É verdade que tal art. 17.º contém uma cláusula habilitadora genérica para “medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública”, mas resulta evidente que tal cláusula carece de um mínimo de densificação normativa que permita dizer que os critérios materiais foram de facto estabelecidos pelo legislador; 13.ª - Mesmo que admitisse, para meros efeitos de raciocínio, a existência de habilitação legislativa neste preceito da Lei n.º 81/2009, sempre se teria de reconhecer que as normas das resoluções do Conselho de Ministros apresentam um conteúdo claramente inovador, correspondendo a regulamentos independentes – os quais não apenas são inadmissíveis em áreas de reserva de lei como, ainda que o fossem, teriam de revestir a forma de decreto regulamentar, por força do n.º 6 do art. 112.º da Constituição.

    14.ª – Não é possível fundar a medida de restrição da liberdade de reunião numa “cadeia ininterrupta de legitimação”, como pretende o douto Acórdão, pois não é o princípio democrático que releva para a questão, mas sim o princípio do Estado de Direito, na vertente relativa à competência e forma dos atos restritivos de direitos, liberdades e garantias; 15.ª – Ao invés do que parece sustentar douto Acórdão, a habilitação legislativa da medida não resulta de estar “arroupada” num conjunto de normas legislativas, pois nenhuma delas ou todas no seu conjunto conseguem dar à restrição a base necessária; 16.ª – Um eventual princípio fundamentador extraído desse conjunto de normas legislativas de objeto heterogéneo careceria da indispensável densificação e teria como consequência inevitável que a medida restritiva constituiria um regulamento independente, com as consequências já referidas; 17.ª - O douto Acórdão labora em equívoco quando utiliza o argumento ad terrorem de que seria “impensável” que todas as medidas de combate à crise, mesmo as restritivas de direitos, liberdades e garantias, constassem de lei parlamentar: na...

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