Acórdão nº 151/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 151/2021

Processo n.º 2/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 3 de dezembro de 2020, que julgou improcedente a impugnação deduzida pelo recorrente contra a decisão proferida pelo Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra no dia 31 de julho de 2020, que lhe aplicou uma sanção disciplinar de internamento em cela disciplinar por um período de 10 (dez) dias, ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 1, alínea g), por referência ao artigo 104.º, alínea o), ambos do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

2. O recurso para o Tribunal Constitucional tem o seguinte teor:

«(...)

Dando cumprimento ao plasmado nos n.°s 1 e 2 do art. 75º-A da LTC, refere-se que o presente recurso versa sobre duas questões muito simples e objetivas, que contendem com a conformidade constitucional da subsunção jurídica e interpretação da norma legal plasmada no art. 104º o) CEP.

Suscitaram-se as inconstitucionalidades de tal interpretação normativa, corno decorre da douta decisão recorrida, por se defender a não conformidade do decidido à Lei fundamental.

Por forma a recortar o objeto recursório formularam-se tais questões concretas e objetivas, expostas nos parágrafos seguintes, suscitadas no requerimento de impugnação de medida disciplinar, quer no texto da motivação quer nas conclusões I e J, apresentado para o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, remetido via Citius, a contender com a interpretação e dimensão normativa do art. 104º o) CEP:

I. Mostra-se inconstitucional, por violação da liberdade de expressão e dos direitos à vida, à saúde e à segurança, consagrados nos arts. 24º, 21º, 30º n.º 4 e 37º da Lei fundamental (CRP), o entendimento e dimensão normativa do art. 104 o) CEP no sentido de "Pratica infração disciplinar grave, por promover ou participar em motim ou ato coletivo de insubordinação ou de desobediência às ordens legítimas dos funcionários no exercício das suas funções, o recluso que, receando pela própria vida, participe em vídeo difundido para o exterior no qual apele para que os governantes e responsáveis atuem para fazer face aos perigos e riscos associados à pandemia COVID 19, concedendo alguns dias para que tenha lugar uma atuação por parte destes."

II. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, tipicidade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, consagrados nos arts. 18º, 29º e 32º da Lei fundamental (CRP), o entendimento e dimensão normativa do art. 104 o) CEP no sentido de "Pratica infração disciplinar grave, por promover ou participar em motim ou ato coletivo de insubordinação ou de desobediência às ordens legítimas dos funcionários no exercício das suas funções, o recluso que participe em vídeo difundido para o exterior no qual, receando pela própria vida, apele para que os governantes e responsáveis atuem para fazer face aos perigos e riscos associados à pandemia COVID 19, concedendo alguns dias para que tenha lugar uma atuação sob pena de pegarem fogo às celas, o que todavia nunca teve lugar."

Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado na douta sentença de improcedência de tal impugnação, datada de 03-XII2020, a concluir pela legalidade do processado e conformidade legal da douta decisão condenatória e subsunção jurídica efetivada pela decisão impugnada.

Tudo em violação dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídicas, da materialidade, da transparência decisória, da boa-fé, da legalidade, da tipicidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, da culpa, dos fins das penas/exigências de prevenção e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violador, desde logo, dos arts. 9º CC e 1º, 2º, 13º, 18º, 32º n.°s 1, 202º n.º 2 e 203º a 205º da CRP, para além de diversas normas legais consagradoras de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.

Tais questões afiguram-se, não só relevantes como decisivas e essenciais para a boa decisão da causa, uma vez que em causa estão direitos, liberdades e garantias do recorrente, constitucionalmente tutelados e aptos a gerar, com a sua violação, danos e sacrifícios decorrentes da condenação em si e dosimetria da sanção.

Tal douta decisão afigura-se manifestamente contrária às mais elementares garantias de defesa bem como aos princípios subjacentes a um Direito sancionatório/disciplinar que se queira materialmente justo e processualmente!

Todo o vídeo é feito de forma serena e calma, sem incitar à violência, que não é sequer o objetivo primordial e em nada incita abertamente a motins ou similares.

Trata-se de um grito de alerta e pedido de socorro, onde é audível o pedido para "têm que fazer alguma coisa por nós", que visava sobretudo a atenção o estado para a situação e que se julga caber dentro da liberdade de expressão.

Aquilo que poderá ser censurável é a comunicação não autorizada com o exterior mas importa que seja valorada a situação de forca maior, exercício de um direito e estado de necessidade, para tal grito de alerta e pedido de socorro.

Havia todo um clima nefasto não criado pelo impugnante que impunha uma tomada de ação, a qual não extravasa a liberdade de expressão e o direito à vida, à saúde e à segurança, consagrados nos arts. 24º, 27º, 30º n.º 4. e 37º da Lei fundamental (CRP).

E num quadro legislativo deveras plúrimo e vasto (DL 10-A/2020; Lei 1 -A/2020; Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020; Decreto 2-A/2020, entre outros!) mas que volvidos que se mostravam mais de quinze dias sobre o estado de emergência, ainda se não havia expressamente pronunciado sobre os reclusos e sua saúde, numa discriminação negativa deveras discriminatória!

E tudo no seguimento de notícias deveras alarmistas, quer do próprio Ministério da Justiça quer do Sindicato de guardas prisionais, mais não pretendendo os reclusos que também fazerem-se ouvir e dar a sua perspetiva sobre o problema, pois eles é que o sentiam de perto e ao vivo, sendo conhecedores, e testemunhas vivas, dos problemas e da ausência de respostas adequadas e minimamente satisfatórias.

Julga-se que nos termos e para efeitos dos arts. 31º n.ºs 1 e 2 a), b) e c). 32º. 34º, 35º e 36º CP, analogicamente aplicável, se mostrará excluída quer a ilicitude quer a culpa.

Razões pelas quais, nos termos do art. 78º LTC deverá o mesmo ter efeito suspensivo e subir nos próprios autos, sendo certo que em sede de alegações se corporizarão os fundamentos do presente recurso em termos a serem os mesmos devida e cabalmente apreendidos por V/ Exas, que, como sempre, não deixarão de fazer a almejada Justiça.

E não se pretende a sindicância da decisão jurisdicional, na dimensão de apreciação da situação concreta dos presentes autos, mas sim a análise de tal dimensão normativa enunciada enquanto regra abstrata tendente a uma aplicação genérica pois não está em causa a interpretação levada a cabo nos presentes autos mas sim em toda e qualquer outra situação similar.

Entende-se que a injustiça se mostrará sempre existente em razão da perduração da conceção que permita tal condenação ao arrepio de um estado de necessidade decorrente dos receios da pandemia, conjugada com a inércia do poder político e órgãos decisores face aos receios para a vida e saúde dos reclusos, constituindo a ação não mais que um apelo desesperado.

O grande erro na aplicação e interpretação da lei reside numa obsessão pela sua literalidade, sem cuidar da sua teleologia e integração sistemática, sendo tal entendimento estribado que se combate em sede de constitucionalidade, pois, diga-se a verdade em clamoroso auxílio do recorrente, a aplicação interpretativa da lei em causa é injusta e inconstitucional, ao denegar as mais flagrantes garantias subjacentes a um processo sancionatório, como seja, a salvaguarda do fim legítimo e dos bens jurídicos que se pretendiam acautelar e a ausência de efetiva danosidade social ou violação objetiva de bens jurídicos, com desvirtuação da visão de conjunto da pseudo ilicitude!

Dúvidas inexistem igualmente da pertinência das questões válida e previamente suscitadas (por devidamente identificadas as desconformidades constitucionais), as quais radicam no coração da decisão de mérito proferida e interpretação normativa efetivada em sede decisória.

E adota o arguido postura de crença e confiança no poder judicial e no Tribunal, verdadeiro e efetivo órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimindo a violação da legalidade em observância da lei fundamental, não deixando de aguardar pelo provimento do presente recurso! Afinal, stare decisis...

Destarte,

mui respeitosamente e sempre com o V/ mui douto suprimento, se interpõe para o Tribunal Constitucional o competente recurso de tal decisão negativa de inconstitucionalidade, o qual deverá ser admitido, com todas as demais consequências legais.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Marquês de Condorcet e Dante Alighieri, uma alma nobre faz justiça, mesmo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT