Acórdão nº 0825/14.0BECBR 01440/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução24 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 825/14.0BECBR Recorrentes: A………… e B………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 Os Recorrentes acima identificados, inconformados com o acórdão de 14 de Julho de 2020 do Tribunal Central Administrativo Norte – que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, revogou a sentença deste Tribunal, e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelos ora Recorrentes contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao ano de 2009, efectuada por a AT ter considerado que a alienação de acções efectuada pelo Recorrente marido estava sujeita a tributação em mais-valias, por não cumprir com a condição prevista, à data, no art. 10.º, n.ºs 2, alínea a), e 12 (Na redacção em vigor à data, os n.ºs 2, alínea a), e 12 do art. 10.º do CIRS, diziam: «2. Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses; […] 12. A exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português».), do Código do IRS (CIRS) –, dele recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do disposto no art. 285.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «1.ª Entendem os Recorrentes que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista, pois as questões colocadas assumem quer relevância jurídica, quer social, sendo a admissão da revista necessária para uma melhor aplicação do direito (cf., entre outros, o acórdão de 29.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0569/11); 2.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, consideram os Recorrentes verificar-se a violação de lei na interpretação conferida ao artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS, em conjugação com os artigos 38.º, n.º 2, da LGT, e 63.º do CPPT, bem como na interpretação conferida aos artigos 58.º, 60.º, e 75.º, n.º 1, da LGT, colocando-se em concreto as seguintes questões: i) Saber se, para efeitos de aplicação de uma norma como a do artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS, a desconsideração de um movimento ou registo contabilístico deve desencadear a priori a aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, e do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT; ii) Saber se, no âmbito de um procedimento inspectivo, como o que está em causa nos presentes autos, a administração tributária incorre em violação dos princípios do inquisitório e da participação, previstos nos artigos 58.º e 60.º, ambos da LGT, respectivamente, e com consagração constitucional (cf. artigos 266.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5, ambos da CRP) quando ao analisar a informação contabilística de terceiro, decide desconsiderar um movimento e registo contabilístico, sem, contudo, chamar esse terceiro – com conhecimento pessoal e directo dos factos tributários em causa, de cuja situação, que lhe é própria, emergem efeitos ou consequências que afectam ou podem afectar direitos e interesses legalmente protegidos de outrem; iii) Saber se, no âmbito de um procedimento inspectivo a um contribuinte, a administração tributária pode operar correcções suportadas no afastamento da presunção de veracidade da contabilidade de um terceiro, sem, contudo, desencadear qualquer procedimento inspectivo contra esse terceiro; 3.ª Ora, a necessidade de revista para uma melhor aplicação do direito é desde logo suportada no facto de estarem em causa duas decisões – uma em 1.ª instância e outra em sede de recurso – em que os tribunais actuaram de forma totalmente díspar perante, pelo menos, duas das questões acima enunciadas; 4.ª Com efeito, o TAF de Coimbra considerou, por um lado, que a administração tributária deveria ter aplicado a cláusula geral anti-abuso e desencadeado o mecanismo do artigo 63.º do CPPT, enquanto o TCA Norte entendeu que não; por outro lado, o TAF de Coimbra entendeu que a administração tributária não podia ter praticado o acto tributário em desconsideração do que resultava da contabilidade da C............, que se presume verdadeira e a qual não foi objecto de correcções, enquanto o TCA Norte entendeu diferentemente; 5.ª A necessidade de revista justifica-se por estarmos perante duas decisões opostas nas instâncias, a qual tem vindo a ser admitida em idênticas situações (cf. exemplificativamente, os acórdãos deste STA de 25.09.2009 (processo n.º 710/08), de 05.06.2008 (processo n.º 447/08), de 03.04.2014 (processo n.º 338/14), de 15.01.2015 (processo n.º 1498/14) e de 25.11.2015 (processo n.º 1498/15); 6.ª A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do direito justifica-se também, em particular no que respeita à questão da aplicação da cláusula geral anti-abuso e procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, porque aquele Supremo Tribunal Administrativo já decidiu em sentido contrário ao acórdão recorrido – vd. Acórdão de 27.01.2016, proferido no processo n.º 01720/13; 7.ª Por seu turno, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta igualmente no facto de as questões identificadas se poderem repetir num número elevado de casos futuros; 8.ª Com efeito, quanto à primeira das questões acima enunciadas, suscita-se em diversos litígios com a administração tributária a questão de saber se a requalificação jurídica de uma determinada realidade por parte da administração tributária obriga ou não à instauração do procedimento da cláusula geral anti-abuso; 9.ª Quanto às demais questões, também aquele requisito se verifica, porquanto a exclusão de tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções, embora vigente apenas até Julho de 2010 (cf. Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho) – vigorava no Código do IRS desde a sua aprovação (1988/1989) e até já antes, nos termos do Código do Imposto de Mais-Valias, com o desiderato de “fomento do mercado de capitais”, tendo abrangido um sem número de contribuintes; 10.ª A matéria da tributação das mais-valias tem também despoletado um considerável acervo de pendências judiciais, a propósito de diversas questões que a temática suscita, em virtude, nomeadamente, das suas diversas redacções ao longo do tempo e regras de aplicação no tempo de disposições transitórias – muitas das quais ainda se mantêm; 11.ª Por fim, ainda hoje o tema da exclusão de tributação de mais-valias mobiliárias se coloca, também quando respeitante a partes sociais adquiridas antes de 1 de Janeiro de 1989 (cf. artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), pelo que o tema abrange de facto um sem número de contribuintes; 12.ª Em particular a propósito do tema da contabilidade de terceiro e a forma como a mesma deve ser “lida” pela administração tributária para efeitos da aplicação da norma do artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS, já se questionou inclusivamente a sua constitucionalidade por referência aos princípios da legalidade, da certeza e da segurança jurídica, na medida em que a mesma não determina como se deve aferir a percentagem de 50% e qual o momento determinante (momento da alienação, do último balanço disponível, do último balanço aprovado ou se em todos os balanços desde o momento da aquisição e até à alienação) (cf. Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 703/2014-T, de 29.04.2015); 13.ª Acresce que, a aplicação desta norma pressupõe sempre e em qualquer caso atender-se à situação fiscal de um terceiro, estranho e alheio à situação sob análise; 14.ª No entender dos Recorrentes, urge delimitar o âmbito dos poderes de actuação da administração tributária quando, no âmbito de um procedimento inspectivo a um contribuinte, solicita, ao abrigo do princípio da colaboração, informações a um terceiro; 15.ª De facto, é imperioso definir se a administração tributária pode desconsiderar registos contabilísticos de terceiro ao procedimento inspectivo e se, de igual forma, pode afastar a presunção de veracidade da contabilidade desse terceiro; 16.ª Tendo presente o número de inspecção tributárias levadas a cabo e a circunstância de ser comum o pedido de informações a terceiros, resulta que as questões que se colocam não são meramente teóricas e têm inerentes efeitos verdadeiramente práticos, com claro reflexo para os contribuintes; 17.ª A necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo é também suportada pelo facto de estarem em causa questões relacionadas com a matéria das garantias dos contribuintes e, inclusivamente, com consagração constitucional, como o princípio do inquisitório (cf. artigo 266.º, n.º 2, da CRP) e o princípio da participação (cf. artigo 267.º, n.º 5, da CRP); 18.ª Adicionalmente, o acórdão recorrido incorre numa fundamentação juridicamente insustentável, pois não chega a responder, em concreto, à questão de saber como se compaginava a actuação da administração tributária com a existência de uma presunção de veracidade da contabilidade da sociedade; 19.ª Este juízo é insustentável por encerrar uma violação, desde logo, do disposto no artigo 75.º da LGT, não estando meramente em causa um simples erro de julgamento, mas um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal ter feito tábua rasa do disposto no artigo 75.º da LGT; 20.ª O decidido pelo Tribunal a quo entra inclusivamente em confronto com o sentido que alguma jurisprudência vem dando às normas em análise, como, aliás se extrai da análise à decisão arbitral proferida no processo n.º 703/2014-T, de 29.04.2015, onde se defendeu que bastava que em um dos exercícios de detenção das...

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