Acórdão nº 01619/10.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2021
Magistrado Responsável | Ana Patroc |
Data da Resolução | 11 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 08/01/2018, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por F.
e M.
, contribuintes n.ºs (…) e (…), residentes na Rua da (…), contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativas aos anos de 2002 a 2005, nos montantes respectivos de €36.595,48, €24.678,81, €8.931,53 e €2.355,40.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “I – Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por F., na sequência da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRS, dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, no que se refere aos rendimentos de capitais, categoria E, do IRS, em resultado das correções efetuadas em sede de procedimento de inspeção tributária.
II – A decisão de procedência da impugnação e consequente anulação das liquidações impugnadas, nos termos da douta sentença recorrida, assenta no entendimento de que «O Relatório dos SIT não evidencia a existência dos factos alegados e que impliquem o aqui Impugnante, uma vez que daquele não decorrem os respectivos nexos necessários a comprovar o invocado, resumindo-se a raciocínios meramente conclusivos. A AT não evidenciou suporte factual para a demonstração da sua versão, na medida em que em causa estão valores que não constam da escrita da sociedade como atribuídos aos sócios, desconhecendo-se inclusive o caminho que seguiram, e, o porquê do caminho que seguiram.
».
III – Com a ressalva do devido e merecido respeito pela decisão do Tribunal “a quo”, afigura-se-nos que a factualidade relevante para a decisão da causa, dada como assente nas alíneas I) e J) do probatório constante da sentença recorrida, não foi devidamente apreciada e valorada, e enquadrada à luz da norma aplicável contida no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h), do Código do IRS.
IV – A ação de inspeção tributária ao Impugnante resultou da verificação de indícios de irregularidades nos valores declarados pelos sujeitos passivos, em consequência do processo de inquérito n.º 201/02.7IDVCT [cfr. acervo probatório da sentença, nas alíneas A), B) e C)], em que foram constituídos arguidos a Sociedade (...), Lda [S__] e os seus quatro sócios-gerentes, incluindo o Impugnante.
V – O Tribunal “a quo” não considerou o facto de a S__ ter contraído um empréstimo de financiamento à construção no montante de € 2.245.000,00, e de parte deste empréstimo, no valor de € 1.546.273,48, ter sido debitado proporcionalmente, ao valor das quotas, nas contas dos sócios, assim como os encargos financeiros a ele inerentes, no valor de € 339.382,43 – facto, aliás, não contestado pelo Impugnante.
VI – Trata-se de um facto determinante, a nosso ver, para esclarecer como foi possível ter sido criado um débito dos sócios para com a S__, correspondente ao valor do “empréstimo” de € 1.546.273,48 [acrescido dos encargos financeiros de € 339.382,43], que justificasse futuras entradas de capital dos sócios para “amortizarem as suas dívidas”.
VII – Em nome do Impugnante foram contabilizadas amortizações, juros e suprimentos à S__, nos anos de 2002, 2003 e 2004, no valor total de € 326.277,00, de acordo com a informação constante do RDE, junto aos autos com o PA.
VIII – Os valores recebidos dos compradores das frações do “Edifício (...)” que não foram declarados pela S__, estão devidamente discriminados no RIT [cfr. respetivo Capítulo III, n.º 4], embora não constem da transcrição efetuada na alínea I) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, totalizando os seguintes montantes: no ano de 2002, € 680.536,67; no ano de 2003, € 624.810,39; no ano de 2004, € 354.123,05 e em 2005, € 74.819,68.
IX – Trata-se de omissões aos proveitos da S__, relacionadas com as regularizações de imposto efetuadas pelos compradores das fracções do prédio em causa, a que o Inspector Tributário se referiu na audiência contraditória de inquirição de testemunhas, mencionado que a maioria [18] dos adquirentes das 22 frações do prédio em causa regularizou voluntariamente a sua situação tributária – o que também não foi tido em conta na fundamentação da sentença.
X – Baseando-se essencialmente nos elementos constantes do anexo 1 do RIT, como exemplo do trabalho realizado pela Inspeção Tributária, entendeu o Tribunal que o referido relatório não evidencia a existência de antecipação sobre lucros ao Impugnante – o que não se aceita.
XI – De acordo com a sentença recorrida «Analisando os elementos que constam do anexo 1, parte integrante do relatório dos SIT (que serve de exemplo para o trabalho efectuado pelos SIT), estes constataram que foi emitido cheque por comprador (ao portador) em 30.04.2002 no valor de €49.880,00, levantado por funcionária da sociedade J., Lda., de que também é sócio-gerente o aqui Impugnante, tendo a 8.05.2002 sido efectuados dois depósitos na conta da S__ no montante de €24.950,00 e contabilizado na conta dos sócios (suprimentos). Com efeito, e, sem mais, poderíamos anuir com a tese aventada pelos SIT. Não obstante, há que constatar que dos elementos recolhidos não se verificam os necessários elementos causais por forma a verificar-se cumprido o ónus que sobre a AT recaía, a AT partiu de conclusões, sem, no entanto, lograr demonstrar as premissas que lhe serviram de esteio.
[…]».
XII – Respeita o referido anexo à venda da fração “T”, do “Edifício (...)”, cujo valor da compra e venda, constante da escritura, foi de € 149.639,37 e o valor regularizado pelo comprador de € 319.279,15, sendo a diferença de valores de € 169.639,78.
XIII – O cheque emitido pelo comprador da fração, com data de 2002-04-30, no valor de € 49.880.00, foi depositado na conta da S__, mas contabilizado na conta dos sócios, a título de suprimentos, pelo que, temos um proveito da S__, a ser utilizado pelos sócios da S__ para “emprestarem” dinheiro à sociedade, mas dinheiro que é da própria sociedade.
XIV – A contabilização do valor de € 49.880,00 do cheque do comprador da fração “T”, na conta dos sócios da S__ [suprimentos], foi efetuada pela S__ na proporção das quotas dos sócios, cabendo ao Impugnante o valor de € 8.313,00.
XV – Tendo este proveito da sociedade sido utilizado pelo sócio-gerente, aqui Impugnante, neste caso, a título de suprimentos à sociedade, é porque foi esse o montante diretamente recebido pelo mesmo, embora o respetivo movimento não tivesse sido revelado na sociedade.
XVI – Não há dúvida, como resulta do exemplo dado no anexo 1 do RIT, que o sócio-gerente recebeu importâncias da sociedade, que reverteram para a sua esfera pessoal, sem que tenham sido objeto de contabilização, enquanto tal, na esfera jurídica da sociedade.
XVII – Pelo que teremos de concluir que esse valor foi recebido a título de adiantamento por conta de lucros, e constitui um rendimento do sócio-gerente, a tributar em sede de IRS, na categoria E, como rendimento de capitais, previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS.
XVIII – Acresce que os elevados montantes depositados como entradas dos sócios não são compatíveis com os rendimentos por estes auferidos, de acordo com o RDE, junto ao PA.
XIX – Nos anos de 2002, 2003 e 2004, o sujeito passivo declarou rendimentos brutos, na ordem dos € 23.542,00, € 33.301,00 e € 33.078,00, no total de € 89.921,00, sendo que as entradas de capital por si efetuadas na S__, ascenderam, nesses anos, a € 326.276,00!!! XX – A análise crítica e conjugada de todos os documentos juntos aos autos, com destaque para o RIT [e respetivos anexos] e para o RDE, permite-nos verificar que a Administração Tributária, no decorrer da ação inspetiva a que alude o PA, recolheu dados objetivos que aí se encontram discriminados, a que nos vimos referindo, mas que não foram considerados no probatório, de onde se conclui que as entradas de capital do sócio na sociedade são o resultado do produto omitido relativo às vendas efetuadas pela sociedade e, por isso, correspondem a adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a tributação em sede de IRS [categoria E], por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. h), do Código do IRS.
XXI – Independentemente da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS [à qual o RIT não faz qualquer referência], demonstrou a AT a ocorrência dos pressupostos legais que legitimam a correção ao rendimento declarado pelo Impugnante.
XXII – Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial que anulou as liquidações efetuadas pela Administração Tributária relativas a correções atinentes à omissão de rendimentos da categoria E de IRS, por padecer de erro de julgamento de facto e de direito e por violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS.
***Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação julgada improcedente.” Os Recorridos não contra-alegaram.
****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
****Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado inadmissíveis as correcções que foram qualificadas como adiantamento por conta dos lucros ao sócio, aqui Recorrido.
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Fundamentação 1. Matéria...
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