Acórdão nº 01770/07.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório G.

, S.A., inconformada com a sentença proferida em 2009-10-01 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta tendo por objeto a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2004, no valor de EUR 947.972,52, vem dela interpor o presente recurso, o que faz perante este Tribunal Central Administrativo Norte.

Oportunamente, a Recorrente interpôs ainda perante o Supremo Tribunal Administrativo, recurso do despacho proferido em 2008-12-29 (cf. fls. 133 dos autos), por força do qual o Tribunal a quo rejeitou a realização da diligência probatória de inquirição de testemunhas por si requerida, recurso que agora sobe com o recurso da decisão final, não tendo sido tramitado em separado.

A Recorrente encerra as suas alegações no recurso do despacho proferido em 2008-12-29, formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: 1.ª - A petição inicial contém factos passíveis de prova testemunhal, com relevo e importância para a boa e justa decisão da causa, indicados no requerimento de fls. 131 dos autos; 2.ª - As testemunhas deverão ser inquiridas sobre esses factos por força do princípio da verdade material; 3.ª - Para além de documentar os autos com os elementos relativos às operações financeiras em causa, é essencial que se venha esclarecer o conteúdo dessas mesmas operações e a sua conexão com os proveitos e perdas; 4.ª - A inquirição das testemunhas arroladas, atenta a sua intervenção nas operações em questão, pode contribuir para a dilucidação dos factos vertidos nos articulados, 5.ª - Nomeadamente, pode contribuir para clarificar a relação económica entre os contratos de opção sobre divisas e o investimento projectado nos E.U.A., e inerente cumprimento integral dos requisitos previstos na lei para a dedução do custo fiscal.

Termina pedindo: “Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, com todas as consequências legais, nomeadamente, ordenando-se a realização da inquirição de testemunhas requerida.”***A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.

***A Recorrente encerra as suas alegações de recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: IV. CONCLUSÕES: A. O presente processo reporta-se a uma impugnação judicial apresentada pela G. contra uma liquidação adicional efectuada pela administração fiscal de IRC e de juros.

B. Na sentença proferida pelo Tribunal a quo foi julgada improcedente a impugnação, tendo-se considerado que os custos fiscais em apreço seriam «absolutamente inúteis» do ponto de vista da G., pois seriam um custo indispensável da G. ALABAMA.

C. A G. não se conforma com esta sentença, pois as perdas financeiras, apuradas na sequência de operações realizadas sobre instrumentos financeiros, reúnem todos os requisitos previstos no artigo 23.º para a respectiva dedutibilidade fiscal.

COM EFEITO, D. As operações contratadas configuram contratos de instrumentos derivados, constituídos com o objectivo de cobertura do risco cambial em transacções expressas em dólares americanos; E. foram transaccionadas em mercados fora da bolsa, tendo sido contratadas e liquidadas no mesmo exercício (2004), não constituindo posições em curso no final do exercício, pelo que F. a contabilização do custo em análise respeitou integralmente todas as disposições legais, quer de natureza contabilística (cf. a Directriz contabilística n.º 17/97), quer de natureza fiscal (cf. artigo 78.º do Código do IRC), previstas para as operações de cobertura.

G. O facto de estarmos diante de perdas financeiras, o que de resto não foi questionado pela administração fiscal, quer na sua materialidade, quer na sua comprovação, faz com que tenha de se considerar as mesmas como um custo relevante em termos fiscais.

POIS H. a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC considera estas perdas como custos fiscalmente relevantes, desencadeando uma autêntica presunção de indispensabilidade que não foi afectada pela administração fiscal.

SEM PRESCINDIR, I. As perdas são efectivamente custos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, visto que estão enlaçadas numa relação de indispensabilidade com a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

J. Ao contrário do que julgou o Meritíssimo Juiz a quo, não é pela circunstância de o negócio não ter sido proveitoso que a despesa perde a sua natureza de custo fiscal.

K. A relevância fiscal de um custo não depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo): estamos aqui num espaço de liberdade empresarial irrestrita.

L. O artigo 23.º do Código do IRC não concede à administração fiscal um qualquer poder discricionário de controlo da dedutibilidade fiscal dos custos empresariais.

M. O artigo 23.º do Código do IRC veda à administração fiscal um qualquer poder discricionário: são, por isso, custos fiscais todos os decaimentos gerados no exercício da actividade do sujeito passivo, ainda que reputados de inconvenientes, não usuais ou vertidos em maus negócios.

N. A interpretação da administração fiscal, constante da fundamentação subjacente à liquidação adicional impugnada, assim como a interpretação que a sentença de que agora se recorre faz do artigo 23.º do Código do IRC, é claramente ilegal e inconstitucional.

O. É inquestionável que, para efeitos fiscais, o custo é indispensável se foi realizado com vista ao escopo lucrativo, ainda que se traduza num mau ou ruinoso negócio.

P. Assim, é por demais evidente que, também neste caso, a perda financeira tem de ser considerada um custo indispensável, e isto porque, como se demonstrou, a operação económica da qual veio a resultar visava a obtenção de um ganho (na medida em que procurava fixar, favoravelmente, uma taxa de câmbio para a realização de um investimento que, actualmente, é altamente proveitoso), embora, por razões alheias à vontade da G., dela tenha vindo a resultar um prejuízo.

Q. Infelizmente, a cobertura contratada não surtiu o efeito pretendido e a G. incorreu numa perda, mas ninguém poderá pôr em causa a racionalidade, em termos económicos e de gestão, das operações subjacentes.

R. Em suma, as perdas em apreço foram suportadas pela G. no âmbito da sua gestão financeira, na sequência de um acordo que celebrou, de forma livre e consciente, para obter uma taxa de câmbio favorável.

S. É manifesto que, tendo em conta a dimensão da empresa em causa e o investimento efectuado, os custos questionados são perfeitamente enquadráveis no artigo 23.º do Código do IRC.

T. A terminar, é imperioso esclarecer que, ao contrário do que se afirmou na sentença de que se recorre, os custos não foram da G. ALABAMA, mas foram indispensáveis para a internacionalização da G..

Termina pedindo: “Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se a impugnação totalmente procedente e provada, com todas as consequências legais.”***A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.

***A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal exarou parecer, promovendo a subida dos presentes autos ao STA para apreciação do recurso do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 2008-12-29.

***Por despacho proferido em 2010-04-22 (cf. fls. 227 dos autos), foi determinado não se acolher a posição defendida pelo M.º Público, atendendo a que “de acordo com o entendimento jurisprudencial uniforme, é a este Tribunal Central Administrativo, perante o qual foi interposto recurso da sentença, que compete conhecer também do recurso do despacho interlocutório que indeferiu o requerimento de produção de prova”.

***Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.

***Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se o despacho proferido em 2008-12-29 padece de erro de julgamento de direito, por violação das normas processuais que regem a instrução do processo, e assim não se entendendo, se a sentença sob recurso padece, também ela, de erro julgamento de direito, por violação do disposto no art. 23.º do CIRC.

  1. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: “FACTOS PROVADOS:

  1. A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização levada a cabo pelos serviços da Administração Tributária da qual resultaram “correcções aritméticas” à matéria colectável em sede de IRC nos termos que constam do Relatório cuja cópia consta do PA anexo e que aqui se dá por reproduzido.

  2. Nesse Relatório pode ler-se: “(…) Analisando a situação em causa, verificamos que as perdas financeiras, no montante de 4.871.636,25 €, resultantes de diferenças cambiais ocorridas em duas operações financeiras sobre divisas, não foram comprovadamente indispensáveis nem para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora. Antes pelo contrário, foram absolutamente inúteis. (…) A empresa comprou e vendeu dólares, e esta não é a actividade da empresa em análise: a G. é uma empresa produtora, não é uma sociedade financeira, logo as perdas geradas em operações de especulação não têm aceitação fiscal.

    (…)” c) Como resultado das correcções efectuadas pela Administração Tributária, a matéria colectável da impugnante relativa ao ano de 2004 passou a ser de 4.531.940,86 euros.

  3. Em consequência veio a ser efectuada a liquidação de IRC e juros compensatórios cuja nota demonstrativa consta de fls. 33 e 34 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

  4. O prazo de pagamento voluntário das quantias liquidadas terminou em...

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