Acórdão nº 843/08.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I –RELATÓRIO t….., SA (t…..), e a DIGNA Representante da Fazenda Pública (DRFP), vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n° ….., referente ao exercício de 2004, no valor de €470.089,36.

Em sede de alegações formulam as seguintes conclusões:

  1. Da Fazenda Pública A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial interposta por T….., SA, com o NIF ….., contra a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, referente ao exercício de 2004, no valor total de € 470.089,36.

  2. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário de liquidação n.º ….. referente a IRC de 2004, resultante de uma acção inspectiva, no âmbito da qual a AT efectuou correcções à matéria colectável da recorrida, no que diz respeito a provisões não dedutíveis no valor de €550.000,00, e a benefícios fiscais relativos à criação líquida de emprego para jovens, no valor de € 296.200,63.

  3. O presente recurso versa apenas sobre a matéria das provisões não dedutíveis, conformando-se a Fazenda Pública com o decidido quanto ao cálculo da majoração dedutível até 01/01/2003 a título de benefícios fiscais com a criação líquida de emprego para jovens, ao abrigo do disposto no art.º 17.º do EBF, no montante de €173.800,00, em consonância com a posição do M.P.

  4. Assim, não pode a Fazenda Pública, e com o devido respeito, conformar-se com a douta sentença, aqui recorrida, face ao entendimento de que a mesma procede a um desacertado julgamento da matéria de facto, incorrendo em consequente erro de julgamento de direito, com violação do disposto nos artigos 18.º, 23.º, 34.º e 42.º todos do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.

  5. A Fundamentação da sentença recorrida assenta no entendimento que se segue: «…a provisão em causa foi constituída para a impugnante se precaver contra as responsabilidades (obrigações) que lhe pudessem advir da acção judicial contra ela intentada pelo ex-trabalhador que pôs em causa o procedimento disciplinar com vista ao despedimento com justa causa e peticionou indemnização por danos não patrimoniais.

    Tal ação judicial, intentada em 2004, facto que não se mostra controvertido, e para a qual a ora Impugnante, ali Ré, foi citada por ofício de 24.09.2004, poderia, num juízo de prognose, entre outros desfechos possíveis (como veio a suceder em 2008, por acordo) desembocar na total ou parcial procedência, sendo a aqui Impugnante condenada no pagamento de determinada quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais, como ali fora peticionado.

    Assim, a Impugnante podia e, prudentemente, devia antever como possível que, em data incerta do futuro, tivesse uma perda correspondente à dita indemnização, como consequência possível da procedência daquela ação, mostrando-se, por isso, justificada a constituição da provisão que, como deixámos já dito, se destina a assegurar o cumprimento de obrigações, encargos ou indemnizações que possa ter que vir a suportar por força de processos judiciais.» F) A questão decidenda nos presente autos prende-se com o facto de saber se é de aceitar como gasto fiscal uma provisão constituída para um processo judicial em curso no período de tributação, face à apresentação de uma acção judicial por parte de um trabalhador contra a sociedade, reclamando compensação pecuniária pela cessação do contrato de trabalho e respectivas consequências decorrentes do respectivo acordo de pagamento.

  6. No caso concreto, relativamente ao exercício de 2004, verificou-se que a recorrida constituiu uma provisão para um processo judicial em curso, que considerou fiscalmente dedutível, no montante de €550.000,00 relativamente ao processo n.º 3750/04.9TTLSB, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º juízo-3ª secção, em que é autor H….., e Ré a T….., SA.

  7. O referido processo n.º 3750/04.9TTLSB, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, terminou por acordo entre as partes, lavrado no âmbito da diligência de julgamento ocorrida em 20/05/2008, através do qual foi determinada a cessação do contrato de trabalho do A, reportada a 27/06/2004 e o pagamento da quantia de €50.000,00 a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação, desistindo o A. dos demais pedidos formulados.

  8. Na perspectiva da Inspecção Tributária, a recorrida considerou como custo fiscal provisões para processos judiciais em curso para a cobertura de custos que se viessem a ocorrer no exercício não seriam aceites para efeitos fiscais, pelo que o custo com a provisão constituída no montante de €550.000,00 não é aceite nos termos da al.c) do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC.

  9. Este facto contrariamente ao entendimento sufragado na douta sentença, constitui-se como indício do juízo formulado pela Administração Tributária, isto é, como indício sério de que apenas podem ser dedutíveis para efeitos fiscais as provisões que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício.

  10. Nos termos do disposto na al.c) do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC, na redacção à data dos factos, podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício.

  11. Por sua vez, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que” As provisões a que se referem as alíneas a) a d) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo considerar-se-ão proveitos do respectivo exercício.” M) Decorre do exposto que uma provisão para ser enquadrada neste normativo terá de verificar cumulativamente um conjunto de três pressupostos, a saber: a) - Destinar-se a fazer face a obrigações/encargos que decorram de processos judiciais em curso; b) - os encargos a que se destinam sejam enquadrados como custo fiscal ou seja, preencham os pressupostos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC e a sua aceitação como custo fiscal não esteja excluída por nenhuma norma especifica, designadamente, das constantes do art.º 42.º do CIRC; c)- que os encargos sejam enquadrados como custo do exercício ou seja, preencham os pressupostos de periodização do lucro tributável constantes do art.º 18.º do CIRC.

  12. In casu, a impugnante constituiu uma provisão, destinada a fazer face a despesas com processo judicial em curso em 2004 e deduziu, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o montante respectivo, tendo a AT desconsiderado tal verba para efeitos de custos fiscais.

  13. A dedução para efeitos fiscais da provisão constituída pela impugnante, depende não só da mesma se destinar a ocorrer a obrigações e encargos derivados de um processo judicial em curso, mas também de o encargo que visa acautelar ser enquadrado como custo fiscal, ou seja, de se verificarem os pressupostos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC e a sua aceitação como custo fiscal não esteja excluída por nenhuma norma específica, designadamente das constantes do art.º 42.º do CIRC.

  14. A sentença proferida "a quo" não apreciou com profundidade o comportamento concreto-contabilístico da Impugnante, quanto ao ano de 2004, orientando-se antes e exclusivamente, pela alusão a normas abstractamente aplicáveis a todos os sujeitos passivos.

  15. A decisão da gestão da impugnante, no sentido de constituir, em 2004, uma provisão no valor de €550.000,00 para fazer face a eventuais despesas derivadas de um processo judicial intentado por um ex-trabalhador, pode ser devidamente escrutinada à luz da definição anterior e do enquadramento que o CIRC prevê.

  16. A acção intentada contra a impugnante no Tribunal do Trabalho de Lisboa terminou por acordo entre as partes, mediante o pagamento de compensação pecuniária global de €50.000,00, ou seja, com a redução do pedido em cerca de 91%, pelo que a provisão constituída no valor de €550.000,00, alterou manifestamente o lucro tributável do exercício e consequentemente, diferiu a tributação para momento ulterior.

  17. A posição da AT, estribada no relatório de inspecção Tributária, e tendo presente todo o circunstancialismo de facto de direito, relativamente ao período tributável de 2004, consiste, em síntese, no seguinte: – Da cessação do contrato de trabalho com base em justa causa decorrente de processo disciplinar não implica o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador, pelo que daí não resulta qualquer encargo a reconhecer nesse âmbito como custo de 2004, logo não provisionável neste exercício, - a indemnização que eventualmente venha a ser paga, não está contratualmente prevista, pelo que apenas constitui encargo do ano em que se verifica o inicio da obrigação, ou seja quando a sentença transitar em julgado, ou, como sucedeu in casu, no momento do pagamento da obrigação.

    - Encontrando-se delimitado o momento em que deve ser reconhecido o encargo, verifica-se que o mesmo não é dedutível para efeitos fiscais, porquanto os valores exigidos pelo Autor são-no a título de indemnização por danos alegadamente resultantes de actos indevidos por parte do sujeito passivo, pelo que face ao estabelecido no artigo 23.º do CIRC, tais encargos não são indispensáveis para a realização dos proveitos e face à alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, trata-se de custos seguráveis, no âmbito de seguros de responsabilidade civil.

  18. Do regime jurídico-fiscal das provisões, constantes do CIRC, resulta, que, para efeitos fiscais, a constituição de provisões comporta especificidades face ao tratamento contabilístico, sendo que, para além dos requisitos do art.º 34.º, se mostram necessários outros pressupostos para a respectiva aceitação...

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