Acórdão nº 01658/19.2BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI] - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 29.10.2020, que concedeu provimento ao «recurso de apelação» e revogou a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], de 18.11.2019, que tinha julgado improcedente a acção administrativa em que A………… - identificado nestes autos - impugna a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], de 23.08.2019, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional por ele formulado e determinou a sua transferência para Itália, e, consequentemente, julgou procedente a acção, anulando o acto impugnado.

    Culmina assim as suas alegações de revista: 1- Resulta evidente que o tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo de retoma a cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2- Revela-se, pois, imprescindível a admissão deste recurso de revista, atenta a clara necessidade de melhor aplicação do direito, face ao entendimento sustentado no acórdão recorrido; 3- É evidente que o acórdão recorrido na sua ponderação e julgamento do caso, e refutando a decisão do recorrente, não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo, acima referenciadas; 4- Está, no caso, em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um Estado de Direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça; 5- Como outrossim, e directamente, o princípio da legalidade; 6- De harmonia com o artigo 18º, nº1, alínea d) do Regulamento [UE] nº604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06, e o artigo 37º, nº1, da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo artigo 36º e seguintes da Lei nº27/2008, de 30.06 [Lei de Asilo], tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 13.11.2019, um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no nº2 do artigo 25º do Regulamento de Dublin; 7- Vinculadamente, por despacho do director nacional do recorrente proferido aos 23.08.2019, nos termos dos artigos 19º-A, nº1, alínea a), e 37º, nº2, da citada Lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro «responsável pela análise do pedido de protecção internacional» nos termos do citado Regulamento, motivo pelo qual o Estado Português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artigos 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 8- O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália [ver artigo 13º, nº2, do citado Regulamento (EU) 604/2013, e artigo 37º, nº1, da lei nº27/2008 (Lei de Asilo)] impondo a lei como consequência imediata que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 9- «Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei […] é a própria Lei nº27/2008, de 30.06, que no seu artigo 37º, nº2, lhe impunha a actuação levada a efeito» [ver AC TCAS de 19.01.2012, Rº08319/11]; 10- A alegação do requerente, desacompanhada da apresentação de um mínimo de elementos objectivos, é insuficiente para considerar demonstrada a existência de «falhas sistémicas» no procedimento de asilo italiano que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, ou que, dadas as particulares condições do autor, a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição do autor a um tratamento contrário ao artigo 4º da CDFUE; 11- Nos presentes autos inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada; 12- Com efeito, relativamente às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, a Itália encontra-se vinculada pela Directiva 2013/33/EU, do Parlamento e do Conselho, de 26.06.2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de protecção internacional; 13- Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do «Sistema Europeu Comum de Asilo» [SECA], existe uma forte presunção que as condições materiais de acolhimento a favor dos requerentes de protecção internacional nesses Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais; 14- Ao contrário do pugnado pelo acórdão recorrido, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional [que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália] antecede e fundamenta que o pedido seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido; 15- Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente não restava outra solução que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito; 16- Diz o artigo 3º, nº2, do Regulamento 604/2103, que, «Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4º da carta dos direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável»; 17- Estabelece o artigo 17º, nº1, do referido regulamento que «Em derrogação do artigo 3º, nº1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de protecção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento»; 18- E nos termos do artigo 4º da CDFUE «Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tractos ou penas, desumanos ou degradantes»; 19- O douto acórdão recorrido ao considerar a acção procedente, e condenar o ora recorrente no dever de reconstruir o procedimento, instruindo-o com informação actualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália, de molde a aferir se no caso concreto o aqui recorrido tem enquadramento na previsão do artigo 3º, nº2, 2º parágrafo, do Regulamento, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do Estado-Membro responsável, em conformidade com o Regulamento [UE] que o hospeda; 20- Ora, no âmbito do procedimento especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo [artigos 36º a 40º] relativo à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseia a pretensão do aí requerente, não se impunha à Administração que adoptasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido, ao contrário do invocado pelo douto acórdão ora recorrido; 21- Nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas...

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