Acórdão nº 01556/20.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:*Município de (...) (Rua (…)), assim como Construtora (...), Ldª (Rua (…)), interpõem, um e outra, recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, em acção de contencioso pré-contratual intentada por A., SA, (Rua (…)).

O recorrente Município conclui: I. Vem o presente recurso interposto do saneador sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente procedente a presente ação, e consequentemente condenou o Réu (ora Recorrente) a (i) anular o acto de adjudicação do contrato de empreitada à CI, com todas as legais consequências; (ii) corrigir a avaliação efetuada à proposta apresentada pela CI e, consequentemente, a reordenar as propostas, colocando a proposta apresentada pela Autora em primeiro lugar; e (iii) Adjudicar o contrato concursado II. Sumariamente, entendeu o Tribunal a quo que o aqui Recorrente incorreu num erro na avaliação da proposta da Contrainteressada, consubstanciado na atribuição de pontuação máxima aos referidos Planos quando, na sua perspetiva, não estavam reunidas todas as condições procedimentalmente fixadas para o efeito, à luz dos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação escolhido.

  1. Todavia, conforme se propõe demonstrar infra, não pode a Recorrente conformar-se com o sentido da decisão ora em crise, porquanto a mesma incorre em manifesto erro de julgamento de Direito, ofendendo os mais elementares ditames jurídico-legais.

  2. A problemática ora em causa reconduz-se a uma alegada impossibilidade de atribuição da pontuação máxima aos planos apresentados com a proposta da Contrainteressada por estes não identificarem os meios (de diversa natureza) a empregar na execução de todas as atividades previstas no Mapa de Quantidades, designadamente na entrega das telas finais.

  3. No julgamento que empreendeu, o Tribunal a quo deu como julgada tal impossibilidade, daí retirando todas as consequências legais e procedimentais, sem ter tido a mínima preocupação em analisar o regime legal aplicável ao plano de trabalhos.

  4. Concretamente, e de forma a demonstrar o erro grosseiro de julgamento em que a decisão recorrida necessariamente incorreu, afigura-se essencial analisar o regime legal aplicável à obrigação de apresentação de plano de trabalhos, algo que, caso tivesse sido seguido pelo douto Tribunal a quo, conduziria a uma decisão em sentido diametralmente oposto.

  5. Sob a epígrafe “Plano de Trabalhos”, prescreve o n.º 1 do artigo 361.º que “O plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos” (realce nosso).

  6. Desta feita, o plano de trabalhos representa uma mera ferramenta de planeamento da execução da obra, desempenhando um papel previsional e organizador dos termos em que deverão ser executados os trabalhos que constituem o seu objeto (leia-se, a obra a executar).

  7. Assim sendo, por força quer do conteúdo normativo do n.º 1 do artigo 361.º do CCP, quer dos contributos que sobre tal norma foram sendo adiantados pela Doutrina, resulta claro que o plano de trabalhos a apresentar pelos concorrentes apenas deverá incidir sobre atividades/trabalhos que possam ser considerados como fazendo parte da obra pública a executar, uma vez que só relativamente a estes faz sentido a sua organização e planeamento.

  8. Tal enquadramento normativo traz, assim, à tona aquela que é a verdadeira pedra de toque do presente dissídio (e que o Tribunal a quo pura e simplesmente se eximiu de analisar): saber se a colocação das telas finais é suscetível de ser enquadrada como atividade da obra e, nessa medida, se a sua inclusão no plano de trabalhos é ou não obrigatória à luz do n.º 1 do artigo 361.º do CCP.

  9. A este respeito, atendendo aos elementos normativos constantes dos diversos diplomas legais aplicáveis à matéria em apreço (Anexo I da Portaria n.º 701-H/2008, de 29 de julho e Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro), resulta evidente e cristalino que as telas finais correspondem a documentos, elaborados após o término da realização da obra propriamente dita, destinados a registar as alterações decorrentes da execução da mesma.

  10. Assim, aquilatada que está a natureza técnica e jurídica das telas finais e compulsado o conceito jurídico de obra pública (e de todas as operações que este alberga) torna-se claro perceber que o processo de elaboração e entrega das telas finais não é, de forma alguma, reconduzível às tarefas cujo resultado constitui uma obra pública, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 343.º do CCP.

  11. Por outras palavras, nunca a elaboração das referidas telas pode ser inserida no conceito de obras públicas, na estrita medida em que não é lógico (nem intelectualmente honesto) fazer inserir no seio desse conceito tarefas que comprovadamente o ultrapassam temporalmente, seja na sua efetivação, seja nos seus efeitos (reunião de condições para receção da obra).

  12. Neste prisma, a circunstância de os planos entregues pela Contrainteressada não terem qualquer referência a tal labor nunca poderia ser entendido, como foi pela Recorrida e pelo Tribunal a quo, como a constatação de uma omissão, por parte daqueles planos, relativamente a uma atividade da obra.

  13. Pelo contrário, os planos de trabalho com que a Contrainteressada fez instruir a sua proposta fazem uma referência expressa aos meios de vária natureza que a referida Concorrente pretendia afetar aos verdadeiros e efetivos trabalhos inseridos na execução da obra pública ora sob escrutínio, motivo pelo qual sempre deveria aos mesmos ser concedida (como foi) a pontuação máxima prevista no Anexo IV do Programa do Concurso.

  14. Aliás, afigura-se de elementar perceção que o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo sempre incorre numa contradição jurídica insanável, dado que o resultado que o legislador definiu para as situações em que um concorrente não apresenta todos os elementos pertencentes ao seu plano de trabalho seria a exclusão da proposta – e nunca, como se pretendeu fazer, a reavaliação da pontuação conferida a essa mesma proposta.

  15. Em suma, entendeu, como entende, o Recorrente que a valia técnica das propostas deveria ser apurada em função dos efetivos trabalhos que compõem a obra a executar – e não, conforme o que próprio legislador fez plasmar, de quaisquer outras tarefas acessórias que não devem integrar o plano de trabalhos.

  16. Nessa medida, é assim urgente, em nome da justa composição do presente litígio e da descoberta material dos factos, que a decisão recorrida seja revertida por este Colendo Tribunal, no sentido de ser reconhecida a valia técnico-jurídica da decisão de adjudicação procedimentalmente praticada, nos precisos termos.

    SEM PRESCINDIR, XIX. Como se não bastasse o enquadramento vindo de aludir, a conclusão de que os planos de trabalho apresentados pela Contrainteressada não teriam que ter qualquer referência à atividade de elaboração das telas finais para lhe poder ser atribuída a pontuação máxima é ainda corroborada pela própria natureza deste tipo de documento.

  17. Isto porque, sendo o plano de trabalhos tão diretamente ligado, entre outros, à ideia do cumprimento dos prazos de execução de cada um dos trabalhos inseridos na obra pública a executar, dificilmente se pode conceber como sendo de previsão obrigatório em tal documento qualquer referência à obrigação de entrega das telas finais.

  18. De resto, veja-se que a própria tarefa de elaboração e entrega das telas finais, além de ser apta a ser realizada por uma entidade distinta do próprio empreiteiro, implica necessariamente (ou, se se quiser, por expressa determinação normativa) que a obra se encontre concluída – motivo pelo qual se revela indubitável a impossibilidade da sua provisão no plano de trabalhos! XXII. Nessa medida, e porquanto não se verificam em relação a si nenhuma das circunstâncias que com a previsão da obrigatoriedade de apresentação do plano de trabalhos se pretende acautelar, torna-se evidente constatar que a elaboração das telas finais nunca poderia fazer parte do conteúdo legalmente obrigatório do plano de trabalhos, tendo, por esse motivo, bem andado o Júri do Procedimento ao desconsiderar tal atividade em sede de avaliação de propostas.

    SEM PRESCINDIR, XXIII. Sem prejuízo dos fundamentos vindos de aludir, a sentença prolatada nos presentes autos, e da qual ora se recorre, enferma de um vício absolutamente censurável provocado por uma interpretação imediatista das peças do procedimento.

  19. De seu modo, e tendo presente as próprias menções exemplificativas utilizadas pelo Tribunal a quo, importa atentar que as telas finais são apontadas como trabalhos incluídos na empreitada (cfr, a título de exemplo, os pontos 2, 6.3., 7.2. e 10 das Condições Técnicas de Infraestruturas Eletrotécnicas).

  20. Pois bem, parece ignorar o Tribunal a quo a distinção de conceitos acima operada entre a definição de “empreitada de obras públicas” (enquanto vínculo contratual oneroso que tem por objeto a execução de uma obra pública) e a definição de “obra pública (enquanto densificação do objeto principal do contrato de empreitada de obras públicas).

  21. Além do mais, a sua constatação, por mais verdadeira que se pudesse afigurar, não deveria dispensar o Tribunal a quo de analisar o regime legal aplicável ao caso concreto, incluso principalmente no CCP, de forma a garantir que a decisão a tomar respeitava todo o bloco normativo aplicável à situação sub judice.

  22. Ao não o ter feito, escapou ao Tribunal a quo todo o enquadramento que acima se tem feito à luz do diploma magno da Contratação Pública e que aponta, indubitavelmente, para a desnecessidade de inclusão nos planos de trabalho de qualquer referência à tarefa de elaboração das telas finais...

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