Acórdão nº 00777/08.5BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO E., LDA.

[doravante E.] e o MUNICÍPIO DE (...), devidamente identificados nos autos, vêm interpor recurso RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos presentes autos, que, em, 09 de julho de 2019, julgou a presente ação procedente, e, condenou o Réu MUNICÍPIO DE (...) a pagar à Autora E. o montante de € 82 905,01, acrescido de juros de mora desde a citação.

Alegando, a Recorrente E., formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO.

a.

Entendeu o douto Tribunal recorrido que passaria a ser aplicada a tramitação do artigo 45.° do CPTA, sujeita a um prazo normal, por nesta fase do processo não se estar perante um processo de contencioso pré-contratual.

b.

Algo confirmado na douta sentença recorrida.

c.

O presente recurso é então tempestivo, porquanto foi interposto no prazo de 30 dias contados da notificação da douta Sentença recorrida, nos termos do artigo 144.°, n.° 1, do CPTA.

  1. DA LEGITIMIDADE E DA SUCUMBÊNCIA.

    d.

    Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido, artigo 141.°, n.° 1, do CPTA.

    e.

    Como decidido na douta sentença, os juros são devidos desde a data da citação e até integral pagamento.

    f.

    Tendo a citação do Réu ocorrido no dia 31/12/2008, os juros são devidos desde o dia 01/01/2009.

    g.

    Contados à taxa civil, os juros sobre a quantia em que o réu foi condenado cifram-se na presente data em € 35.624,17.

    h.

    Já os juros sobre esta mesma quantia, calculados à taxa comercial, perfazem na presente data o total de € 66.948,64.

    i.

    A sucumbência da Autora é, portanto, € 31.324,47.

    j.

    A não qualificação da obrigação de juros legais peticionados desde a petição de 22/12/2008 como juros comerciais, implica a não satisfação parcial do pedido da Autora e aqui Recorrente.

    k.

    Razão pela qual, tem a Recorrente legitimidade e sucumbência para interpor o presente recurso restrito a essa questão da natureza dos juros devidos.

  2. DA ERRADA QUALIFICAÇÃO DOS JUROS PELO TRIBUNAL RECORRIDO.

    l.

    O douto Tribunal a quo, a fls. 32 da sentença em crise, entendeu não ser de aplicar ao presente caso a taxa de juro aplicável às obrigações mercantis porquanto “os montantes em causa não têm natureza contratual, mas antes indemnizatória”.

    m.

    Confundindo a natureza ou fonte da obrigação, com a indemnização, enquanto consequência da responsabilidade civil.

    n.

    E entrando em contradição na sua fundamentação, pois antes afirma que a indemnização fixada “visa colocar a autora na posição de mercado em que estaria se executasse o contrato em causa”, para depois, sem mais, afastar a natureza contratual - e comercial - da obrigação.

    o.

    Ao assim decidir, o tribunal recorrido cometeu grave erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

    p.

    E desaplicou o disposto no artigo 102.° do Código Comercial, em especial o seu parágrafo 3.°, violando ainda, entre outros indicados na alegação e que se dão por reproduzidos, os artigos 562.° e 564.° do Código Civil.

    Vejamos, q.

    Do atraso no cumprimento das obrigações pecuniárias são devidos juros de mora, a contar desde a data da citação.

    r.

    A ora Recorrente é comerciante, porquanto pratica com fins lucrativos uma atividade contínua e ininterrupta e o artigo 230.° do Código Comercial abrange no seu âmbito todos os comerciantes, quer estes pratiquem as atividades aí previstas, quer outros atos de comércio.

    s.

    Nos termos do artigo 102.°, e em especial do parágrafo 3.°, do Código Comercial, estão sujeitos à taxa de juros comerciais as empresas comerciais, singulares ou coletivas que pratiquem atos comerciais, sejam eles objetivos ou subjetivos.

    t.

    O que implica que a adjudicação do contrato público a que o Réu estaria adstrito, como se demonstrou nos autos (e que apenas por impossibilidade de reconstituição natural não foi condenado), configuraria um ato comercial, sendo-lhe, por isso, aplicável a taxa de juro moratória comercial.

    u.

    O interesse específico da Autora e aqui Recorrente era o de obter a adjudicação do contrato, porquanto a prestação de serviços em troca da correspondente compensação monetária é o propósito da sua atividade empresarial lucrativa.

    v.

    Resultando hoje provado nos autos (por prova documental, pericial e testemunhal), que a não ter existido exclusão da proposta da Recorrente, com toda a probabilidade o contrato ser-lhe-ia adjudicado.

    w. A impossibilidade absoluta de adjudicar o contrato à Autora, à data da prolação do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, determinando a conversão, por sua iniciativa, do pedido inicial por um pedido de indemnização que já subsidiariamente se aduzia, não implica a alteração da natureza da obrigação.

    x.

    Porque caso a decisão tivesse chegado em tempo útil, a Recorrente poderia ter obtido a adjudicação do contrato em causa, executando os serviços mediante a correspondente contraprestação.

    y.

    O douto tribunal recorrido não fixou à Autora uma qualquer indemnização extracontratual, mas uma indemnização correspondente ao lucro cessante que a autora obteria se não ocorresse impossibilidade e lhe tivesse sido adjudicado o contrato. Esses lucros cessantes correspondem à exata quantia que acresceria ao seu património em caso de fiel e integral execução do contrato.

    z.

    Pelo que se a Autora tivesse obtido aquele lucro com a prestação dos serviços, poderia ter aplicado esses fundos aos seus fins comerciais.

    aa.

    A reparação que se visou obter tem a mesmíssima natureza contratual que a adjudicação do concurso à ora Recorrente, caso a sua proposta não tivesse sido ilegalmente excluída.

    bb.

    Andou mal (e confundiu conceitos) a douta Sentença recorrida ao afirmar que a quantia em que o Recorrido foi condenado, resulta de indemnização e não tem natureza contratual, até por ser incoerente e parca nos seus fundamentos quer de facto quer de direito.

    cc.

    Acresce que a Autora não dispõe da quantia em causa, correspondente ao lucro cessante, desde longa data.

    dd.

    O facto de os juros serem contados desde a data da citação/interpelação, é ilustrativo de que a natureza da obrigação é contratual, porquanto se assim não fosse, teriam sido fixados a partir da prolação da decisão ou até da prática do ato ilícito, algo que não se verificou.

    ee.

    A desacertada fundamentação da douta Sentença, quer de facto quer de direito, relativamente à distinção entre “natureza contratual” e “natureza indemnizatória”, faz incorrer a douta sentença, neste trecho, em erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

    ff.

    O artigo 806.°, n.° 1 do Código Civil dispõe que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

    gg.

    O que implica que o caráter indemnizatório nada tem que ver com a concreta determinação da taxa aplicável.

    hh.

    Devendo o douto Tribunal recorrido ter distinguido, outrossim, entre fonte da obrigação de “natureza contratual” ou “natureza extra contratual”.

    ii.

    Existindo responsabilidade civil contratual, quando ela provém da “falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei, e extracontratual quando resulta da “violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem Vide nota n.5 2. Página 21 de 24 jj. Porquanto, tanto de fontes contratuais como de fontes extracontratuais, pode haver lugar a indemnização, nos termos dos artigos 798.° e 483.° do CC.

    kk.

    Pelo exposto, a indemnização, nos termos do artigo 562.° do CC, visa a reparação de um dano e tem por fim reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

    II.

    Sendo pedida a execução de contrato com o Réu e o recebimento do respetivo preço contratual pela Autora, nos termos do artigo 566.° n.° 1 do CC, uma vez que tal não foi possível, a indemnização é fixada em dinheiro, nos termos do artigo 566.° n.° 1 do CC.

    Ora, mm.

    Os lucros cessantes da Autora correspondem assim a essa indemnização, pois que esse valor resultaria na prestação do serviço, tendo como medida, nos termos do n.° 2 do artigo 566.° do CC, “a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos”.

    nn.

    Se não existissem danos, a Autora teria executado o contrato e destinando o seu lucro ao incremento da sua atividade.

    oo. E é evidente que os lucros cessantes a que o Réu foi condenado não emergem de fonte extracontratual, mas resultam de incumprimento do dever de celebração de contrato e decorrem da impossibilidade da sua execução.

    pp.

    Assim, o crédito de € 82.905,01 que a Recorrente tem na sua esfera jurídica sobre o Recorrido advém do incumprimento de uma obrigação e está sujeito à taxa de juros de mora aplicável às obrigações mercantis, conforme tem sido entendimento da jurisprudência invocada.

    qq. Saliente-se que a razão de ser da fixação de uma taxa de juro comercial mais elevada que a civil reside no facto de que “para elas [empresas] o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua atividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”.

    rr. Tanto que o parágrafo 3.° do artigo 102.° do Código Comercial apenas dispõe que os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.

    ss.

    De igual sorte, no âmbito do processo n.° 693/07.8BEPNF-A, o Município ora recorrido foi condenado a pagar à ora Recorrente montante a fixar em sede de execução de sentença pela não execução da prestação de serviços de “Atividades de Enriquecimento Curricular, durante o ano letivo de 2007/2008”, tendo sido fixado o montante dessa indemnização em €...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT