Acórdão nº 01167/17.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I Relatório J.

e A., no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a Junta de Freguesia de (...), e S. Metal, A., Lda., tendente, em síntese, à anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª Ré e a 2ª Ré, em 23 de Fevereiro de 2017, bem como, de todo o correspondente procedimento concursal, inconformados com a Sentença proferida em 20 de dezembro de 2019, que julgou a Ação totalmente improcedente, vieram interpor recurso jurisdicional para esta instância.

Formulam os aqui Recorrentes/J. e A.

nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentadas em 12 de fevereiro de 2020, as seguintes conclusões: “I. Está em causa nos presentes autos, saber se uma sociedade comercial, de que são únicos sócios e gerentes um Presidente de Junta e a sua esposa, pode celebrar com a freguesia um contrato de compra e venda de um imóvel, no âmbito de um concurso público – os recorrentes entenderam que não.

  1. A primeira instância nenhum mal viu nisso, considerando que pessoalmente o Presidente da Junta não interveio nem no concurso nem no contrato, e por isso não atendeu a pretensão dos AA., ora recorrentes.

  2. Os recorrentes discordam do douto entendimento do Tribunal a quo, e por isso interpõem o presente recurso, agora amparados no recente Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

  3. Além da matéria de direito, os recorrentes impugnam ainda um pequeno segmento da decisão da matéria de facto, já que, no seu entender, o ponto 9. dos factos provados deveria ter sido dado como assente com a inclusão dos factos a seguir sublinhados “A 2.ª Ré é uma empresa que tem por objeto social “…o fabrico, comércio, importação e exportação de ascensores de monta-cargas, serralharia civil e comércio de materiais para a construção civil e obras públicas…”, tendo por únicos sócios e gerentes A. (Presidente da Junta de Freguesia de (...)) e cônjuge D., casados entre si no regime da comunhão geral de bens”.

  4. O concreto meio probatório que impõe esta alteração é o documento nº5 (certidão permanente do registo comercial) junto com a petição inicial.

  5. Ainda no domínio da matéria de facto, não nos parece seja lícito ao Tribunal a quo dar como provado o que consta do ponto 13. dos factos provados, já que se tratam de conclusões que o julgador tira a partir de factos e não factos em si, e por isso deve ser eliminado.

  6. Quanto à matéria de direito, pelo facto de pessoal e diretamente, o Presidente da Junta não ter intervindo no procedimento concursal nem ter celebrado qualquer contrato com a freguesia, como é salientado na decisão recorrida, não deixa o negócio imaculado.

  7. Na verdade, o facto de a empresa adjudicatária/compradora de que o Presidente da Junta e a esposa, são os únicos sócios e gerentes, retira ao ato a aparente neutralidade, não podendo considerar-se que os mesmos são terceiros desinteressados.

  8. Numa correta e isenta aplicação da lei, na avaliação da proposta apresentada pela 2ª R./recorrida deveria ter o júri do concurso declarado a mesma impedida de participar no concurso a partir do momento em que tal proposta vem acompanhada da certidão permanente da sociedade proponente, da leitura da qual resulta que a mesma é detida a 100% pelo Presidente da Junta e pela sua esposa e dela sendo ambos gerentes.

  9. E mesmo ao nível da sociedade, atentando no contrato de compra e venda, constata-se que para a sua celebração mostrou-se necessária uma ata da assembleia geral da sociedade, ou seja, uma deliberação dos sócios, pelo que do ponto de vista pessoal também não se pode negar a existência de uma ponte de contacto entre a pessoa do Presidente da Junta e o negócio celebrado (cfr. pág. 4 do Título de Compra e Venda H.3 Documentos Arquivados).

  10. Ora, a personalidade coletiva não pode servir para alcançar fins que a lei veda pessoalmente àqueles de que dela se servem, sob pena de se encontrar uma forma fácil de contornar a proibição legal, colocando em causa a confiança na imparcialidade que os cidadãos devem ter nos entes públicos.

  11. Tendo isso presente, recentemente, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2019, proferido no processo nº 088/18.8BEPNF, de que foi relator o Conselheiro José Veloso, veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que para efeitos de aplicação do artigo 4º, alínea b), subalínea v), do Estatuto dos Eleitos Locais, o sócio e único gerente de uma sociedade empreiteira que seja, simultaneamente, presidente de uma junta de freguesia e, por inerência, membro da assembleia do respetivo município, está impedido de celebrar contrato de empreitada entre essa sociedade e este município – disponível em www.dgsi.pt.

  12. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, pelo menos, o disposto no Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/6, designadamente o seu art.º 4.º, al. b), subalínea v), assim devendo ser interpretado e aplicado este preceito legal.

  13. Deve, assim, ser revogada a douta decisão proferida, e substituída por outra que julgue a ação procedente, com a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ªR. e a 2ª R. em 23/02/2017 e bem assim de todo o procedimento concursal a ele conducente, que culminou naquele ato, mormente a deliberação do Júri do concurso e a adjudicação que se lhe seguiu. Assim decidindo, farão Vossas Excelências Justiça.

A Recorrida/ S. LDA, veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 18 de março de 2021, tendo aí concluído: “1. O ato administrativo objeto da presente ação administrativa especial não sofre de nenhum vício formal ou material, muito menos dos alegados vícios que lhe são imputados pelos Recorrentes.

  1. De facto, todo o procedimento concursal e ainda o referido contrato de compra e venda que se pretende ver anulado, não padecem de qualquer vício formal ou material.

  2. O presidente da junta Sr. P. não teve qualquer intervenção, nem no procedimento concursal, nem na celebração do referido contrato.

  3. Quem assinou o contrato, na qualidade de sócia gerente da aqui Recorrida foi a esposa do presidente da Junta, não existindo nenhuma lei que a proibisse de ter celebrado tal contrato, ou que diga que tal intervenção implica a anulação do referido contrato ou que este padece de algum vício e logo seja inválido.

  4. A lei não proíbe, e por maioria de razão não comina com a invalidade, um contrato celebrado entre uma pessoa coletiva de direito público, por um lado, e uma pessoa coletiva de direito privado, por outro lado, ainda que nesta última seja titular de uma participação social maioritária um dos membros do ente público.

  5. Acresce ainda que, todas as pessoas que tiveram intervenção quer no procedimento concursal, quer na celebração do contrato, não são pessoas próximas, nem familiares do Presidente da Junta, nem de um dos gerentes da aqui Recorrida, logo, nunca sequer é possível afirmar que foi colocada em questão a transparência do procedimento concursal, ou que este foi realizado por e entre um círculo fechado de pessoas.

  6. Saliente-se ainda que o referido contrato celebrado nunca fez com que a aqui Recorrida obtivesse vantagem patrimonial para si ou para outrem, pois foi pago o preço devido pelo prédio objeto do contrato de compra e venda, preço esse definido pela Junta de Freguesia de (...), Junta de Freguesia que teve subjacente à afixação de tal preço parecer de perito (constante na lista oficial) externo do imóvel para fixação do valor base de venda.

  7. Acresce ainda que, defender que efetivamente a aqui Recorrida estaria impedida de celebrar contrato por ter como sócios o Presidente e a esposa do mesmo seria até inconstitucional, por força da violação do princípio da igualdade, e da autonomia privada.

  8. Assim sendo, o procedimento administrativo que conduziu à alteração do acima referido regulamento não sofre de nenhum vício na formação, nem padece de nenhum vicio, por maioria de razão, o contrato celebrado.

  9. Devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

    Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, quanto à decisão de facto e de direito, nos termos doutamente decididos pelo tribunal recorrido, fazendo-se assim a costumada Justiça.

    A Entidade Recorrida/Junta de Freguesia, veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso igualmente em 18 de março de 2021, tendo aí concluído: “1. Inexistem fundamentos para a modificação da decisão de facto, muito menos nos termos requeridos pelos Apelantes.

  10. De acordo com o princípio do dispositivo, o Tribunal não pode, nem deve, ex officio, substituir-se às partes e suprir a omissão de alegação de factos. E, por maioria de razão, não pode dar como provados factos que não foram alegados pela parte que deles se quer aproveitar.

  11. Percorrida a petição inicial, constata-se que os Apelantes não alegaram a factualidade que agora reclamam seja aditada ao ponto 9. dos factos provados.

  12. Acresce que, a factualidade pretendida aditar não se prova por certidão comercial, mas antes por certidão emitida pela conservatória do registo civil.

  13. Não obstante, do ponto de vista do objeto da presente ação e do pedido formulado pelos AA., o regime de bens não tem qualquer relevância jurídica em termos de influir a decisão final.

  14. Contrariamente ao sufragado pelos Apelantes, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 351º do Cód. Civil).

  15. Por conseguinte, o facto desconhecido extraído por ilação (ou presunção) de um facto conhecido não deixa de ser também um facto e, por conseguinte, resultando provado por prova por presunção terá que inevitavelmente integrar os factos provados, a não ser que seja destituído de relevância para a decisão.

  16. Inequivocamente, o facto vertido em 13. dos...

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