Acórdão nº 00466/18.2BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO MUNICÍPIO DE (...), devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, em 31.03.2020, julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela absolutamente incompetente para a apreciação da presente ação e, consequentemente, absolveu a Ré, aqui Recorrida, ÁGUAS (...), S.A.

, da instância.

Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1ª O teor literal do n° 3° da cláusula 9ª do contrato de fornecimento junto com a Petição Inicial como documento n° 2, e da cláusula 10ª do contrato de recolha de efluentes junto com a Petição Inicial como documento n° 3, exceciona da sujeição ao Tribunal Arbitral as questões relativas a faturação, ao seu pagamento ou falta dele, sendo-lhe apenas obrigatoriamente submetidas, fruto da referida convenção, «todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato».

  1. Na Petição Inicial o Autor referiu expressamente estarem em causa questões de faturação, mais concretamente de não pagamento da totalidade das quantias faturadas.

  2. Por erro de julgamento, entendeu o TAF de Mirandela que a causa de pedir alegada na Petição Inicial dizia respeito a questões de interpretação ou execução dos contratos em causa, desvalorizando a falta de pagamento expressamente alegada, e considerando tal como «questões pontuais e eventualmente de menor complexidade».

  3. Alegar o não pagamento de 419.880,48 € (em razão de faturação indevida) é questão de faturação, concretamente de falta de pagamento, e não é questão pontual e de menor complexidade.

  4. Nos artigos 60° a 62° da Petição, o Autor referiu-se a faturação em excesso no período compreendido entre 28 de junho e 28 de dezembro de 2018, remetendo para o documento junto sob o n° 12, no qual constam expressamente identificadas as 18 (dezoito) faturas colocadas em causa pelo Autor, emitidas pela Ré no período compreendido entre 28 de junho e 28 de dezembro de 2018, e aí constam os números das faturas, as datas de emissão, a sua descrição e os valores, bem como constam os valores pagos pelo Município, os valores não pagos, e o número dos ofícios e datas através dos quais aquelas faturas foram devolvidas à então ATMAD e solicitada a emissão da competente nota de crédito.

  5. Essa circunstância, esses dados, consubstanciam por forma inequívoca questão relativa à faturação, ao seu pagamento, ou falta dele.

  6. A ordem ou a sequência de formulação dos pedidos não constitui indicador absoluto da sua decrescente importância e, no caso concreto, o pedido principal formulado pelo Autor, o que verdadeiramente lhe interessa, é o que consta formalmente em 4° lugar, isto é, que seja reconhecida a existência de faturação indevida, que não tem que pagar, a quantia de 419.880,48 €.

  7. Porque o Autor não poderia ter formulado esse pedido (o único que lhe interessa) de forma desgarrada e/ou descontextualizada, formulou antes pedidos meramente instrumentais, que ao pedido principal haveriam de conduzir e a fim de o suportar.

    1. Aquelas cláusulas 9ª do contrato de fornecimento e 10ª do contrato de recolha de afluentes, quando referem que cada uma das partes poderá a todo o momento recorrer à arbitragem, à qual poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução dos contratos com exceção das respeitantes à faturação e ao seu pagamento ou falta dele, não estão a excluir, por forma expressa, o recurso ao Tribunal, que jamais poderá ser restringido, limitado ou diminuído.

    2. Aquelas cláusulas devem antes ser entendidas como uma hipótese, como uma possibilidade, como uma alternativa, que ficou na disponibilidade de cada uma das partes exercer ou não. Aliás, se essa tivesse sido a vontade das partes, as mesmas teriam escrito algo mais objetivo, que lhe atribuísse cunho de obrigatoriedade/imperatividade.

  8. Prevendo-se em convenção de arbitragem que “Ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com exceção das respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”, não fica preterida essa instância quando o Autora peticiona em juízo o reconhecimento de valores indevidamente faturados e se considere legítima a falta de pagamento dos mesmos.

    1. Em face da causa de pedir submetida a juízo, tratando-se de questões de faturação e pagamento, mais concretamente de falta de pagamento, dos valores constantes nas faturas identificadas, a apreciação do litígio em causa é da competência do TAF de Mirandela, e não do Tribunal Arbitral.

  9. Ao assim não considerar, a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação ou de julgamento, que importa reconhecer e declarar, devendo, em consequência, ser a mesma revogada, com consequente baixa dos autos à 1ª instância, para os autos aí prosseguirem a sua ulterior tramitação (…)”.

    *Notificado que foi para o efeito, a Recorrida não produziu contra-alegações.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

    *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao declarar-se absolutamente incompetente para a apreciação da presente ação, incorreu em erro de julgamento de direito.

    Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.

    * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico [e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…) 1.

    Por contrato de concessão outorgado em 26.10.2001 entre o Estado Português e a sociedade «ÁGUAS (...), S.A.», foi por aquele atribuída a esta, pelo prazo de 30 anos e em regime de exclusividade, a concessão da exploração e gestão, abrangendo a conceção, construção de obras e equipamentos, bem como a exploração, reparação, renovação e manutenção, do sistema multimunicipal de abastecimento de água em alta e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, de diversos municípios, entre os quais o MUNICÍPIO DE (...) (cfr. doc. 1 da p.i.) 2.

    Em 26.10.2001, entre o Autor e a «ÁGUAS (...), S.A.» foi outorgado um contrato de fornecimento de água, destinada ao abastecimento público, denominado “Contrato de Fornecimento entre o MUNICÍPIO DE (...) e a ÁGUAS (...), S.A.”, do qual consta, além do mais, o seguinte:[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. doc. 2 da p.i.)); 3.

    Na mesma data, entre o Autor e a «ÁGUAS (...), S.A.» foi outorgado um contrato de recolha de efluentes, denominado “Contrato de Recolha de Efluentes entre o MUNICÍPIO DE (...) e a ÁGUAS (...), S.A.”, com o seguinte teor parcial:[imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. doc. 3 da p.i.).

    4. Em 27.06.2007, entre o Autor e a ÁGUAS (...), S.A., foi outorgado um acordo escrito denominado “Acordo de Repartição de Custos para Recolha e Tratamento de Águas Residuais Domésticas dos Subsistemas de Águas Residuais de Bragança e Izeda”, com o seguinte teor parcial: “(…) 1. ENQUADRAMENTO Na sequência do Contrato de Concessão ente o Estado Português e as ÁGUAS (...), S.A. para a Exploração e Gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, e ainda do Contrato de Recolha de Efluentes celebrado entre o MUNICÍPIO DE (...) e as ÁGUAS (...), S.A. em 26 de outubro de 2001, esta última beneficiou, ampliou e posteriormente...

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