Acórdão nº 00951/19.9BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 05 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO 1.1.
C., S.A.
, com sede na Casa (…), NIPC (…), interpôs o presente recurso de decisão de aplicação de coima, ao abrigo do disposto no art.º 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10 (doravante RGCO), na sequência da coima aplicada pelo Senhor Vereador da Câmara Municipal de (...) no valor de € 5.000,00, acrescido de € 25,50 a título de custas devidas pela instrução do processo de contraordenação, com fundamento na violação do disposto no art.º 4.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12 (doravante RJUE), , p. e p. nos termos do art.º 98.º, n.º 1, al. a), deste último diploma.
A Recorrente encerrou as conclusões formulados, peticionando a procedência do recurso de impugnação judicial da decisão condenatória proferida no âmbito do processo de contraordenação GSP n.º 13/2019 P-COG e, em consequência: a) Ser determinado o arquivamento dos autos, com fundamento na falta de notificação do início do procedimento, na falta de notificação do auto de notícia que subjaz ao presente processo contraordenacional e ainda na preterição do direito de audiência prévia; Caso assim não se entenda, b) Ser a Impugnante totalmente absolvida, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade contraordenacional; Subsidiariamente, e) Ser o ato que aplicou uma sanção contraordenacional à Impugnante declarado nulo ou, pelo menos, anulado, por violação dos ditames da determinação concreta da coima, ínsitos no artigo 18.º do RGCO.” 1.2. O recurso contraordenacional foi admitido liminarmente, e foi proposto pelo Ministério Público que a decisão a proferir fosse por mero despacho, ao que a Recorrente não se opôs, conforme requerimento que apresentou a manifestar essa posição.
1.3.
O TAF de Penafiel proferiu saneador-sentença cujo dispositivo é do seguinte teor: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente o presente recurso de decisão de aplicação de coima, e, em consequência, mantenho na íntegra a coima aplicada à recorrente.
**Condeno a recorrente no pagamento das custas processuais devidas, fixando-se o seu quantitativo em 3 UC’s – cf. art.º 8.º, n.º 7, e tabela III do RCP.
**Registe, notifique e deposite.» 1.5. Inconformada com o assim decidido, a recorrente interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: «I. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação de uma coima, no valor de 5.000,00€, e custas, no montante de 25,50€, aplicada pelo Município de (...) à ora Recorrente, no âmbito do processo de contraordenação GSP n.º 13/2019 P-COG.
II.
Para sustentar a sua decisão, o Tribunal a quo considerou que os vícios que a Recorrente assacou à decisão punitiva não mereciam acolhimento e que a medida concreta da coima aplicada não merecia censura e era até “desproporcionada para menos”.
III.
Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com o sentido da decisão ora em crise, porquanto a mesma, conforme se propõe demonstrar, incorre em manifesto erro de julgamento de Direito.
IV.
No caso sub judice, vem a Recorrente acusada de ter construído um muro de suporte e vedação em pedra, com altura aproximada de 0,80 metros, e ripas de madeira sobrepostas, com altura aproximada de 1,20 metros, sem qualquer controlo urbanístico prévio – circunstância, à luz do dispositivo ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 98.º do RJUE, configura uma contraordenação sancionável com uma coima que, para as pessoas coletivas, varia entre os 1.500,00€ e os 450.000,00€.
V.
Instado a apreciar a legalidade do procedimento em causa e a concreta sanção aplicada à Recorrente, o Tribunal a quo entendeu que o Município cumpriu todos os ditames da lei nesta matéria e que a sanção aplicada deveria até ser de valor superior, olvidando, contudo, que, na determinação do montante da coima, o Município fez tábua rasa dos critérios fixados para o efeito no RGCO e decidiu, sem elementos bastantes, pela aplicação de uma coima de valor manifestamente desproporcional face ao incumprimento da Recorrente.
VI.
No que tange à determinação do montante da coima concretamente aplicada no âmbito de um processo contraordenacional, deverá a entidade administrativa autuante atender aos pressupostos plasmados no artigo 18.º do RGCO, a saber: (i) gravidade da contraordenação; (ii) culpa do agente; (iii) situação económica do agente; (iv) benefício económico retirado da prática da contraordenação.
VII.
Quanto à gravidade da infração, inexistindo no RJUE parâmetros de graduação da gravidade das infrações urbanísticas, impende sobre o Município a obrigação de apreciar a conduta do particular em crise à luz da importância do bem jurídico violado e das exigências de prevenção geral.
VIII.
No caso concreto, a Recorrente violou as determinações legais que impõem que, a realização de operações urbanísticas com relevo, devem ser submetidas a controlo prévio por parte da Administração.
IX.
No entanto, a Recorrente tinha já desencadeado o procedimento de licenciamento necessário para o efeito, encontrando-se o mesmo já na fase de apreciação dos projetos de especialidades.
X.
Como tal, razão alguma existe para que considere a infração como grave, uma vez que, caso assim fosse, todas as infrações seriam graves, perdendo razão de ser o pressuposto da gravidade ínsito no n.º 1 do artigo 18.º do RGCO.
XI.
Tendo em conta a factualidade considerada provada – nomeadamente, o facto de a Recorrente ter desencadeado o procedimento de licenciamento devido e ter respondido a todas as solicitações do Município e a circunstância do referido procedimento estar perto do fim – deveria a infração aqui em causa ser considerada, no mínimo, leve.
XII.
Na medida em que esta consideração influi diretamente na concreta medida da coima, constatando-se que o Município não realizou esta ponderação, outra não pode ser a conclusão senão a de que merece censura a decisão impugnada e, por maioria de razão, a sentença recorrida.
XIII.
No que tange ao requisito da culpa do agente, será de ponderar, neste concreto ponto, que a Recorrente apenas se limitou a construir um muro que se inseria no âmbito de uma operação urbanística mais complexa, cujo procedimento de licenciamento se encontrava já em curso.
XIV.
Verificando que o procedimento se encontrava em fase final e que era altamente provável vir a ser proferida uma decisão favorável à sua pretensão, tendo também em conta o lapso temporal já decorrido desde a data de entrada do seu pedido, a Recorrente tinha a convicção de que a construção do referido muro não acarretaria prejuízos e não seria sancionada, agindo, deste modo, de forma negligente.
XV.
Tal circunstância não foi devidamente ponderada na análise empreendida pelo Município no que respeita à fixação do quantum punitivo, pelo que, também neste trecho merece reparo o julgamento realizado pelo Tribunal a quo à conduta do Município.
XVI.
No que respeita à situação económica do agente, entendeu o Tribunal a quo que nenhum juízo negativo haveria a tecer à decisão punitiva do Município.
XVII.
Com efeito, para efeitos de fixação da concreta medida da sanção a aplicar, impende sobre o Município a obrigação de apurar a concreta situação em que o infrator se encontra, solicitando-lhe, se for caso disso, os elementos necessários para o efeito, não podendo bastar-se com meras presunções.
XVIII.
Sem prejuízo de constatar que não dispõe de quaisquer elementos atualizados sobre o estado de saúde financeira da Recorrente, entendeu o Município recorrer aos resultados financeiros de 2016 que esta haveria facultado num outro procedimento administrativo, tomando ainda em consideração que a mesma se encontrava a realizar várias obras.
XIX.
Afigura-se manifestamente contrário os mais elementares ditames em matéria contraordenacional uma presunção de lucros tendo por base alegados serviços prestados pela Recorrente (quer quanto à sua efetiva concretização, quer quanto aos seus respetivos montantes).
XX.
Aqui chegados, sendo a situação económica do agente um dos pressupostos a que o Município tem que atender para efeitos de fixação da medida concreta da coima, tendo o mesmo sido ignorado, dúvidas não restam de que o quantum determinado é manifestamente ilegal.
XXI.
Relativamente ao benefício económico retirado da prática da contraordenação, como é bom de ver, a Recorrente vantagem alguma retirou da situação em apreço, sendo certo que, como o próprio Município admite, não existem dados para concluir o contrário.
XXII.
Não se diga que o facto de ter “poupado” as taxas urbanísticas devidas pela operação em causa representa um qualquer benefício económico. Isto porque, como o próprio Município admite e o Tribunal reconhece, a Recorrente desencadeou o procedimento de licenciamento devido para levar a cabo a sua pretensão, impendendo sobre si a obrigação de liquidar as taxas urbanísticas devidas, a final.
XXIII.
Acresce que, não pode a Recorrente deixar de notar que o Tribunal a quo, no que a este concreto ponto se refere, lhe tece uma série de juízos depreciativos, porquanto a mesma não juntou aos autos qualquer prova que infirme a conclusão do Município de que a sua situação financeira é estável.
XXIV.
Salvo o devido respeito, é de sublinhar que não é sobre a Recorrente que impende a obrigação de provar a situação económico-financeira, uma vez que, sendo este um dos pressupostos que o Município deve atender para fixar a concreta medida da coima, é sobre o mesmo que recai o dever de apurar a factualidade necessária para atestar essa condição – verificação que não foi realizada! XXV.
No caso vertente, a verdade é que se desconhece quais os critérios de que o Município lançou mão para determinar a medida concreta da coima, pelo que outra não pode ser a conclusão senão a de que, sendo a sanção superior ao mínimo legal...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO