Acórdão nº 483/19.5BELLE-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A...

intentou no TAF de Loulé contra o Município de Faro, sendo Contra-interessados J...

e mulher T...

, a presente providência cautelar, tendo em vista a suspensão de eficácia do despacho proferido em 21.03.2019 pela Vereadora das Infraestruturas do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro, pelo qual foram licenciadas, em nome dos Contra-interessados, as obras de alteração e ampliação de um edifício com manutenção de fachada, construção de anexo e de piscina, no âmbito do processo de obras n.º 07/2017/325 (licenciamento titulado pelo alvará de obras de alteração e ampliação n.º 26/2019, de 16.04.2019).

Por sentença de 28.12.2019 foi julgada improcedente a pretensão cautelar e absolvida a Entidade Requerida do pedido.

Não se conformando com o assim decidido veio a Requerente interpor o presente recurso para este Tribunal Central Administrativo, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: 1. A douta sentença em crise julgou improcedente a requerida providência cautelar com fundamento na falta de verificação do requisito periculum in mora, previsto no art. 120.°/1 do CPTA, não se pronunciando sobre os demais critérios de procedibilidade das providências cautelares previstos no art. 120.° do CPTA - fumus boni iuris e critério de ponderação de danos - cujo conhecimento julgou prejudicado.

  1. A douta sentença recorrida julgou não verificado o periculum in mora considerando que os alegados prejuízos advenientes para a requerente da falta de arejamento, iluminação natural e exposição solar, em consequência da construção da garagem pelos contra-interessados, não constituem de modo algum, no plano dos factos, danos irreversíveis ou de difícil reparação.

  2. Em síntese, a douta sentença recorrida considera que mesmo admitindo que a requerente sofra prejuízos em resultado da construção da garagem dos contrainteressados, advenientes da restrição à luz, exposição solar e arejamento do seu prédio, os mesmos encontram-se devidamente acautelados pela ordem jurídica, seja através da demolição da parte edificada ilegal, seja através da indemnização, jamais constituindo, por causa disso, uma situação de facto consumado irreversível, que necessite de ser acautelada por receio da sentença da acção principal não vir a tempo de regular de forma útil a situação em apreço, mais acrescentando que, atendendo ao acervo de factos alegados pela requerente nos autos, nenhum é susceptível de consubstanciar um prejuízo sério e efectivo que possa ser qualificado de irreparável ou de difícil reparação.

  3. A douta sentença em crise faz errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação do Direito.

  4. Com efeito, dos factos provados resulta que no alçado do prédio da ora recorrente existe uma janela ao nível do rés-do-chão que vai ser tapada pela garagem prevista no projecto dos contrainteressados, que confina com essa parede do prédio da recorrente, sem qualquer afastamento à extrema do mesmo (alíneas C), D) E) e F) dos factos provados), e bem assim que o projecto em causa foi licenciado pelo Município de Faro, tendo sido emitido o corresponde alvará de licença de obras (alíneas G), H), I, e J) dos factos provados).

  5. A ora recorrente alegou e concretizou no RI que a construção da garagem dos contrainteressados com a consequente tapagem da janela existente na parede do seu prédio irá prejudicar as condições de salubridade do seu edifício, reduzindo o respectivo nível de arejamento, iluminação natural e exposição solar, o que aliás constitui um facto notório, invocando que, por isso, a execução do acto suspendendo terá necessariamente como efeito a diminuição das condições de habitabilidade do seu prédio, violando os seus direitos à habitação, urbanismo, ambiente e qualidade de vida, constitucionalmente consagrados, para além de violar as normas de edificação constantes dos art.s 58.°, 60.° e 73.° do RJEU.

  6. Os prejuízos alegados pela recorrente são prejuízos que, por natureza, se produzirão ao longo do tempo pois, como é evidente, a construção da garagem dos contrainteressados encostada à parede do seu prédio tem imediatamente como consequência a diminuição das condições de habitabilidade do mesmo e essa situação prolongar-se-á necessariamente até para lá da decisão da acção principal pois caso seja anulado o acto de licenciamento, as condições de habitabilidade do prédio só serão repostas com a demolição dessa obra em execução da sentença proferida nessa acção.

  7. Assim, a execução do acto suspendendo com a construção da garagem causa uma imediata diminuição nas condições de salubridade do edifício da recorrente, criando dessa forma uma situação de facto consumado no que concerne á diminuição do respectivo nível de arejamento, iluminação natural e exposição solar, afectando imediatamente os interesses que a recorrente visa assegurar no processo principal, isto é, a manutenção das condições de habitabilidade do seu prédio.

  8. E por outro lado, apesar de teoricamente ser possível a reintegração no plano dos factos da legalidade urbanística mediante a demolição total ou parcial da referida garagem, os factos concretos alegados pela ora recorrente inspiram o fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação pois a reintegração no plano dos factos perspetiva-se difícil e morosa e os prejuízos para a recorrente irão começar a produzir-se imediatamente após a construção da garagem e perdurarão ao longo do tempo até à reposição da legalidade urbanística, razão pela qual a reintegração da legalidade urbanística não é tout court susceptível de reparar esses prejuízos.

  9. De tudo resultando que os factos alegados pela recorrente permitem perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica no caso do processo principal vir a ser julgado procedente, sendo que os prejuízos decorrentes para a ora recorrente da execução do acto suspendendo são prejuízos dificilmente ressarcíveis por o seu cálculo ser impossível, ou, no mínimo, extremamente difícil, razão pela qual verifica-se in casu o requisito do periculum in mora, previsto no art. 120.°/1 do CPTA.

  10. Termos em que ao decidir em contrário, a douta sentença recorrida fez errada interpretação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação do direito, maxime da acima referida disposição legal, que assim se mostra violada, e como tal deve ser revogada.

  11. Atento o que antecede e considerando o disposto no art. 149.° do CPTA, a ora recorrente reitera que se verificam os outros dois requisitos previstos para a decretação da providência cautelar, isto é fumus boni iuris e critério de ponderação de interesses, pelas razões aduzidas nos art.s 32.°a 43.° e 51.° e 52.° do RI.

  12. Nesta sede existe matéria controvertida que releva para a decisão do mérito da causa, qual seja a de apurar se a janela em causa sempre existiu no prédio como sustenta a ora recorrente, e por isso é perfeitamente legal (dado que o prédio foi construído no início do século XX, e portanto em data anterior a 7 de Agosto de 1951, data da entrada em vigor do RJEU), ou não, como sustentam o Município de Faro e os contrainteressados.

  13. Termos em que, para efeitos da decisão da verificação dos requisitos da providência cautelar, cuja apreciação a douta sentença recorrida considerou prejudicada, deverá haver lugar à produção de prova, nos termos do disposto no art.° 149.°/4 do CPTA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Recorrente, por requerimento de 16.09.2020, juntou 1 documento (certidão emitida pela C.M. de Faro, datada de 30.12.2019).

• Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não se pronunciou.

• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

• I. 1.

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