Acórdão nº 3415/15.6BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Março de 2021
Magistrado Responsável | PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO |
Data da Resolução | 04 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO J.....
(Recorrente) vem, na ação administrativa especial proposta contra o Banco de Portugal (Recorrido), interpor recurso jurisdicional do despacho saneador proferido em 01/12/2016 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, concretamente, no que se refere ao indeferimento do requerimento de probatório apresentando pelo Recorrente com o fundamento de que “o tribunal considera não existir matéria controvertida que releve para a decisão da causa”.
Com efeito, o Recorrente vem, na presente ação, impugnar a deliberação prolatada pelo Recorrido em 03/08/2008, nos termos da qual foi determinado que o Recorrente, “para efeitos da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com a redação que lhe foi dada pela deliberação do mesmo Conselho de Administração de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) (“Deliberação de Resolução”), contribuiu para o agravamento da situação financeira do BES enquanto membro do seu Conselho de Administração cujo mandato se iniciou em 2012”.
O Recorrido contestou e, em 01/12/2016, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, no qual, a final, indeferiu o requerimento probatório do Recorrente com os fundamentos de que a matéria em discussão “não é suscetível de prova oral” e de que “o tribunal considera não existir matéria controvertida que releve para a decisão da causa”.
Inconformado com este segmento decisório, o Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, clamando pela revogação do despacho saneador naquela parte e, em consequência, pelo prosseguimento dos autos com a produção de prova nos termos do art.º 91.º e seguintes do CPTA.
As alegações do recurso do Recorrente culminam com as seguintes conclusões: “1.
Não obstante o significado e o alcance dos documentos juntos aos autos cujo relevo nem deve nem pode ser desvalorizado, o comportamento do Autor foi complementado por um conjunto de acções invocadas na petição inicial cuja veracidade só poderá ser avaliada e apreciada em fase da prova testemunhal produzida, nomeadamente com os responsáveis da supervisão da Ré ao tempo, tal como foi requerido no quadro da prova testemunhal.
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É o que resulta dos artigos 30º, 58º e 1ª parte do artigo 59º.
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Ora tais factos a serem provados demonstram que o Autor levou até às últimas consequências as medidas tomadas para modificar a orientação e modelo da "governance" instituída que conduziu às dificuldades da instituição no quadro de uma conduta diligente e vigilante.
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Por outro lado, o próprio Réu admite expressamente que foram as operações financeiras com impacto negativo de cerca de 1,5 mil milhões de euros., envolvendo a recompra de títulos BES, maioritariamente emitidos nos primeiros meses de 2014 que acarretaram a degradação dos rácios exigidos legalmente e determinaram a deliberação da resolução, operações essas apenas identificadas na 2ª quinzena de Julho de 2014.
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Mostra-se em consequência muito relevante compreender que tais operações foram escamoteadas à Comissão Executiva pelos responsáveis do pelouro, não tendo o Autor em termos de competência funcional qualquer possibilidade ou capacidade de intervenção de forma directa ou indirecta em tais movimentos.
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A serem provados tais factos ficará bem patente que não tinha o Autor qualquer possibilidade de evitar os eventos danosos, por se integrarem em competências funcionais a que era alheio, e terem sido deliberadamente escamoteados à Comissão Executiva.
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A apreciação destes factos e a sua eventual prova permitirá fazer concluir que, quer no âmbito da banca de investimento à qual o Autor disponibilizava cerca de 90% do seu tempo e à área de risco na qual dedicava 10% do seu tempo, em parceria com o administrador Dr. J....., não tinha o Autor qualquer ligação ou interferência nas operações financeiras realizadas pela Direcção Financeira que ditaram a medida de resolução, conforme a Ré reconhece.
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Por outro lado, alegou o Autor nos artigos 69º a 77º da pi que o colapso do BES se deveu à prática dolosa das referidas operações financeiras.
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Não é por outro lado indiferente para a apreciação do objecto do litígio, tendo em conta as diversas soluções de direito preconizadas pelas partes, a comparação entre a actuação dos restantes administradores da instituição, mesmo no que respeita àqueles que não tiveram qualquer participação nos actos dolosos que segundo a Ré deram origem à medida de resolução e o comportamento do Autor.
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Nestes termos, o alegado pelo Autor nos artigos 78º a 81º e 87º da pi, não pode deixar de ser incluído como elemento de prova.
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Acresce que tendo em conta o já invocado pelo Autor no que respeita aos artigos 30º, 58º e primeira do artigo 59º, cabe igualmente sujeitar a prova do alegado no artigo 84º, relativamente às informações verbais prestadas ao mais alto nível.
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Assim, deverá sujeitar-se a prova se a Ré teve conhecimento detalhado das acções empreendidas pelo Autor também através de informações verbais prestadas ao mais alto nível.
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A sujeição à prova das questões ora elencadas são também decisivas para justificar as razões pelas quais o Autor não podia nem devia ter conhecimento da prática dos actos que contribuíram para a criação ou agravamento da situação financeira do BES, tudo tendo feito, na medida das suas possibilidades institucionais para corrigir ou alterar as deficiências da "governance".
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Nestas condições, também não é despiciendo sujeitar a prova, o facto de a própria Ré ter defendido publicamente desde o início de 2014 que se mantinham intactas as condições financeiras de estabilidade e segurança no BES, tendo autorizado e colaborado na iniciativa de aumento de capital em Maio de 2014, tal como alegado nos artigos 101º e 102º.
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Finalmente, socorre-se a Ré do facto de o Autor não ter estado presente em muitas reuniões da Comissão Executiva para lhe endossar uma quota de qualquer responsabilidade no colapso ocorrido.
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Ora, o alegado nos artigos 104º a 106º e 119º a ser provado, é bem revelador da irrelevância de tal fundamento.
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Em suma, as questões de facto que ora se elencaram não podem deixar de ser consideradas relevantes para aferir da postura do Autor, nomeadamente quando se confrontam perspectivas de interpretação jurídica opostas - a do Autor assente no exercício efectivo do dever de diligência e de vigilância e na inexistência de culpa e de ilicitude e a da Ré alicerçada na responsabilidade e solidariedade objectiva dos administradores.
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O despacho recorrido, no entendimento do Autor, omite a apreciação deste conjunto de factos que se consideram necessários para a boa apreciação do pleito com violação do n.º 2, do artigo 90; e alínea c), do n.21,do artigo 87º, ambos do CPTA.
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Sendo o disposto no Código do Processo Civil aplicável supletivamente, igualmente se invoca a violação do disposto nos artigos 410º, 413º e 596º do C.P.C.
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Nestas condições, enferma de ilegalidade o despacho recorrido, devendo em consequência ser revogado, procedendo-se à produção de prova nos termos do artigo 91º e seguintes do CPTA.
Como é de Justiça!” O Recorrido Banco de Portugal, notificado para contra-alegar, prescindiu da apresentação das mesmas.
*O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer de mérito, oferecendo a sua concordância com a decisão agora sob recurso.
*Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
*** Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se o despacho saneador, na parte que vem agora impetrada, padece de erro de julgamento, concretamente, se afronta o preceituado nos art.ºs 90.º, n.º 2 e 87.º, n.º 1, al. c) do CPTA e o disposto nos art.ºs 410.º, 413.º e 596.º do CPC.
II- APRECIAÇÃO DO RECURSO O Recorrente vem, no vertente recurso jurisdicional, impetrar o despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo em 01/12/2016, no segmento decisório atinente ao indeferimento do requerimento de produção de prova, bem como à consideração de que não existe matéria de facto relevante controvertida, pois que já se encontra demonstrada pelos documentos juntos pelas partes.
Clama o Recorrente que, tendo alegado matéria de facto que foi expressamente impugnada pelo Recorrido, impunha-se ao Tribunal a quo a seleção de temas de prova e a inerente produção de prova, mormente, a prova testemunhal cuja produção foi requerida, desde logo, na petição inicial. Mais aduz o Recorrente que, a matéria de facto em discussão apresenta-se absolutamente relevante para a demonstração de que, contrariamente ao juízo firmado pelo Recorrido na deliberação impugnada, assumiu uma atuação vigilante e contestatória de várias práticas e métodos de atuação das sociedades financeiras em causa, bem como para a demonstração de que não só desconhecia a real situação financeira das sociedades, como não a poderia conhecer atentas as concretas funções que desempenhava.
Por estas razões, sufraga o Recorrente que, atendendo a que a matéria factual em questão é relevante, que não está demonstrada na prova documental oferecida, que é passível de prova testemunhal e que, encontrando-se expressamente impugnada, sempre se impunha ao Tribunal recorrido elencar os temas da prova e sujeitar os mesmos a instrução, mormente, à produção de prova testemunhal.
Por conseguinte, a decisão de indeferimento da produção de prova, bem como os fundamentos que a esteiam, padecem de erro de julgamento, em virtude da violação do estipulado nos art.ºs 90.º, n.º 2 e 87.º, n.º 1, al. c) do CPTA e o disposto nos art.ºs 410.º, 413.º e 596.º do CPC.
Passemos, pois, ao exame da decisão recorrida.
O despacho saneador proferido pelo Tribunal recorrido tem o seguinte teor: “O tribunal é competente em razão...
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