Acórdão nº 1050/14.5T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 - Relatório.

D… e mulher M… (AA) intentaram contra … Banco, S.A. (R) acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo a condenação deste a reembolsá-los de imediato do capital de € 185.000,00, acrescido do valor correspondente à taxa remuneratória que lhes foi garantida, de € 20.202,00 à data de 24-08-2014 e ainda dos juros de mora à taxa de 4%, desde essa data até integral reembolso.

Para tanto, em síntese, alegaram que investiram num produto apresentado pela B…, S.A. como sem risco, com garantia de capital e de remuneração, sendo esta muito atraente e superior aos depósitos a prazo, e que no termo do prazo previsto, após transferência para a R, não lhes foi reembolsado por esta o montante aplicado acrescido da remuneração, invocando que haviam adquirido acções, o que de todo ignoravam, sentindo-se enganados, invocando a responsabilidade civil contratual do … Banco.

Em contestação, a R invocou a sua ilegitimidade, a ineptidão da petição inicial e que os AA sempre procuraram investir em produtos cujas mais-valias não tivessem de ser reportadas às autoridade alemã, onde tinham residência, como as acções, tendo realizado diversas operações de compra e venda destes valores mobiliários, pelo que sabiam perfeitamente que as estavam a adquirir, até porque proporcionavam um rendimento líquido muito superior a um depósito a prazo.

Realizou-se audiência prévia, em que foram indeferidas as invocadas ineptidão da petição inicial e ilegitimidade.

Antes do julgamento, a R juntou documentos relativos às deliberações do BdP (não transferência da responsabilidade do B… para o … Banco) e pediu que fosse declarada a sua ilegitimidade substantiva.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa.

Após, conferiu-se contraditório quanto à eventual inconstitucionalidade de parte da resolução de 03-08-2014, do artigo 145.º-H, n.º 5 do RJICSF, na interpretação referida, e das deliberações do Banco de Portugal de 11-08-2014 e 29-12-2015.

Os AA pugnaram pela inconstitutionalidade do referido e a R pela não verificação que qualquer inconstitucionalidade.

Foi proferida sentença, na qual foi julgado: “Recusar a aplicação: - da exclusão prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03-08-2014 por directamente inconstitucional na interpretação de que aí se integram - ou seja, ficam excluídos da transmissão para a …Banco, S.A. - as obrigações (passivo) da B…, S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do Grupo E…) propostos pela instituição financeira B…, S.A., como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, por inconstitucional, pela violação grave de garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança; - da norma contida no pretérito artigo 145.0-H, n." 5, do RGICSF na interpretação de que podem ser objecto da transferência aí prevista as obrigações (passivo) da B…, S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do Grupo E…) propostos pela instituição financeira B…, S.A., como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, por inconstitucional, pela violação grave das garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da protecção da confiança; - das deliberações posteriores a 03-08-2014 por ilegais, em virtude de terem estribado na interpretação inconstitucional da norma contida no pretérito artigo 145.o-H, nº 5, do RGICSF, acima referida, e por serem directamente inconstitucionais, na interpretação de que podem ser objecto das mesmas as obrigações (passivo) da B…, S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do Grupo E…) propostos pela instituição financeira B…, S.A., como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, pela violação grave das garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da protecção da confiança e, bem assim, a deliberação de 29-12-2015 - denominada "Contingências"¬pela grosseira violação do princípio da separação de poderes; • Julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, condenar a … Banco, S.A. a pagar a D… e mulher M… a quantia de € 205.202,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 24-08-2014 até integral pagamento; Custas da acção a suportar pela R. Registe e notifique.” Foram interpostos recursos para o tribunal constitucional pelo MP, Banco de Portugal e … Banco, tendo o mesmo decidido não conhecer do objecto dos recursos.

Inconformado com a sentença, o Banco de Portugal interpôs recurso contra a mesma para este tribunal, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «a. Como se procurou demonstrar no nº II destas alegações, tem o Banco de Portugal, à luz do disposto no art. 631º/2 do CPC, legitimidade para interpor o presente recurso; b. É que tendo ele a seu cargo os interesses públicos da resolução bancária, da estabilidade do banco de transição, da protecção dos depositantes do banco resolvido, e dos contribuintes e do erário público, é directa e efectivamente prejudicado pela sentença aqui recorrida, pois que com ela tornam-se inúteis e desprovidas de efeitos, no caso concreto, as suas Deliberações de 3 e de 11 de Agosto de 2014 e de 29 de Dezembro de 2015, tomadas a propósito da resolução do BES; c. Legitimidade, essa, do Banco de Portugal que se funda na jurisprudência (convocada nestas alegações) do Tribunal Constitucional tirada a propósito da legitimidade de uma entidade pública terceira para recorrer, nos termos do art. 631º/2 do CPC, de uma sentença proferida em processo em que não fora parte; d. Uma decisão que considerasse não ter o Banco de Portugal legitimidade para a interposição judicial do presente recurso – precludindo a possibilidade de o ora Recorrente sustentar, contra quem o põe em causa, o exercício legítimo da sua competência legal e a possibilidade de fazer valer a legalidade e aplicabilidade dos seus actos e respectivos efeitos –, uma decisão dessas, dizia-se, violaria, de forma frontal, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20ºda CRP; e. Devendo antes pugnar-se por uma interpretação do art. 631º/2 do CPC conforme à Constituição e a essa garantia fundamental nela consagrada, reconhecendo-se portanto legitimidade ao Banco de Portugal para interposição deste recurso – como, aliás, já lhe reconheceu, num primeiro momento, a própria Comarca de Santarém e o Tribunal Constitucional, num segundo momento, não tendo nenhum deles rejeitado por ilegitimidade o recurso de constitucionalidade antes interposto da decisão de que agora se vem aqui apelar junto desta Relação; f. Como acima se viu, as Deliberações do Banco de Portugal sub iudice são, inequivocamente, como na própria sentença recorrida de maneira expressa se reconhece, verdadeiros e típicos actos administrativos, pelo que aquilo que estava em causa nos presentes autos era decidir da (in)validade de actos administrativos do Banco de Portugal e dos efeitos por eles produzidos (ou não) sobre a relação jurídica entre os Autores e o B…/… Banco; g. Sucede que a competência para julgar da validade e da aplicação às situações por elas abrangidas dos efeitos das mencionadas Deliberações do Banco de Portugal, em matéria de resolução do B…, cabe aos Tribunais Administrativos, única e exclusivamente, como resulta de maneira clara do estabelecido no art. 212º/3 da CRP e da disposição dele decorrente vazada depois na alínea b) do art. 4º/1 do ETAF [e residualmente da respectiva alínea o)]; h. É que, como é consabido, os meios processuais idóneos de impugnação da validade de actos administrativos e de oposição à (ou de recusa da) produção dos seus efeitos encontram-se estabelecidos e regulados, exclusivamente, nos arts. 2º/2, 37º, 50º, 51º e outros do CPTA – não existindo na jurisdição cível, compreensivelmente, meio processual adequado para o efeito; i. Como consta do nº III destas alegações, resulta ser indiferente para avaliar da bondade jurídica da sentença recorrida o facto de todos os Tribunais, quaisquer Tribunais, terem competência para avaliar da (in)constitucionalidade de normas jurídicas, de quaisquer umas, e as aplicar ou desaplicar nos feitos concretos submetidos ao seu julgamento (art. 204º da CRP), pois que, sendo essa proposição verdadeira nesse pressuposto, não o é manifestamente quando se esteja perante um feito, uma acção, cujo julgamento não cabe na competência material do Tribunal accionado – como sucede quando um Tribunal Judicial é chamado a conhecer da validade e dos efeitos de um acto administrativo cuja apreciação se encontra legalmente atribuída, em exclusivo, aos Tribunais Administrativos; j. Nesse caso, como é sabido, o primeiro (e único) juízo e decisão que cabe ao Tribunal formular são os da aferição e declaração da sua própria incompetência, pois que, constatada esta, tudo o mais que se prenda com o julgamento do respectivo pedido (salvo quanto à eventual remessa ao Tribunal competente), deixa de interessar automaticamente ao Tribunal incompetente; k. O Tribunal da Comarca de Santarém é pois incompetente, nos termos dos citados preceitos do art...

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