Acórdão nº 2173/04.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO G….., S.A (antes designada B….., SA; doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 30.09.2014, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinente ao exercício de 2000.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nesse seguimento, a 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora. Recorrente, a qual tem por objeto a apreciação jurisdicional das correções à matéria coletável subjacentes à emissão da liquidação n.° ….., que apurou um valor a reembolsar de EUR 2.806.210,83, referente a IRC do exercício fiscal de 2000.

  1. O Tribunal a quo deferiu apenas parcialmente o pedido da ora Recorrente, sendo que as questões materiais objeto do presente recurso prendem-se com a análise da legalidade das correções à matéria coletável não anuladas pelo Tribunal a quo, a saber: i) dedutibilidade do IRS suportado sobre prémios atribuídos em concurso e ii) benefícios fiscais aplicáveis aos rendimentos decorrentes da comercialização dos seguros unit linked.

  2. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na falta de prova por parte da Recorrente sobre a titularidade dos ativos referentes ao seguro unit linked.

  3. Nos termos do disposto no artigo 651.° do CPC, depois do encerramento da discussão, só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em 1 ,a instância.

  4. No caso sub judice parece evidente que a necessidade de junção de documentação adicional decorre direta e exclusivamente do teor da sentença proferida e da necessidade de efetuar prova adicional face aos argumentos invocados pelo Tribunal a quo, o que se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos de admissão de diversa documentação passível de comprovar a titularidade dos rendimentos subjacentes às correções ora sindicadas relacionadas com os seguros unit linked (matéria de facto dada como não provada em 1.ª instância).

  5. Ao não ordenar qualquer diligência probatória, o Tribunal a quo violou os seus deveres de inquisitório, padecendo a decisão recorrida de deficiente ou insuficiente base instrutória, a qual deverá ser ampliada face à prova documental ora junta e cuja admissão se torna imprescindível face ao teor da solução jurídica encontrada pelo Tribunal recorrido.

  6. Acresce que ao contrário do invocado na sentença recorrida, as correções ora sindicadas não estão fundamentadas com base numa alegada falta de documentação, mas sim na caracterização jurídico-fiscal dos rendimentos gerados a partir da apólice, padecendo, a decisão recorrida de manifesto erro de julgamento, H) De igual modo deverá ser refutada a argumentação aduzida para desvalorizar o parecer do Prof, SALDANHA SANCHES, uma vez que as alterações legislativas invocadas pelo Tribunal a quo em nada alteraram a natureza ou as características dos seguros unit linked, nem tão pouco a natureza e tipificação dos rendimentos gerados a partir desses produtos financeiros, os quais estão previstos na legislação seguradora e contabilística desde os anos 90.

  7. Com efeito, os produtos unit linked já estavam consagrados expressamente no nosso ordenamento jurídico, nos termos do número 3 do artigo 124.° do DL 94-B/98, de 17 de abril (ao contrário do que é afirmado pelo Tribunal a quo), mas também porque uma análise atenta do preâmbulo do DL 60/2004 permite-nos concluir que o objetivo primordial deste diploma, e das alterações promovidas, se prende exclusivamente com o reforço dos mecanismos de informação e proteção dos direitos do tomador do seguro, dada a complexidade crescente deste tipo de produtos financeiros.

  8. Neste sentido, cumpre esclarecer este Venerando Tribunal que as questões abordadas pelo Ilustre Professor no referido Parecer prendem-se (i) em primeiro lugar com a definição da titularidade dos ativos e do risco subjacente a estes produtos, (ii) com a possibilidade de aplicação a estes produtos dos benefícios previstos no artigo 46.° do CIRC e 22.° do EBF; e ainda (iii) com a relevância da contabilização de provisões técnicas para definição do regime fiscal aplicável na esfera da seguradora.

  9. Os seguros de capitalização “Unit-linked” consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um ativo subjacente escolhido pela Recorrente, que poderão ser ações ou unidades de participação detidas pela mesma.

    L)Parece, assim, relativamente pacífico que estamos perante um produto do ramo vida associado a uma carteira de investimentos cuja titularidade pertence à ora Recorrente e cuja rentabilidade está dependente da rentabilidade dos ativos que a Recorrente afetar a esse seguro (a carteira de títulos que compõe o património do fundo).

  10. Conforme resulta de forma cristalina do Parecer do Professor SALDANHA SANCHES junto aos presentes autos, a Administração Tributária parece ignorar a existência de duas relações jurídicas distintas, a saber: (i) a relação entre a seguradora e o tomador do seguro; e (ii) a relação entre a seguradora e o mercado de investimento (entidade que comercializa os produtos financeiros a que está ligada a rentabilidade do seguro).

  11. A dualidade destas relações está perfeitamente comprovada nos autos, uma vez que inexiste qualquer relação entre os segurados e as entidades em quem a seguradora aplica os valores investidos pelos segurados, pelo que o tomador do seguro não é o titular dos ativos subjacentes aos investimentos efetuados pela seguradora, sendo, assim, inequívoco que os fundos autónomos são da titularidade da ora Recorrente.

  12. Resumindo, conforme resulta também da prova documental junta com as presentes alegações, o tomador do seguro unit linked não recebe juros, não é titular de quaisquer ações ou valores mobiliários, não recebe dividendos, antes limita-se a ter uma quota ideal sobre um rendimento futuro o qual está indexado aos ativos detidos pela seguradora, in casu a ora Recorrente, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

  13. Delimitadas as matérias acima, e no que respeita concretamente à correção relativa à eliminação da dupla tributação económica, a questão decidenda resulta em determinar se a Recorrente, nos rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro, pode beneficiar do regime de eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 45.° do CIRC, na redação em vigor à data dos fatos tributários.

  14. Os rendimentos gerados pelas participações sociais em carteiras em que o risco de investimento seja suportado pelo tomador de seguro e em que foram aplicadas as reservas técnicas da ora Recorrente constituem rendimentos desta, nomeadamente para efeitos do artigo 45.° do CIRC.

  15. Tal conclusão não é prejudicada pelo facto de a Recorrente ser obrigada a registar provisões técnicas por contrapartida dos rendimentos obtidos com os investimentos, ao contrário do invocado pela Administração Tributária para fundamentar a presente correção; S) Cumpre salientar que os seguros Unit-linked implicaram desde sempre e ao abrigo do Plano de Contas para as Empresas de Seguros (aprovado pela Norma Regulamentar n.° 7/94, de 27 de Abril - “PCES 94") a constituição de provisões técnicas, por forma a acautelar os pagamentos futuros a efetuar aos respetivos subscritores.

  16. As provisões técnicas não se destinam a anular o efeito contabilístico do registo do proveito referente a lucros distribuídos, mas sim provisionar as obrigações futuras assumidas perante os subscritores dos seguros unit-linked.

  17. As provisões técnicas, inscritas na contabilidade da Recorrente, não são referentes aos rendimentos dos títulos detido na carteira de investimentos da Recorrente, mas sim, ao valor das unidades de conta que consubstanciam responsabilidade da seguradora, decorrente do seguro de capitalização celebrado com o respetivo tomador.

  18. A este respeito, conclui SALDANHA SANCHES no parecer junto aos presentes autos que, “Afirmar (...) que o facto de a empresa provisionar o montante dos dividendos distribuídos (por fazer parte das suas responsabilidades) impede-a de utilizar o mecanismo de eliminação da dupla tributação é negar arbitrariamente às empresas sujeitas a provisões obrigatórias determinadas pela sua entidade reguladora um mecanismo que decorre do princípio da tributação do rendimento real, constituindo uma restrição à actividade económica das empresas seguradoras sem qualquer base legal”.

  19. Contudo, na ótica da Administração Tributária, ficaria prejudicada a aplicação do artigo 45.° do CIRC, dado que os proveitos da seguradora são anulados por um registo na conta de custos, “não afetando a base tributável, condição referida no n.°1 do artigo 45.° do CIRC.” X) Trata-se de uma asserção que não pode proceder, desde logo porquanto não tem apoio na letra e no espírito do artigo 45° do CIRC, conforme se passa a evidenciar.

  20. De facto, como bem se demonstrou nos presentes autos, sendo a Recorrente titular (jurídica e economicamente) dos ativos financeiros aos quais estão indexadas as unidades de conta - os quais fazem parte do seu ativo -, nenhuma dúvida restará que os proveitos gerados com os ativos detidos nos fundos autónomos, devidamente registados como tal na sua contabilidade e integrantes consequentemente do resultado contabilístico do exercício, encontram-se incluídos na base tributável da Recorrente, Z) Assim é evidente que tais rendimentos fazem parte do lucro...

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