Acórdão nº 717/10.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANTÓNIO ZIEGLER
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECCÂO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 - RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J….. e D….., da liquidação adicional de IRS de 2005, na importância total de 4 084,48.

Para o efeito apresenta as seguintes conclusões: 1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a impugnação deduzida por J….. (e Outros) da liquidação de IRS referente ao ano de 2005, no montante de € 4.084,48.

  1. A douta sentença afirma ser a Impugnante um nome conhecido no âmbito da arte plástica pelo grande público, pelo que, considerando que a propriedade intelectual sobre a criação não se confunde com a obra, têm de ser qualificadas as peças transmitidas, e que geraram o rendimento em causa nos presentes autos, como obras de arte originais produzidas pela autora, tratando-se de rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único, entendimento do qual clara e respeitosamente discorda a Fazenda Pública.

  2. Sucede que a douta sentença conclui serem qualificadas as peças transmitidas pela impugnante como obras de arte originais produzidas pela autora, estando em causa rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único, sem que proceda à enumeração das premissas de facto que permitam alcançar tal juízo, pois as supostas premissas são já conclusões em si próprias.

  3. Se, por um lado, o facto notório de J….. ser um nome conhecido do grande público não permite qualificar todo o trabalho por si desenvolvido como obra de arte de exemplar único, por outro lado, não se percepciona como, por via desse singelo facto, conclui a douta sentença terem de ser consideradas as “peças transmitidas e que geraram o rendimento aqui em causa” nos autos como obras de arte originais produzidas pela autora.

  4. Pois que, dos factos assentes resulta apenas e tão só a enumeração das facturas n.°s 26, 30, 31, 32, 34, 39, 40, 41 e 43 (pontos c., g., h., i., o., p., q. e s. da alínea E) do probatório), dos quais resulta somente a referência a “Escultura «Coração Independente» (ponto c. da alínea E) dos factos provados), a prestações da peça «Ópio» (pontos g., h., L, o., p. e q. da alínea E) dos factos provados) e «Venda da peça Carrossel» (ponto s. da alínea E) dos factos provados), daí não resultando, sem mais, que estejamos perante obras de arte de exemplar único, facto contrariado pelas próprias facturas, das quais não consta qualquer referência à alienação de peças de “exemplar único”.

  5. E à mesma conclusão se chega no referente ao contrato de compra e venda da peça Ópio, porquanto do mesmo consta que estejamos perante obra de arte de exemplar único, como prescreve o n.° 1 do artigo 56.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

  6. E quanto à peça Coração Independente, vejamos que no referente à factura correspondente constante do ponto c. da alínea E) do probatório já referida, não consta também menção ao facto de se tratar de exemplar único, mais se devendo atentar a que a cláusula 7.a do contrato de compra e venda de tal peça, junto aos autos com a p.i. como documento n.° 11 (e não contante do probatório) permitida a reprodução da obra, decaindo assim o seu estatuto de alegado exemplar único.

  7. Mais, de tal contrato resulta que o objecto do mesmo se restringe à execução e aquisição da peça (cláusula 5.a do contrato), excluindo-se a montagem, pelo que, o facto constante do ponto j. da alínea E) do probatório, referente a factura emitida por ocasião da prestação de serviço de montagem da peça «Coração Independente», nunca se poderia incluir no conceito de obra de arte de exemplar único, não sendo, por isso, os rendimentos qualificáveis como rendimentos de propriedade intelectual à luz do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

  8. Por outro lado, e com referência à peça “Ópio” considerou a douta sentença como provado que as facturas n.° 27, 28 e 29 constantes dos pontos d., e., e f. da alínea E) dos factos provados, referentes à primeira, segunda e terceira prestações da peça Ópio, emitidas a favor de E….., S.A., foram anuladas e emitidas então as facturas n.° 30, 31 e 32 constantes dos pontos g., h. e i. da alínea E) dos factos provados, referentes também à primeira, segunda e terceira prestações da peça Ópio, emitidas desta vez a favor de Q….., S.A., mas não demonstra em que factos alicerçou tal conclusão, pois das facturas apresentadas com a p.i. tal facto não resulta, e a alegação subsequente de que as mesmas terão sido anuladas mostra-se insuficiente, considerando que os documentos apresentados com o fim de provar a anulação se limitam a cópias, não resulta das mesmas que tenham sido anuladas, e considerando ainda que tal não menção não se enquadra no comportamento habitual da impugnante no referente ao tratamento dado às facturas anuladas, pois da factura n.° 35 consta expressamente a sua anulação (vide facto contante no ponto I. da alínea E).

  9. E, quanto à prova testemunhal, a que a douta sentença não se refere nos factos provados, neste particular aspecto, adiantou a segunda testemunha não ter conhecimento efectivo da explicação a dar às duas supostas transmissões da mesma peça a entidades diversas, mas acrescentou que tal facto se poderia ter devido ao facto de “os coelhos terem roído a estrutura da peça”, no local onde a mesma se encontrava montada, explicação esta pouco inteligível mas esclarecedora quanto à possibilidade de a peça poder ter sido alienada mais que uma vez.

  10. Ainda, quanto à peça denominada “Carrossel” e indicada no ponto s. da alínea E) dos factos provados, constata-se não figurar da respectiva factura n.° 43 menção de se tratar de exemplar único, nem existir contrato de compra e venda da peça junto aos autos de que resulte tal alusão.

  11. Por sua vez, os factos constantes dos pontos a., b., k., m., n. e r. da alínea E) do probatório referem-se a factos não subsumíveis no conceito de transmissão, do qual faz depender a douta sentença a qualificação dos rendimentos percebidos a título de rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único; os pontos a. e b. da alínea E) referem-se a uma exposição, cujos contornos e conteúdo se desconhecem, e não são enunciados na douta sentença, nem tão pouco demonstrados pela impugnante; o ponto K. da alínea E) do probatório refere-se a montagem da peça “Valquíria” no âmbito de exposição cujas circunstâncias de tempo, modo, lugar e conteúdo se desconhecem, e não são enunciadas na douta sentença, nem referidas pela impugnante; já o ponto n. da alínea E) dos factos provados se refere a operação que não se reporta a transmissão de qualquer peça; e o ponto r. da alínea E) do probatório não se refere também à alienação de qualquer peça, pelo que, dificilmente enquadrável na qualificação de alienação de obras de arte de exemplar único levada a cabo pela douta sentença.

  12. Por fim, o ponto m. da alínea E) do probatório refere-se a “produção e execução de uma peça de cerâmica produzida a 200 exemplares pela F…..”, daí não decorrendo a unicidade do exemplar produzido, dificuldade que se adensa atento o facto de ter sido a peça de cerâmica produzida em número que ascende a 200 exemplares(l), e importaria, assim, determinar quantas peças de cerâmica transformou ou tratou a impugnante, e em que termos tal afirmada pela douta sentença transformação ou tratamento aconteceu, mas a douta sentença não aborda o tema, aceitando como verdade insofismável que uma qualquer alegada transformação concede à peça de cerâmica produzida em 200 exemplares o estatuto de obra de arte de exemplar único.

  13. E, desta forma verificamos que qualquer dos factos pretendidos reconduzir pelo Tribunal a quo ao conceito de obras de arte de exemplar único se mostra deficientemente qualificado, pois que, ou não está em causa a alienação de qualquer peça, ou está em causa a alienação de peça cujos contornos de execução, por desconhecidos, não permitem a sua consideração como obra de arte, ou estamos perante alegada obra de arte cuja reprodução é permitida, ou estamos perante obra de arte sem estatuto de exemplar único.

  14. Com efeito, não basta à impugnante alegar tratar-se de rendimentos decorrentes da alienação de obra de arte de exemplar único, cabe-lhe fazer a prova de tais factos, contextualizando a percepção de tais rendimentos quanto às circunstâncias de tempo, modo, lugar, com individualização concreta e precisa de cada uma das peças em causa nos autos, bem como procedendo ao necessário nexo de causalidade entre cada uma das peças e o rendimento percebido.

  15. E à douta sentença não bastará a enunciação das...

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