Acórdão nº 635/17.2T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório E. C.

instaurou a presente acção declarativa de processo comum contra J. F. e M. F.

, pedindo a condenação destes: a) pagarem à autora a quantia de € 4.959,00 a título de lucros cessantes; b) pagarem à autora o que vier a apurar-se a título de lucros cessantes, pela perda de rendimentos futura; c) pagarem à autora a quantia de € 5.950,08 pelas despesas suportadas pela autora desde a data do acidente até à presente data; d) pagarem à autora a quantia de € 15.000,00 a título de danos morais; perfazendo um total de € 25.909,08, acrescido de juros legais, contados da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, ter-se deslocado, em 26/10/2016, à banca dos réus na feira semanal de Fafe onde escolheu umas calças e para as experimentar dirigiu-se ao provador improvisado que aqueles tinham no local para o efeito.

Este provador estava cheio de roupas e cabides. Ao entrar teve de se agachar e ao levantar-se um gancho dos vários cabides que aí se encontravam ficou espetado no olho direito da autora.

Na sequência do sucedido foi submetida a intervenções cirúrgicas, consultas e tratamentos, mas perdeu uma parte significativa da visão.

Sofreu também danos patrimoniais, estes advenientes da perda de rendimento em virtude da incapacidade para desempenhar cabalmente a sua actividade profissional de cabeleireira, bem como as despesas em que incorreu.

Responsabiliza os réus pelo acidente causado por não terem providenciado pelas condições mínimas de segurança daquele espaço por si explorado.

Refere que o acidente sofrido ficou a dever-se exclusivamente à actuação imprudente e descuidada dos réus que “construíram” um provador improvisado junto ao seu espaço de venda sem as condições mínimas de segurança e assim não providenciaram pela segurança dos utilizadores, sabendo que poderiam advir danos para estes. Mais referiu que a conduta ilícita dos réus fê-los incorrer em responsabilidade civil com o consequente dever de indemnizar a autora nos termos dos art. 483º, 563º, 564º, 565º e 566º do C.C..

*Os réus contestaram a acção defendendo-se por impugnação e pugnando pela absolvição do pedido.

*Foi dispensada a realização da audiência prévia.

Foi fixado o valor da acção, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio, foram enunciados os temas de prova, foram admitidos os requerimentos probatórios e foi designada data para audiência final.

*Ordenou-se a realização de perícia médico-legal.

A autora apresentou articulado superveniente com ampliação do pedido passando o valor do pedido para € 66.982,08, acrescida de juros vencidos sobre a totalidade do valor desde a citação e sobre o valor ampliado desde a data da notificação do presente até integral e efectivo pagamento.

Na audiência de julgamento de 15/06/2020 foi admitida a ampliação do pedido, foram aditados temas da prova e procedeu-se à produção de prova, a qual continuou em 10/07/2020.

*Após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: “Face ao exposto, nos termos e com os fundamentos supra, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos contra si formulados. (…)”*Não se conformando com esta sentença veio a autora dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “A - Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. em que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados.

B - Entende a recorrente que tal decisão não está conforme à lei e aos factos que se podem extrair da prova documental junta aos autos bem como da prova produzida em audiência de julgamento, pois, ao decidir como decidiu, a douta sentença fez errada apreciação e interpretação dos factos e, consequentemente, errada aplicação do direito.

C – A douta sentença proferida conclui que não obstante os danos inequivocamente sofridos pela Autora, a verdade é que não estão verificados os pressupostos da procedência de qualquer pretensão indemnizatória contra os Réus, pois ficou por demonstrar nos autos qualquer atuação dos Réus, por ação ou omissão, que fosse causal do dano sofrido pela Autora.

D - Decisão esta que não se concebe nem pode conceber-se, atendendo desde logo à factualidade dada como provada, e ao facto de o tribunal a quo reconhecer inequivocamente os danos sofridos pela Autora.

E - Ao contrário do que se conclui na douta sentença recorrida, da prova documental junta aos presentes autos e das regras da experiência, facilmente se chega à conclusão que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos dos Réus.

F – No modesto entendimento da Autora/Recorrente, o Tribunal a quo não valorizou devidamente os documentos juntos aos autos, desde logo os diversos relatórios clínicos que atestam a incapacidade da Autora e as lesões por si sofridas.

G - O Tribunal a quo deu como provado que “em virtude do sucedido, a Autora perdeu uma parte significativa da visão, que não sabe se recuperará”, dando também como provado que “a Autora apresenta diplopia vertical na posição primária, na levo e infraversão com torcicolo compensador com consequentes queixas músculo-esqueléticas a nível cervical”.

H - Deu ainda como provado que, em consequência do acidente sofrido, “a Autora sofreu, assim, um período de défice funcional temporário total de 8 dias; período de défice funcional temporário parcial de 1100 dias; período de repercussão temporária na atividade profissional total de 180 dias; período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 928 dias; quantum doloris fixável no grau 4/7” e que “a Autora apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 22 pontos; repercussão permanente na atividade profissional; dano estético permanente fixável no grau 3/7; repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7”, dando também como provado que “a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 7.11.2019”.

I - Tudo isto resulta do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, junto aos autos em 13 de dezembro de 2019, que reforçou toda a prova pericial anteriormente junta a propósito da situação clínica da Autora/Apelante, e dos danos e lesões por si sofridas.

J - A Autora/Recorrente sofreu um acidente na banca de venda dos Réus, quando, de forma a experimentar uma peça de roupa e ao entrar num provador improvisado que os Réus lá tinham espetou, um cabide no olho.

K - E pese embora o tribunal a quo tenha entendido que não foi possível apurar em que objeto se feriu a Autora, reconhece sem margem para dúvidas que a Autora efetivamente sofreu um acidente e que o sofreu no interior do provador da banca de venda dos Réus.

L - Não releva a nosso ver, nem pode revelar, o argumento do tribunal a quo de que a Autora se possa ter ferido ao manusear ela própria descuidadamente algum objeto – como um cabide – ou algum acessório que trouxesse, desde logo porque não é sequer concebível que a Autora trouxesse consigo um cabide ou outro qualquer objeto suscetível de lhe causar as lesões sofridas e, muito menos que se ferisse propositadamente no olho.

M - Não pode relevar também o argumento do tribunal a quo de que a Autora, em sede de declarações prestadas em audiência de julgamento, não sabia afinal como ocorrera o acidente que a vitimou nem que objeto a atingiu, embora acreditasse ser um cabide.

N - A Autora não tem dúvidas sobre o acidente que a vitimou nem sobre as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, mas como o tribunal a quo bem referiu encontra- se ainda visivelmente fragilizada em termos emocionais, desde logo por estarmos perante um evento traumático, que alterou toda a vida da Autora, e que ocorreu já há quatro anos, pelo que não pode o tribunal a quo afirmar que a Autora não sabia como ocorrera o...

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