Acórdão nº 384/09.5IDBRG.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 384/09.5IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Competência Genérica de Vieira do Minho, no dia 02.06.2020, pela Exma. Juiz foi proferido despacho com o seguinte teor (fls. 6 - referência 168137037): «Veio o arguido, J. C. requerer, ao abrigo do disposto no artigo 2º da Lei Nº 9/2020, de 10/04, a remessa ao TEP da certidão da sentença com nota do trânsito em julgado e dos despachos prolatados, respetivamente, em 28/11/2011 (ref.ª 613175); 10/11/2017 (ref.ª 165189510) e 20/02/2019 (ref.ª 165189510), a fim da pena de 13 meses de prisão em que o mesmo foi condenado beneficiar do regime excepcional do perdão previsto no referido diploma legal.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido.

Cumpre apreciar.

Em primeiro lugar refira-se que se encontra ainda pendente de decisão, ou pelo menos, a mesma não terá ainda transitado em julgado, o recurso interposto pelo arguido do despacho que determinou o cumprimento da pena em que foi condenado, em regime de permanência na habitação, não autorizando as saídas para o exercício da actividade profissional de construção civil por conta própria.

Posto isto, resulta que o arguido em data anterior à entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10.04, não tinha ainda a qualidade de “recluso”, porquanto o mesmo não havia iniciado o cumprimento da pena, na medida em que a decisão que determinou o cumprimento da pena de 13 (treze) meses de prisão em regime de permanência na habitação, ainda não havia transitado em julgado, o que ainda se verifica.

Entendemos, assim, que não lhe é aplicável o regime excepcional da Lei 9/2020, de 10.04, aplicável apenas a “reclusos”, ou seja, a condenados por decisão transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor desta lei (n.º 7 do art.º 2.º e art.º 11.º - até 10/04/2020,) que se encontrem em cumprimento da pena de prisão à data da sua entrada em vigor (11/04/2020).

Neste segmento, indefere-se o requerido pelo arguido.

Notifique.» ▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. C. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 8 a 14): «1ª - Independentemente do respeito - que é muito - que o mesmo lhe merece, não pode o Recorrente conformar-se com o mui douto despacho recorrido proferido pelo Ex.mo Tribunal a quo que, no caso dos presentes autos, determinou a inaplicabilidade do regime excecional consagrado na Lei 9/2020, de 10 de Abril ao ora Recorrente; 2ª - Por um lado, salvo o devido respeito por distinto entendimento, a mui douta decisão recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 2º, N.º 8 da Lei N. 9/2020, de 10/04, porquanto a aplicação do regime excecional previsto no referido normativo legal se insere indubitavelmente na competência material dos tribunais de execução das penas, in casu, do Tribunal de Execução das Penas do Porto que, em virtude do disposto no artigo 137º, N.º 3 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, é o tribunal territorialmente competente em razão da residência do Recorrente; 3ª - Violação esta que, nos termos do artigo 119º, al. e) do CPP, configura uma nulidade insanável e que expressamente se invoca com todas as legais consequências dela decorrentes, nomeadamente a declaração de nulidade do despacho recorrido e o consequente envio do requerimento do arguido de fls. … e seguintes, com a ref.ª 10045606, ao competente Tribunal de Execução das Penas, in casu o Tribunal de Execução das Penas do Porto para apreciação quanto à peticionada aplicação do regime excecional previsto na Lei N.º 9/2020, de 10 de Abril; 4ª - No âmbito dos presentes autos, o Recorrente, a fls. … e seguintes, em 10/05/2020, requereu a aplicação da medida excecional de perdão previsto no artigo 2º da Lei N.º 9/2020, de 10 de Abril, da pena de prisão aplicada, porquanto, por sentença prolatada em 28/11/2011 e transitada a 10/01/2012, foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p, pelo artigo 105º do RGIT, sendo que, por via da referida decisão, foi-lhe aplicada a pena de 13 (treze) meses de prisão suspensa na sua execução mediante a obrigação de pagar ao Estado a quantia em dívida a título de IVA.

5ª - Suspensão da execução da pena de prisão que, no entanto, foi revogada por despacho proferido em 10/11/2017 e já devidamente transitado em julgado, sendo que, na sequência de requerimento do arguido, foi proferida, em 20/02/2019, decisão, nessa parte transitada, que determinou o cumprimento da supra aludida sanção penal em regime de permanência na habitação.

6ª - Sucede, então, que, no passado dia 11 de Abril, entrou em vigor a Lei N.º 9/2020, publicada em 10/04, que estabelece um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça no âmbito da pandemia da doença COVID -19 que assola, neste momento, o território nacional; 7ª - Sendo que, no âmbito do referido regime e para além das demais medidas, o legislador instituiu o perdão de determinadas penas de prisão, nomeadamente daquelas que tenham duração igual ou inferior a dois anos e que tenham sido aplicadas por decisão transitada em julgado antes da entrada em vigor do referenciado diploma legal; 8ª - Assim, no humilde entendimento do arguido, no caso vertido nos autos, por se encontrarem integralmente preenchidos todos os requisitos previstos para o efeito, nomeadamente no artigo 2º, Ns. 1, 5, 6 a contrario e 7º 1ª parte, da citada Lei N.º 9/2020, de 10/04, é aplicável a medida excecional de perdão, uma vez que o arguido foi, nestes autos e como supra já se referiu, condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, o qual não se encontra excluído da aplicação da medida em apreço pelo N.º 6 do artigo 2º do diploma em apreço; 9ª - Sendo que a aludida decisão condenatória foi prolatada em 28/11/2011 e transitou a 10/01/2012 e, por isso, antes da entrada em vigor do regime em apreciação e através da qual se procedeu à aplicação ao arguido da pena de prisão pelo período de treze meses e, por isso, inferior a 02 (dois) anos; 10ª - Acresce, ainda, que, salvo o devido respeito por distinto entendimento, não se pode afastar a aplicabilidade da medida em apreço por se encontrar determinada a execução da referida sanção penal em regime de permanência na habitação e, ainda, por não se ter iniciado o respetivo cumprimento, 11ª- Por um lado, a decisão de 20/02/2019, que determinou a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, ainda não transitou e, por outro, o afastamento do peticionado perdão e da aplicação do referido regime excecional – o que se não concede e por mera hipótese se acautela - determina uma inegável e gritante violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e assegurado no ordenamento jurídico português; 12ª– O Recorrente ainda pode vir a cumprir a pena efetiva a que foi condenado em regime de reclusão.

13ª- Contudo, é evidente que a intenção do legislador - ainda que de modo algo imperfeito - atento o objectivo que pretendia alcançar, de combate à pandemia, por forma a, naquele meio, previr e impedir a inevitável propagação do Corona vírus, foi a de “esvaziar” os estabelecimentos prisionais; 14ª- E não, como parece ser de mediana clareza, o de os sobrecarregar com novos reclusos, condenados por crimes não excluídos da aplicabilidade da Lei em apreço e cujas penas de prisão não excedem dois anos; 15ª - O princípio consagrado no artigo 13º da Constituição da República quando refere, no N,º 1, que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, impede que os cidadãos em situações essencialmente iguais sejam objeto de tratamento distinto; 16ª - O texto constitucional proíbe a discriminação e impõe a igualdade de tratamento em situações idênticas, não exigindo uma igualdade rigorosa de circunstâncias, mas tão só uma situação essencialmente igual entre os cidadãos; 17ª – Na esteira do mui douto Acórdão prolatado pelo Venerado Tribunal da Relação de Coimbra, em 27/10/2016, no Proc. N.º 7303/15.8T8CBR.C1 e disponível em www.dgsi.pt do qual decorre: « (…) é hoje pacífico que o princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais. Por outras palavras, o que esse princípio proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, porque assentes, designadamente, em meras categorias subjectivas – cfr. acórdãos do TC nºs 186/90, de 6/06/90, e 319/00, de 21/06/00, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pag. 128.»; 18ª - Deste modo, a não aplicação, nos presentes autos, do perdão da pena a que alude a Lei N.º 9/2020, de 10/04 conduziria a uma situação de flagrante desigualdade e de injustificado tratamento diferenciado do arguido perante outros arguidos condenados que se encontram em circunstâncias jurídicas essencialmente iguais às do ora Recorrente, uma vez que este beneficiaria, injustificada e infundadamente, com o perdão da pena de prisão apenas em função do correto regime de execução de uma igual pena de prisão, o que não se concede nem concebe; 19ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, a douta decisão recorrida, entre outros, violou os artigos 2º, Nº 8 da Lei N.º 9/2020, de 10/04, 137º, N.º 3 do Código de Execução de Penas e de Medidas Privativas da Liberdade e 13º, N.º 1 e 2 da Constituição da República portuguesa.

Nestes termos e nos mais e melhores de Direito, que V. Exa. mui douta e sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em...

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