Acórdão nº 00384/20.4BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO M., docente do Ensino Superior Politécnico, residente na Ladeira (…), requereu providência cautelar contra a Universidade de Coimbra para ser admitida a inscrever-se no Curso de Doutoramento em Engenharia Física ou em qualquer outro curso de Doutoramento que venha a frequentar, abstendo-se a Entidade Demandada de emitir atos que impeçam a referida inscrição e praticando os atos necessários à inscrição da requerente.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi indeferida a providência.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões: 1.ª A sentença recorrida ao julgar o pedido de adoção de providência cautelar improcedente padece de erro de julgamento, por errada apreciação dos factos, e sobretudo errada aplicação da Lei e do direito ao caso sub judice.

  1. A fundamentação vertida na sentença recorrida é claramente ilegal, porquanto assenta o direito à isenção do pagamento de propinas da recorrente nos requisitos constantes daquele n.º 2 do artigo 3.º do regime transitório complementar, ignorando por completo que a obrigatoriedade de obtenção do grau de doutor nos termos do ECDESP não se verifica apenas para efeitos de transição para a categoria imediatamente a seguir que, no caso, seria a de professor adjunto ou apenas para efeitos de manutenção do contrato da recorrente.

  2. Mais a sentença recorrida ignorou que a própria instituição emitiu comunicação no sentido de que a recorrente se encontra abrangida pelo regime transitório e com prazo para obter o doutoramento.

  3. A sentença recorrida viola o disposto no n.º 4 do artigo 4.º do decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro.

  4. Analisados os pressupostos do n.º 4 do artigo 4.º do decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro, resulta que, para o docente ter direito à isenção do pagamento de propinas tem apenas de fazer prova de que é docente do ensino superior, o que resulta provado nos presentes autos, designadamente e em especial nos pontos 12 e seguintes da matéria de facto dada como provada e igualmente do facto provado n.º 10.

  5. Tendo em conta as regras da interpretação jurídica (cfr. Artigo 9.º do Código Civil), para que os docentes tenham direito à isenção do pagamento de propinas, bastará que os estatutos prevejam, como preveem, a necessidade e/ou obrigação de obtenção do grau de doutor para manutenção, progressão, integração ou transição na carreira.

  6. A recorrente fez prova de que é docente do ensino superior, in casu, politécnico, sendo este o único e exclusivo requisito para poder beneficiar do direito subjetivo potestativo à isenção do pagamento de propinas.

  7. Ademais a recorrente juntou diversos documentos de onde resulta encontrar se abrangida pelo regime transitório.

  8. Ainda que se não encontrasse abrangida pelo regime transitório, o que se configura por necessidade de raciocínio, a douta sentença recorrida ao cingir a sua decisão apenas na não verificação dos pressupostos de que depende a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 2.º, do decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, alterado pela Lei n.º 65/2017, de 09 de agosto, faz interpretação restritiva, do n.º 4 do artigo 4.º do decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro, a qual é inadmissível e inaceitável não correspondendo minimamente à vontade e intenção expressa do legislador quando previu o direito à isenção do pagamento de propinas dos docentes do ensino superior, que, aliás, foi sendo mantido reiterada e sucessivamente em vigor com a sua redação atual até aos dias de hoje, conforme resulta inclusivamente do disposto no artigo 84.º, al. b) da Lei n.º 74/2006, de 24 de março.

  9. A obtenção do doutoramento é uma condição para se ser docente do ensino superior.

  10. Todos os docentes mesmo que convidados terão de obter ou ser titulares do grau de doutor.

  11. É jurisprudência unânime que o direito subjetivo potestativo dos docentes do ensino superior, in cau, politécnico, opera ope legis - independentemente da vontade da instituição - bastando que o docente faça prova de que é docente do ensino superior, sendo que este direito é correlativo de ser necessário obter o grau de doutor para que os docentes possam manter-se ou aceder às categorias subsequentes na carreira e, isto, independentemente de ser a categoria imediatamente subsequente à detida pelo docente ou seja, docente da carreira ou docente convidado.

  12. A decisão recorrida contraria decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas em situações análogas à dos presentes autos, citadas e juntas com o requerimento inicial.

  13. A sentença recorrida viola o n.º 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, que determina que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas.

  14. À recorrente já foi reconhecido o direito à isenção do pagamento de propinas pela frequência do doutoramento. (cfr. Sentença proferida no processo n.º 601/16.5BECBR do TAF de Coimbra).

  15. Tendo, entretanto, mudado de doutoramento tem de manter-se o seu direito à isenção do pagamento de propinas sob pena de iniquidade e violação do princípio da justiça.

  16. A sentença em crise viola o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do código civil que determina que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.

  17. A sentença recorrida, ao afastar o direito à isenção do pagamento de propinas que a recorrente tem inequivocamente direito, viola, ainda, o princípio da igualdade previsto nos artigos 6.º, 13.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

  18. Ao decidir como decidiu a sentença recorrida está ferida de erro de julgamento, fazendo inadmissível interpretação dos factos e da Lei, designadamente violando o disposto no n.º 4 do artigo 4.º do decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro, bem como, os artigos 9.º-a, n.º 3 e 15.º do ECDESP na redação atual, e ainda o artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

  19. No caso dos autos encontra-se preenchido o requisito do fumus boni iuris previsto no artigo 120.º, n.º 1, segunda parte do CPTA para que fosse decretada a providência cautelar requerida pela recorrente.

  20. A sentença recorrida deve, pois, ser revogada.

  21. Quanto à condenação no pagamento das custas, por ter ocorrido a caducidade do apoio judiciário de que beneficiou a recorrente, tal condenação configura-se como ilegal.

  22. A recorrente pronunciou-se em sede de audiência prévia invocando que não ocorreu tal caducidade, conforme documento adiante junto com o n.º 1.

  23. E, isto é tanto assim quanto a contagem dos prazos de caducidade estiveram suspensos, por via da legislação decorrente da pandemia covid-19, desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020, por força das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 7.º e artigo 10.º da Lei n.º 1-a, de 19 de março, artigo 5.º da Lei n.º 4.º-a/2020, de 6 de abril e artigo 6.º, 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.

  24. Até ao momento não foi, a recorrente, notificada da decisão da Segurança Social, sendo que, caso se pronuncie pela caducidade do apoio judiciário, a recorrente impugnará a decisão.

  25. Desde modo, a condenação da recorrente no pagamento de custas é ilegal, tanto mais, que não lhe foi comunicada pela Segurança Social qualquer decisão final.

Face ao exposto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que faça boa aplicação da Lei e do Direito.

Assim se fazendo, JUSTIÇA! *A Requerida juntou contra-alegações, concluindo: 1. Vem o presente recurso interposto pela Recorrente M. da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 25 de Novembro de 2020, que julgou improcedente o pedido de adopção de providência cautelar e, em consequência, absolveu a entidade requerida do pedido, não decretando a requerida providência cautelar.

  1. Discorda a Recorrente da decisão do Tribunal a quo, designadamente na parte referente ao indeferimento da providência cautelar por falta de verificação do requisito fumus boni iuris, discordância que pelejamos por manifestamente infundada, subscrevendo na íntegra o entendimento plasmado na douta sentença.

  2. Ao contrário do que defende a Recorrente, para que lhe seja concedido o direito à isenção do pagamento de propinas, não bastará provar ser docente do ensino superior.

  3. Do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 216/92 de 13 de Outubro resultam duas exigências para que seja atribuído o direito de isenção do pagamento de propinas: que o interessado seja docente do ensino superior e que esteja obrigado à obtenção do grau de mestre ou de doutor.

  4. No que se refere ao segundo requisito para que lhe seja atribuído o direito de isenção do pagamento de propinas, a Recorrente não efectuou qualquer prova do seu preenchimento, ou seja, não apresentou qualquer prova de que ainda se encontra, na presente data, abrangida pelo regime transitório estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 45/2016 de 17 de Agosto, alterado pela Lei n.º 65/2017 de 9 de Agosto.

  5. Bem andou a sentença recorrida ao considerar que a Recorrente deixou indiciado exactamente o contrário, na medida em que ficou provado que a 17 de julho de 2020 o Instituto Politécnico do Porto comunicou à Recorrente a necessidade de esta provar estar em estado avançado do seu doutoramento, relembrando-lhe que teria de demonstrar a aquisição do grau de “doutor” até 17 de agosto de 2020 (Facto Provado 10).

  6. É claro e inequívoco o motivo pelo qual a Recorrente não fez prova do preenchimento do segundo requisito para que lhe fosse concedida a isenção do pagamento de propinas: é que, efectivamente, a Recorrente não o preenche, na medida em que já não se encontra abrangida pelo referido regime transitório.

  7. A obtenção do doutoramento ou título de especialista dentro dos prazos fixados no regime transitório estabelecido pelo Decreto-lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto alterado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT