Acórdão nº 1115/12.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório A……………, Lda., melhor identificada nos autos, apresentou impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2007, pedindo a sua anulação, o que fez na sequência do indeferimento de reclamação graciosa.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 126, (numeração do SITAF), datada de 2020.06.18, julgou parcialmente procedente a acção de impugnação judicial e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas na parte relativa a regularizações de IVA que têm como documentos de suporte os originais das faturas emitidas pela impugnante às suas clientes, bem como na parte relativa a regularizações decorrentes de situações de falência. A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença, conforme requerimento de fls. 156 e ss. (numeração do SITAF). As conclusões de recurso são as seguintes: « A)Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação de impugnação judicial deduzida por A........, Lda. na sequência do indeferimento de reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2007, e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas na parte relativa a regularizações de IVA que têm como documentos de suporte os originais das faturas emitidas pela impugnante às suas clientes, bem como na parte relativa a regularizações decorrentes de situações de falência.

  1. Em causa nos autos está a regularização de IVA constante de fatura, quando, por qualquer motivo, o valor tributável da operação ou o respetivo imposto venham a sofrer alguma retificação.

  2. A Impugnante, ora Recorrida anulou várias faturas emitidas a clientes de grandes cadeias de super e hipermercados como a “C........, S.A.”, “P........, Lda” e “P........, S.A.” e fê-lo à margem do disposto no n.º 5 do art.º 78.º do CIVA, conforme veremos.

  3. Da referida disposição legal extrai-se, não só que o sujeito passivo, emissor das faturas, terá de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, prova essa documental, mas também que o suporte documental a que apela a disposição legal se terá de ter como produzido à data da efetivação da regularização, e não em momento posterior quando confrontado o sujeito passivo com a não admissibilidade do IVA regularizado a seu favor face à inexistência de prova documental, sob pena de inversão do raciocínio do legislador vertido na norma.

  4. Portanto, nos termos do ao tempo artigo 71.º, n.º 5 do Código do IVA, atual art.º 78.º n.º 5 do CIVA, a regularização do IVA a favor do sujeito passivo, nos casos em que o valor tributável da operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, depende de um pressuposto legal, ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de se considerar indevida a respetiva dedução do IVA.

  5. Pelo que, se o sujeito passivo no momento em que efetua a regularização do IVA não possui a prova exigida no n.º 5 do art.º 71.º do Código do IVA, e, apesar disso, efetua a dedução do respetivo imposto, é a própria norma que estatui que esta dedução se considera indevida.

  6. O Tribunal a quo defende igualmente que a prova a produzir, em sede de IVA e das suas regularizações, é prova documental.

  7. No entanto, e apoiando-se na jurisprudência do TJUE, nomeadamente o Acórdão Kraft Foods, processo C588/10 do TJCE, 2.a secção de 26.01.2012, afirma que a prova documental exigida no art.º 78.º n.º 5 do Código do IVA pode assumir qualquer suporte, desde que idóneo para o efeito.

  8. Para o efeito considerou o Tribunal a quo que as faturas emitidas pela ora Recorrida, enviadas aos respetivos clientes e posteriormente devolvidas à ora Recorrida, juntamente com os extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007 enviadas pelos clientes em causa, representam prova documental suficiente de que os adquirentes tomaram conhecimento da retificação, sendo portanto devida a dedução, ao abrigo do disposto no art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA, ao tempo.

  9. Refira-se desde logo que embora tenha sido dado como provado que as faturas em causa nos autos não constam dos extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007 e, consequentemente não foram contabilizadas [cf. als. P), W) e Z) dos factos provados], em nenhum momento da sentença é referido quando é que a ora Recorrida teve acesso a esses mesmos extratos.

  10. Uma vez que o art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA refere expressamente que o sujeito passivo emissor da fatura e beneficiário da regularização do IVA tem de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, e que como já foi supra afirmado, tal prova terá de se ter como produzida à data da efetivação da regularização, e não em momento posterior, mostra-se muito relevante o momento em que a ora Recorrida teve acesso a esses elementos, para que dessa forma se possa avaliar o cumprimento pela ora Recorrida do pressuposto legal para a regularização do IVA a favor do sujeito passivo.

  11. Tal não foi, no entanto, tido em consideração na sentença ora recorrida.

  12. Não pode o Tribunal a quo afirmar que a ora Recorrida emitiu as notas de lançamento após quer a devolução das faturas, quer o conhecimento de que as mesmas não foram contabilizadas quando desconhece o momento a partir do qual a ora Recorrida teve acesso aos extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007, assim como desconhece quando é que os clientes devolveram as faturas em causa nos autos.

  13. A exigência da lei de que o sujeito passivo tenha na sua posse prova “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto" justifica-se pelo fim visado pelo legislador na referida disposição legal, o controlo da evasão e fraude fiscal pela AT.

  14. Exige-se, portanto, que para que o sujeito passivo possa utilizar esse mecanismo legal, cumpra o regime jurídico específico das regularizações do IVA e, consequentemente, cumpra os seus pressupostos legais.

  15. O Tribunal a quo não analisou sequer um dos pressupostos legais do regime jurídico específico das regularizações do IVA.

  16. Não situando temporalmente o conhecimento pelos adquirentes, pelos clientes, da retificação, o Tribunal a quo invalidou a possibilidade de controlo de um dos requisitos legais para a regularização do IVA, o de que a retificação ocorreu após o conhecimento pelos adquirentes de que a mesma seria feita.

  17. E, acrescente-se que o entendimento do TJUE não é contrário ao aqui explanado.

  18. Embora o entendimento do TJUE seja que, em nome dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, se exige maior flexibilidade no suporte documental admitido pelas Administrações Tributárias dos Estados-membros que comprove o conhecimento pelo adquirente, continua o TJUE a exigir que esse conhecimento seja prévio à própria retificação.

  19. Ademais, considerou o Tribunal a quo provado, nos ponto L) e M) dos factos dado como provados, factos exclusivamente com base em prova testemunhal, no depoimento de apenas uma testemunha, C........, contabilista certificado e diretor financeiro da ora Recorrida.

  20. Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, não se pode considerar a prova testemunhal, ainda mais sendo apenas uma testemunha, suficiente para provar um procedimento de regularização de IVA que não guarda qualquer registo documental do conhecimento pelo adquirente/cliente da referida regularização, limitando-se a assumir a devolução das faturas originais como base para a respetiva regularização.

  21. Considerar provado o conhecimento pelos clientes da retificação somente com base em prova testemunhal é, em si mesmo, um desvio ao próprio art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA, que exige suporte documental, anterior à retificação, que comprove que o cliente teve conhecimento da retificação.

  22. As faturas em si mesmo, e uma vez que não há qualquer prova nos autos quer do envio das mesmas, quer da sua devolução à ora Recorrida, só assumiram a vertente de prova documental, exigida pela referida disposição legal, por referência ao depoimento da testemunha.

  23. Sem o depoimento da testemunha, C........, as faturas em si mesmo e sem prova igualmente documental do caminho percorrido pelas mesmas, seriam apenas faturas sem qualquer valor probatório para o efeito. Só adquiriram o valor probatório que o Tribunal a quo lhes deu em virtude do depoimento da testemunha e, portanto, de prova testemunhal, o que é, no mínimo, insuficiente e consubstancia claro erro de julgamento.

  24. Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos [Acórdão do TRP de 04/07/2016, no âmbito do processo n.º 197/14.2TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt1 Z) Já a prova testemunhal terá de ser valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

    A

  25. Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que os clientes tiveram conhecimento da retificação das faturas e, consequentemente, que foram cumpridos pela ora Recorrida os pressupostos legais constantes do art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA, atual art.º 78.º n.º 5 do CIVA para a retificação das faturas.

    BB) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT