Acórdão nº 1813/20.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 18 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A..., cidadão do Senegal, intentou o presente processo urgente contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), peticionando a anulação da decisão proferida em 10.09.2020 pelo Director Nacional Adjunto daquele Serviço, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor e ordenou a transferência do mesmo para a Itália, o Estado-Membro responsável pela sua retoma a cargo O TAC de Lisboa, por sentença de 21.11.2020, julgou a acção improcedente.
Com o decidido não se conformando, veio interpor recurso para este TCA, contendo o requerimento de recurso as seguintes conclusões: A) Se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertencer a outro Estado-Membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, conforme determinam os art.ºs 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06 e 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26 de junho; B) O art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, de 26 de junho, determina uma verdadeira obrigação legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento; C) Por conseguinte, uma vez apresentado um pedido de protecção, o respectivo Estado-Membro terá primeiramente que aferir, nos termos determinados no art.º 3.º, n.º 1 e no Capítulo III do Regulamento n. º 604/2013, de 26 de junho, qual é o Estado responsável pela apreciação de tal pedido e, sendo identificado como responsável pela apreciação do pedido um outro Estado-Membro, há, então, que avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, § 2.º, do Regulamento n.º 604/2013, de 26 de junho; D) Ponderando todas as informações conhecidas sobre o país considerado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, de maneira a aferir se existem, no caso, motivos que justifiquem a decisão de não transferência, nomeadamente, a existência de um risco real, directo ou indirecto, de o requerente ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3.° da CEDH e 4.° da CDFUE e não apenas os factos notórios.
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Verificação que não deve sequer ficar dependente da circunstância de serem tais factos notórios ou não, ou da alegação pelo interessado, atentos o princípio do inquisitório previsto no art. 58.º do CPA e o dever de averiguação de todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa, imposto pela normas constantes dos n.º 1 e 2 do art. 115.º do mesmo diploma legal.
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Entende-se que no que respeita ao Regulamento n.º 604/2013, de 26-06 , a discricionariedade contemplada no art.º 3.º, n.º 1, acaba por ser afastada pela obrigação constante do n.º 2 daquele preceito legal, que determina um verdadeiro dever legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento.
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Nesse sentido, víde o Acórdão do TCAS de 22-08-2019, proferido no Proc. n.º 1982/18.1BELSB.
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A decisão do Senhor Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em apreço nos autos padece de défice de instrução, por violação dos artigos 58.º e 115.°, n.ºs 1 e 2 do CPA e do art.º 3.º, n.º 2, § 2.º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26 de junho, sendo por isso anulável nos termos do artigo 163.°, n.º 1 do CPA.
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A sentença recorrida, ao manter a decisão administrativa, viola igualmente as citadas normas legais.
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
• Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não emitiu pronúncia.
• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
• I. 1.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se o tribunal a quo errou ao ter concluído pela manutenção do despacho impugnado, apesar do défice de instrução alegado, o qual determinou também a notificação do requerente de protecção internacional para efeitos da sua transferência para a Itália, por ser este o Estado Membro responsável.
• II.
Fundamentação II.1.
De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: 1) O ora Autor, nacional do Senegal, nascido em 04/01/1993, apresentou um pedido de protecção internacional em Portugal em 27/07/2020, que foi registado sob o processo nº 694/20 – cfr. fls. 1, 2 e 31 do PA junto aos autos; 2) Em 26/07/2016, o Autor apresentou pedido de protecção internacional em Itália, tendo as suas impressões digitais sido recolhidas e inseridas na base de dados EURODAC – cfr. fls. 3, 40 e 50 do PA junto aos autos; 3) Em 14/08/2020, foi realizada uma entrevista com o ora Autor, nos termos do instrumento de fls. 35-45 do PA junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: «Imagem no original» 4) Em 21/08/2020, as autoridades portuguesas dirigiram um pedido de “Retoma a Cargo” ao Estado Italiano, ao abrigo do art. 18º, nº 1, al. d), do Regulamento (UE) nº 604/2013 – cfr. fls. 46-51 do PA junto aos autos; 5) Com data de 10/09/2020, o SEF comunicou às autoridades italianas que, em face da ausência de decisão, no prazo de duas semanas, ao pedido de retoma a cargo identificado no ponto antecedente, Portugal considera que a Itália aceitou tal pedido – cfr. fls. 53 do PA junto aos autos; 6) Em 10/09/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a informação nº 1900/GAR/2020, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) Pelo exposto, e tendo em consideração que os pedidos são analisados por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho designarem como responsável, propõe-se que a Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 25 nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho.” – cfr. fls. 59-62 do PA junto aos autos; 7) Em 10/09/2020, foi proferida pelo Director Nacional Adjunto do SEF a “Decisão” que ora se reproduz: “De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º - A e no n.º 2 do artigo 37º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.º 1900/GAR/2020 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A..., nacional do Senegal, inadmissível.
Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º, n. º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho.” – cfr. fls. 63 do PA junto aos autos; 8) Em 28/09/2020, a decisão referida no ponto anterior foi comunicada ao ora Autor, em língua mandinga – cfr. fls. 69 do PA junto aos autos.
Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.
• II.2.
De direito O ora Recorrente pretende a anulação da decisão que indeferiu, por inadmissível, o pedido de asilo formulado e que determinou a sua transferência para a Itália, entendendo existir erro de julgamento da sentença recorrida ao não se ter concluído pela existência de deficit instrutório no procedimento.
Alega, em exclusivo no recurso, que o SEF não instruiu devidamente o seu processo de asilo e que se lhe impunha averiguar das condições de acolhimento em Itália.
Vejamos então do mérito do decidido.
No TAC de Lisboa a acção foi julgada improcedente com a seguinte fundamentação, a qual se transcreve na sua parte aqui pertinente: “(…) Do quadro normativo exposto resulta, em síntese, que, nas situações em que o Estado Português considere – em aplicação dos critérios previstos no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho – que a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertence a outro Estado-Membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial regulado nos arts. 36º e seguintes da Lei de Asilo, podendo requerer ao Estado titular da competência a tomada ou retoma a cargo do requerente de protecção internacional.
Como se sumariou no acórdão do TCA Sul, de 07/02/2019, proferido no proc. nº 1635/18 (disponível em www.dgsi.pt), a este propósito: “O Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, como já sucedia com o Regulamento (CE) n.º 343/2003, que estabelece os critérios e os mecanismos de determinação da responsabilidade da análise dos pedidos de proteção internacional apresentados nos Estados-Membros, prossegue dois objetivos essenciais: por um lado, visa garantir um acesso efetivo aos procedimentos de determinação do estatuto de refugiado, sem comprometer a celeridade no tratamento dos pedidos de asilo e assegurando a certeza e segurança jurídicas ao nível da União...
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